Se eu estivesse naquela reunião, naquele domingo à noite, teria reagido da mesmíssima maneira. Tudo o que ele fez foi “dar uma saidinha”.
Quem poderia condená-lo, depois de passar todo aquele dia trancado, com medo da multidão, ali no abafado cenáculo? Todos estavam nervosos, transpirando muito. Com aquele cheiro do medo tornando o ar ainda menos respirável, eu te-ria feito a mesma coisa. A cabeça pesada… Claro que ele teve que se afastar um pouco daquele ambiente.
Mas voltou logo. Depois de tomar o ar fresco da noite, em uma solitária caminhada pelas sombras, ali nos arredores. Arrasado, confuso, com medo, amargurado, sentindo o vazio pela morte do seu Mestre, ele voltou, subindo, na ponta dos pés, aquelas barulhentas escadas até o cenáculo, ainda cheio de gente assustada com a polícia, que havia prendido seu Líder, na quinta-feira à noite, e poderia voltar a qual-quer momento e bater à porta, procurando por eles, naquele domingo.
Por tudo isso, acho que teria reagido da mesma forma que Tomé, quando, finalmente. retornou à sala, naquela noite. Ele bateu à porta. Silêncio completo, lá dentro. Bateu de novo. Nada. Procurando uma fenda da porta, falou qualquer coisa, identificando-se para os que estavam do lado de dentro. Ninguém se moveu. Com enorme frustração, ergueu a voz para gritar, pois percebeu que antes estivera sussurrando. A única reação foi uma pesada tranca de madeira escorregando pelo lado de dentro da porta. Em seguida, um raiozinho da luz amarelada da candeia atingiu sua face agitada. “Abra, logo!” A porta se abriu só o suficiente para que uma mão o puxasse para dentro, e imediatamente a pesada tranca foi acionada de novo, para que a porta não pudesse ser aberta.
O ambiente da sala virou uma balbúrdia. Todos queriam contar alguma coisa para Tomé. Ele foi cercado num canto. Para chamar sua atenção, as pessoas chegavam a puxar sua barba ou cutucá-lo, enquanto riam e choravam contando o que havia acontecido, exatamente naqueles minutinhos, quando Tomé estivera fora. Jesus tinha estado ali! Atordoado, Tomé sacudia a cabeça para os lados. À frente dele, dez outras cabeças sacudiam, para baixo e para cima, ao mesmo tempo. “É verdade, Tomé… Ele está vivo!”
Tenho dificuldade para condenar a atitude de Tomé ao quebrar aquela alegria quase histérica que havia na sala. Olhando bem dentro de seus olhos escuros, como pastores, sabemos muito bem o que vemos. A mensagem deles é aquela com a qual temos nos defrontado com muita freqüência – a dolorida angústia, o orgulho ferido, a dor da rejeição e até mesmo o toque da dúvida.
Como Tomé ia entender que Jesus não podia ter esperado até que ele voltasse ao cenáculo? Por quê? Foi isso acontecer, logo com ele, Tomé, se amava a Cristo tan-to quanto os demais? Não estivera ele com Cristo tão fielmente como os outros? Se Jesus estivesse realmente vivo, deveria ter aguardado a volta de Tomé. Ou será que Ele amava mais os outros?… A não ser que Ele conhecesse a grande luta que Tomé travava no coração e, propositadamente, quisesse deixar Tomé excluído dessa revelação…
Tais pensamentos deixavam Tomé extremamente pesaroso. Ele só encontrou uma saída. Para disfarçar sua dor, mergulhou em raciocínios, cálculos frios e detalhados, característicos dos céticos.
É isso que acontece com quase todos os céticos, não é mesmo? Em seu livro, How to Respond to a Skeptic (Como Respoder a um Cético), Lewis Drummond e Paul Baxter fazem uma interessante psicanálise da maneira de pensar de um cético. Eles analisam a vida de alguns dos mais famosos céticos, através dos tempos, e identificam um procedimento comum, uma espécie de jeito de ser que explica o ceticismo. Drummond e Baxter chegaram à conclusão que o catalisador primário das dúvidas originais e questionamentos básicos de um cético está geralmente relacionado com uma significante experiência negativa. Alguma coisa, em algum lugar, deu errado. Uma esperança foi frustrada. Um coração foi ferido. Um amor foi rejeitado. Co-mo resultado, nasceu mais um cético.
Elie Wiesel, ganhador de um Prêmio Nobel da Paz, admitiu isso claramente. Em seu livro Night, conta que o fato de ter si-do testemunha ocular do Holocausto, nos campos de morte de Buchenwald e Auschwitz, aniquilou sua fé infantil como um judeu. Era Deus, chegou a pensar ele, que enforcava e matava no Holocausto. Assim, com freqüência, o ceticismo é a reação a uma dor pessoal.
Seria muito interessante traçar a origem de nosso ceticismo, chegando até sua causa inicial. Onde ele se originou? Para Tomé, como para muitos outros, o ceticismo nasceu a partir de uma experiência de orgulho machucado e um senso de rejeição.
“Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Disseram-lhe, então, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele respondeu: Se eu não vir nas Suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no Seu lado, de modo algum acreditarei.” João 20:24 e 25.
Que mais seria capaz de inventar um orgulho ferido? Que mais pode exigir o racionalismo, brotando desse trauma? Encarando as dez faces jubilosas, o cético volta-se para dentro de si mesmo e fica remoendo suas dúvidas.
Tempos atrás, visitei um médico. Apesar de não ser cristão, era um homem religioso. Como ele sabia que eu era pastor, a conversa logo foi para o lado da religião. Falamos sobre a morte, já que tanto o trabalho dele quanto o meu exigem uma postura diante dessa realidade. E quando perguntei o que ele cria a respeito da morte e do além, replicou: “Como poderemos saber? Se jamais estivemos lá. Para mim, a vi-da além da morte simplesmente significa que minha vida será refletida na dos meus filhos e netos. Esse é o sentido da vida após a morte para mim.”
Para Tomé, também tudo parecia igualmente reduzido. Não é possível saber, sem ter estado lá. Tanto que ele disse: “Se eu não vir nas Suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no Seu lado, de modo algum acreditarei.”
Passaram-se milênios, mas o ceticismo é o mesmo. Você e eu não somos muito diferentes de Tomé, e possivelmente de meu amigo médico. Por essa razão vivemos num mundo onde o intangível se transforma rapidamente no insustentável. A ciência tem nos ensinado: não insista no que você não pode provar.
Em carta anônima ao editor do Atlanta Journal, um escritor assim atacou o criacionismo: “O mais esquisito é como essas crenças tão absurdas ainda persistem, quando estamos já tão perto do século 21. Isso aí não passa do espasmo final de uma teologia quase defunta… É lamentável, mas o ser humano tende a mistificar tudo o que não entende. Enquanto a susceptibilidade não for arrancada pelo avanço evolucionista, essa idiotice medieval vai continuar nos prendendo como um jugo. Mas não tenha dúvida, chegará o dia em que as portas da última igreja serão fechadas para sempre. A última Bíblia será mandada para um museu, para juntar poeira, ao lado de outras ferramentas de curandeiros e pajés, que, durante certo tempo, controlaram a mente das pessoas. Os futuros arqueólogos irão descobrir esse livro bobo e rir do fato de seus ancestrais terem sido tão simplórios.”
Esse tipo de ceticismo tem se tornado apaixonante. Desde que foi carimbado com a infidelidade, o ceticismo passou a ser considerado a estrela brilhante da inteligência. Em alguns círculos, quanto mais cínica se mostra a mente, maior poder intelectual é a ela creditado.
De acordo com essa postura de Tomé (ver para crer), a aceitação da Declaração da Independência Americana (por exemplo) pode ser considerada a coisa mais esdrúxula. Nem você nem eu temos como provar sua autenticidade. Nunca vi Thomas Jefferson. Não sei como descobrir exatamente se as coisas aconteceram na-quele 4 de julho de 1776 conforme a história e tradição contam (existem mesmo historiadores que insistem que os fatos não se deram no 4 de julho).
Pois eu até visitei o Arquivo Nacional, em Washington, para contemplar, por alguns momentos, o papel amarelecido que se diz ser a original Declaração de Independência. Vi que consta ali o que se considera como a assinatura de Thomas Jefferson. Mas como vou saber que o documento não é falso? Ou que a assinatura é verdadeira? Será que tudo não passa de uma trama bem urdida? Esse “só creio no que vejo” de Tomé significa que não posso crer também em Thomas Jefferson, uma vez que jamais me encontrei com ele. Tudo o que posso fazer é crer no testemunho das pessoas que estavam naquele dia em Philadelphia, Pennsylvania. Tudo o que tenho é o que foi passado de geração para geração, um testemunho que não consigo, de forma alguma, comprovar que é verdadeiro.
O ceticismo desemboca numa opção: em quem devo crer? Se você escolher crer somente no que vê, tem que rejeitar completamente toda a história.
Antes de mais nada, deixe-me reafirmar que creio em Thomas Jefferson. E creio também em Tomé, aquele cético, que sete dias depois se tornou um crente, pelo único meio que faz um cético passar a crer.
Todos estavam lá, inclusive Tomé, no Jesus é o companheiro, tanto do crente quanto do cético.
mesmo cenáculo, uma semana após a ressurreição. A porta que dava acesso ao segundo pavimento estava trancada, e também as janelas. As pessoas, lá dentro, continuavam acuadas, nervosas, transpirando muito. E era noite, também. Então, subitamente, Ele apareceu. Inicialmente não disse uma palavra. Apenas apareceu. Vindo de lugar nenhum, colocou-Se entre eles. Vestido como um galileu típico. Alguém suspirou. Todos então se voltaram para o centro da sala. E Jesus falou: “Paz seja convosco!” (João 20:26).
Antes que qualquer um pudesse esboçar reação, Jesus voltou-Se para Tomé, que es-tava de olhos arregalados, pálido e pasmo.
Aí foi declarada a maior verdade para todo aquele que está lutando e não venceu o ceticismo: “Põe aqui o teu dedo e vê as Minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no Meu lado; não sejas incrédulo, mas crente.” (João 20:27). Toque-Me, Tomé. Se é isso que você precisa, toque-Me. Jesus não Se havia encontrado com nenhum dos dez durante aquela semana. Portanto, ninguém poderia tê-Lo informado da reação de Tomé. A conclusão é que durante os momentos mais escuros, em que Tomé esteve dominado pelas dúvidas, Jesus estivera com ele, embora ele não O percebesse. Essa é a maior prova de que Je-sus é o Companheiro, tanto do crente quanto do cético. Tomé pensava que estava sozinho em seus sofrimentos. Mas es-tava errado. O ressuscitado Jesus estivera com ele, todo o tempo.
“Põe aqui o teu dedo.” Mas Tomé não fez isso. Naquela noite, não. Tomé tivera a evidência necessária de que Jesus estivera com ele, o tempo todo, invisível, im-palpável, mas real. A realidade que ele teimava em rejeitar estivera ao lado dele, mesmo enquanto ele não cria. A única reação do que estivera duvidando foi clamar, com os joelhos trementes: “Senhor meu e Deus meu.” João 20:28. Como pode você deixar de abraçar o Deus que permanece ao seu lado mesmo quando escolheu não crer?
Assim foi que o coração do cético saiu da dor para a esperança – uma esperança tão grande a ponto de Tomé chegar a morrer pelo seu Mestre ressurreto.
No alto de um monte, ao sul de Madras, na Índia, visitei o lugar no qual a lenda declara que Tomé morreu como um mártir por Cristo. É o Monte de São Tomé. O sangue daquele que fora um cético foi vertido em solo estrangeiro e tornou-se um testemunho em favor do Cristo vivo.
Ninguém dá a vida por uma dúvida. Tomé morreu pelo Companheiro que jamais o abandonara, mesmo quando sua fé desaparecera por completo. Ele morreu pelo Companheiro que era Sábio, Paciente e Poderoso para guiá-lo, apesar das suas dificuldades, até que chegasse a fazer uma das maiores confissões de fé de todos os tempos: “Senhor meu e Deus meu.”
Portanto, se tão empedernido incrédulo pode vir a crer, quanta esperança existe para nós! Nos momentos difíceis, quando a morte se aproxima – de algum membro de nossa igreja, ou de nossos pais, ou cônjuge, ou filhos, amigos ou estranhos – vamos ver além das lágrimas e firmar o concerto de crer no Cristo de Tomé, o qual declarou: “Porque Eu vivo, vós também vivereis.” João 14:19. “Bem-aventurados os que não viram e creram.” João 20:29.
Eu não vi. Mas se Tomé pôde crer, eu também devo crer. Aí está a esperança para qualquer cético.