Estar desiludido tem seu lado positivo. Embora usualmente se pense o contrário, ninguém dirá que uma vida de ilusão é boa. Ela pode até contribuir temporariamente para a paz mental, mas não irá muito longe. Desiludir-se, no sentido de libertar-se da ilusão e encarar a realidade, é que de fato representa uma grande ajuda. Nesse sentido, acredito que seria melhor para muitos de nós, ser desiludidos em vez de continuar vítimas de alguma ilusão inconseqüente.

Mas, em relação a que deveriamos estar desiludidos? Com as congregações que pastoreamos e com a Igreja em geral!

Com penetrante autenticidade e sabedoria, Dietrich Bonhoefer observou: “Tão seguramente como Deus nos deseja dar uma genuína compreensão da amizade cristã, devemos estar oprimidos por uma grande desilusão relativa a outros cristãos em geral e, se somos afortunados, a nós mesmos.” Isto é, devemos reconhecer e aceitar o fato de que os cristãos também falham. Somos chamados a aceitar essa desilusão como providencial e imperativa para conquistar a genuína amizade cristã.

Se esse pensamento é legítimo, e eu creio assim, a desilusão é algo que Deus utiliza para amadurecer nossa harmonia com Ele. Sem essa qualidade de desilusão, não podemos alcançar a autêntica amizade que tanto almejamos. Não podemos ser ministros efetivos nem encontrar qualquer significativo grau de contentamento no trabalho pastoral. Sem estar desiludidos com nosso povo talvez ja-mais nos incomodemos, consciente ou inconscientemente, de que “os santos” sejam tão obtusos, profanos, frios! A tendência será permanecer num estado de descontentamento e talvez lutando continuamente para vencer o impulso de fugir do ministério.

“O homem que modela um exagerado ideal de comunidade requer que ele seja imaginado por Deus, pelos outros e por si mesmo. Torna-se intransigente, reprovando a todos no seu círculo. Quando o seu ideal é destruído, ele vê a comunidade espatifar-se. E se torna acusador de seus ir-mãos, de Deus e, finalmente, o desesperado acusador de si mesmo”, diz Bonhoefer.

Não é raro pastores insistirem no seu ideal do que se constitui genuína amizade cristã, e, depois, se enroscarem na constante violação desse ideal, mostrando as falhas do rebanho em si mesmos.

Obviamente, ter uma visão e um ideal para a amizade cristã é vital, mas isso não pode funcionar efetivamente sem doses regulares de desilusão. Sem isso, o pastor está prestes a se tornar um algoz da comunidade; um líder iracundo, ineficaz, que é literalmente um tormento para os demais e, provavelmente, para si mesmo.

Eugene Peterson trata desse assunto em seu livro Under the Unpredictable Plant, dizendo: “Eu revi minha imaginação: esse era o povo que eu pastoreei. Não era o que eu teria escolhido, mas foi o que recebi. Que deveria eu fazer? ‘Mestre, alguém semeou joio à noite.’ Eu queria limpar o campo. Glamourização da paróquia é pornografia eclesiástica – tomar fotografias (habilidosamente retocadas) ou esboçar quadros de congregações perfeitas. Alguns pastores odeiam o escândalo tanto da cruz como da igreja. Mas a verdadeira natureza do trabalho pastoral é enfrentar o escândalo, aceitar sua humilhação, e diariamente trabalhar nele. Não desprezando a vergonha, tampouco a negando.”

Aí está um grande alívio que brota em alguém que exercita essa honestidade e que encara o tipo de desilusão da qual estamos falando. Um peso é tirado dos ombros do pastor enquanto ele compreende as fraquezas dos santos e as suas também. É assim que ele deixa de se surpreender, aceitando-as como fatos na vida da igreja. Nem sempre o pastor precisa explicar ou criticar, mas simplesmente tratar corretamente os numerosos desafios que surgem dessas deficiências.

É quando o ministério tem-se tornado sutilmente para nós mais uma carreira do que um chamado divino, que começamos a querer preparar o campo para uma congregação perfeita. Assim como algumas congregações buscam um pastor perfeito, também começamos a investigar o horizonte, esperando um “bom chamado”. Depois que o conseguimos, na maioria das vezes nos tornamos descontentes e cínicos – características destinadas a posteriormente reduzir nossa efetividade e nossa satisfação pessoal no ministério, levando-nos ao desespero.

A verdade é que sempre teremos pessoas abusivas e insensíveis na igreja. Nós mesmos somos, às vezes, parte desse grupo.

Poderiamos acrescentar ainda que um pouco de desilusão, como a descrita aqui, é um poderoso remédio contra a ira que al-gumas vezes sentimos diante dos erros dos irmãos que nos lideram. Tal desilusão facilitará o nosso relacionamento com eles e, em troca, nos sentiremos melhor com a igreja à qual amamos e servimos.

– Willmore D. Eva, editor de Ministry. □