Cinco aspectos essenciais para o crescimento espiritual
Fernando Dias
Se a primeira preocupação de um ganhador de almas é fazer novos conversos para o reino de Deus, sua segunda preocupação deve ser mantê-los na igreja. Segundo estatísticas, para cada dois novos convertidos, há, praticamente, uma apostasia.1 Certamente essa é uma taxa altíssima. Não se pode, como alguns fazem, colocar toda a responsabilidade da perda da fé de uma pessoa num preparo deficiente para o batismo; afinal, assim como há a decisão de seguir a Cristo, há a decisão de não mais segui-Lo. No entanto, é fato que “os candidatos ao batismo não têm sido tão escrupulosamente examinados em relação ao seu discipulado quanto deveriam ser”.2 Nunca deixaremos de ter apostasias, pois, mesmo no grupo discipulado pelo próprio Cristo, ela existiu. No entanto, a liderança da igreja deve ajudar cristãos imaturos a se desenvolverem espiritualmente a ponto de estarem prontos para resistir ao mal e permanecer inabaláveis na fé (Ef 6:13).
As igrejas adotam programas de discipulado de novos membros. Apesar de suas qualidades, alguns desses enfatizam apenas um aspecto da experiência do discipulado. Se se identifica que as apostasias acontecem por falta de conhecimento bíblico, adota-se um programa de discipulado concentrado na doutrinação. Se os ex-membros apontam a falta de amizades na igreja como a causa do abandono da fé, cria-se um programa de discipulado que enfatiza relacionamentos, em detrimento de outros aspectos. Muitas vezes, novos membros são desafiados ao serviço e à missão sem um conhecimento bíblico básico. Uma proposta de discipulado deve ser completa para ser eficaz.
Este artigo apresenta cinco ênfases que não podem deixar de existir no processo de discipulado. Este só será completo se o discípulo se integrar à comunidade da igreja, adotar o estilo de vida cristã, habituar-se às práticas devocionais, conhecer a doutrina bíblica e engajar-se no serviço e na missão. Vejamos os cinco aspectos de um discipulado integral.
Aspecto comunitário
A amizade é muito eficaz para alcançar pessoas para o reino dos Céus e mantê-las nele. Independentemente de alguém ser extrovertido ou introvertido, como cristão, ele pertencerá a uma religião comunitária. Dificilmente uma pessoa é ganha para Cristo por influência de apenas um único discipulador. Um grupo foi responsável por trazê-la a Cristo, e uma comunidade será responsável por mantê-la em Cristo. No entanto, esse pode ser um dos aspectos mais mal aplicados do discipulado. Fazer amizades na igreja é importante para conter apostasias, mas o social não prescinde o espiritual. Em algumas igrejas, “a preciosa palavra comunhão torna-se identificada com uma relação puramente horizontal de homem para homem, não com aquele relacionamento horizontal-vertical de homem para homem em Deus”.3 Se a igreja for apenas uma agremiação social, os relacionamentos que cativaram novos membros poderão também afugentá-los.
Aspecto comportamental
Alguns temem apresentar os altos padrões morais do cristianismo àqueles que evangelizam. Pensam que o interessado ficará desanimado diante de princípios de afastamento do mundanismo, códigos de vestimenta, restrições dietéticas, valores éticos e dedicação ao serviço a Deus e ao próximo. Receiam também evitar o legalismo que uma ênfase equivocada no comportamento possa resultar. Aliás, o legalismo é apontado como fator de desânimo e desistência da fé entre novos conversos.4
Não adianta, no entanto, evitar os temas de costume no processo de discipulado, pois “a vida do discípulo precisa de rigorosa disciplina externa”.5 É uma falácia perigosa pensar que rebaixar as normas aumenta a adesão a um grupo religioso. Brenda Hale, citada por Michael Brown, apontou “que a Igreja da Inglaterra está em declínio precisamente porque faz pouquíssimas exigências de seus membros: ‘Não há regras alimentares, tampouco normas de roupas adequadas para homens e mulheres, e as coisas a que os adeptos têm de obedecer são muito poucas’”.6
Um novo convertido jamais resistirá às tentações do mundo se não aderir a um estilo de vida cristão, com mudanças no vestuário, na alimentação, nas opções de entretenimento, na linguagem e na maneira de pensar, e se não desenvolver uma vida virtuosa. Dallas Willard disse que “podemos descrever a frase ‘ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado’ como a Grande Omissão da Grande Comissão de Mateus 28:19, 20”.7
O discípulo precisa descobrir a dinâmica de evitar a tentação e buscar a santidade. Ele deve aprender a contar com a ajuda do Espírito de Cristo no esforço, na renúncia e na disciplina envolvidos nessas mudanças. Assim como Jesus pagou um preço alto para salvá-lo, o discípulo precisa pagar um alto preço de renúncia e dedicação para se tornar quem Deus anela que ele seja.8 Quanto mais altos são os padrões morais apresentados, mais eles inspirarão comprometimento e engajamento na igreja.9
Aspecto doutrinário
Cristo ensinava a doutrina bíblica de maneira cativante (Mt 7:28; 22:33; Mc 11:18; Lc 4:32). Ele mesmo afirmou que conhecer a doutrina é indispensável para a vida cristã (Jo 7:17). Paulo Cilas da Silva apresenta quatro fatores que reforçam a necessidade de doutrinação: as falsas doutrinas do cristianismo pós-apostólico, as filosofias religiosas não bíblicas (existencialismo, ecumenismo, pluralismo, secularismo, espiritualismo), o mosaico religioso e as distorções doutrinárias.10
A doutrinação inicia-se antes do batismo e deve prosseguir como parte do que é ser membro da igreja. A pregação, as classes bíblicas, a Escola Sabatina, a leitura de livros, os estudos em pequenos grupos, e até mesmo retiros, vigílias e aulas são modalidades que devem ser usadas para a doutrinação.
O conhecimento teórico da doutrina não deve se opor nem substituir um sentimento de comunhão com Deus.11 “A compreensão da doutrina deve ser com o propósito de ajudar as pessoas a se entregarem totalmente a Cristo”,12 pois “toda verdadeira doutrina torna Cristo o centro, todo preceito recebe força de Suas palavras”.13
Aspecto espiritual
Além de Expositor teológico, Cristo foi Mestre da vida devocional. Ele, por pregação e exemplo, ensinou Seus discípulos a ter uma vida de profunda comunhão com Deus. Uma pessoa ligada a Cristo por meio de uma vida devocional ativa permanece ligada ao corpo místico de Cristo, Sua igreja. Ellen White, em um único texto, apresentou 18 disciplinas espirituais praticadas por Jesus: comunhão, serviço, entrega, temperança, pureza, obediência, simplicidade, estudo da Palavra de Deus, solitude, meditação, oração, cântico, testificação, contemplação, descanso, vigília, comunidade e orientação.14
Após descer do monte da transfiguração, Cristo demonstrou a Seus discípulos que uma vida espiritual profunda é o poder para vencer o mal (Mt 17:20-21; Mc 9:29).
Aspecto missionário
Envolver novos discípulos na missão é parte de seu discipulado, pois “todo verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus como um missionário. Aquele que bebe da água da vida, faz-se fonte de vida. O depositário torna-se doador.”15
Alguns cometem o erro de imaginar que nomear um novo membro para um cargo na igreja irá comprometê-lo com a missão. No entanto, as funções eletivas da igreja são de liderança e, segundo o ensinamento de Cristo, é o serviço que prepara para a liderança, e não a liderança que forma o servo (Mc 10:42-44). Melhor é ocupá-lo com as mais diversas atividades relacionadas a alcançar pessoas para Cristo e capacitá-lo para ser uma testemunha do Mestre. “Quanto mais os discípulos estão envolvidos em compartilhar Cristo, mais desenvolverão suas habilidades e impulsionarão seu êxito”.16 Assim, compor uma dupla missionária com a pessoa que o discipulou é um estágio eficaz de discipulado. Afinal, “o teste infalível e absoluto do discipulado é o amor incondicional a Cristo e a paixão por salvar os perdidos”.17
Conclusão
O erro de muitos discipuladores é enfatizar somente um desses aspectos. Formam-se crentes relacionais, mas mundanos; doutrinados, porém fanáticos; bem-comportados, só que legalistas; fervorosos sem entendimento; enfim, testemunhas que não têm de que testificar. O discipulado eficaz precisa ser integral, envolvendo coração (relacionamentos), mãos (comportamento), mente (doutrina), espírito (devoção) e boca (testificação). Só assim os ensinaremos a “guardar todas as coisas” (Mt 28:20).
Referências
1 Márcio Tonetti, “Perda de fiéis é preocupante”, disponível em <https://tinyurl.com/rhpj967>, acesso em 26/2/2020.
2 Ellen White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997), p. 311.
3 Thomas Kelly, Um Testamento de Devoção: Encontre paz e tranquilidade mesmo na agitação da vida moderna (Brasília: Palavra, 2012), p. 55.
4 Jane Thayer, “Desafios da conservação”, Ministério, julho de 2010, p. 14.
5 Dietrich Bonhoeffer, Discipulado (São Paulo: Mundo Cristão, 2016), p. 132.
6 Michael Brown, “Why conservative
churches are still growing”, disponível em
<https://tinyurl.com/wh3rb4g>, acesso em 26/2/2020.
7 Dallas Willard, O Espírito das Disciplinas: Entendendo como Deus transforma vidas (Rio de Janeiro: Habacuc, 2003), p. 30.
8 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), v. 2, p. 354.
9 Dean M. Kelley, Why Conservative Churches Are Growing: A study in Sociology of Religion (San Francisco: Harper and Row, 1977), p. 112-153.
10 Paulo Cilas da Silva, Séries de Estudos Bíblicos da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Brasil (Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitária Adventista, 2003), p. 28-37.
11 Alejandro Bullón, Conhecer Jesus é Tudo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2009), p. 20, 90-94.
12 Edson Menegheze Bonetti, Discipulado: Uma igreja que cresce (Cornélio Procópio, PR: edição do autor, 2007), p. 24.
13 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v. 6, p. 54.
14 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 51-58.
15 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 195.
16 Michael Njagi Mbui, Making Discipleship Simple (Grantham, Inglaterra: Autumn House, 2013), p. 108.
17 Bonetti, Discipulado, p. 24.
Fernando Dias, editor na Casa Publicadora Brasileira