Nos últimos anos, dois títulos se destacaram nas livrarias por tratar do tema liderança servidora: O Líder Servidor, de James Autry (Verus, 2010); e Como se Tornar um Líder Servidor, de James Hunter (Sextante, 2011). Milhões de líderes, tanto de empresas quanto de igrejas, compraram esses livros, tornando-os best-sellers mundiais. Em seu devido contexto, eles são úteis e apresentam insights interessantes.
Este artigo, porém, não está baseado nessas obras. Minha reflexão tem como base João 13, um dos capítulos bíblicos essenciais para aprender como se vive a liderança servidora. De longe, os princípios apresentados nesse capítulo são muito mais profundos e transformadores do que os encontrados nos dois livros mencionados. Em João 13 é possível encontrar pelo menos 10 elementos fundamentais para quem deseja ser um líder servidor.
Antes de explorar cada um deles, quero dizer que, na Bíblia, liderança servidora não se trata de um discurso comovente ou filosófico. Nas Escrituras, o conceito é apresentado como sendo um estilo de vida fundamentado na percepção de que o outro é importante e, por isso, deve ser o centro de minhas ações. Em Mateus 20:28, Cristo afirma que veio para servir, não para ser servido: essa é Sua ideologia. Em João 13, Ele exemplifica Sua ideologia. Assim, Mateus 20:28 é a teoria; João 13, a prática.
Amor
“Ora, antes da Festa da Páscoa, sabendo Jesus que era chegada a Sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os Seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13:1).
Jesus amava as pessoas. Suas palavras eram precedidas por gestos de amor; Sua morte foi precedida pelo Seu amor. Para Ele, tudo começava com amor. O texto diz que Cristo amava Seus discípulos com amor infinito. A Bíblia afirma que Ele cumpriu Sua missão por amor.
João afirma que Cristo “amou-os até o fim”. O verbo usado pelo apóstolo é agapao, que significa “receber as pessoas com alegria, acolher as pessoas, gostar muito de pessoas, amar ternamente as pessoas”. O que Jesus demonstra é que o líder servo ama ternamente as pessoas, acolhe seus liderados e os recebe com alegria. Isso significa que ele traça seus planos em função das pessoas. Em linguagem contemporânea, o líder servo pode ser facilmente identificado em contraposição ao chefe. Ao planejar, o chefe prioriza estruturas, equipamentos e processos; por sua vez, o líder servo prioriza pessoas. O chefe enfatiza números e orçamentos; o líder servo enfatiza pessoas.
Evidentemente, líderes servos precisam de estruturas, equipamentos, processos, números e orçamentos. Entretanto, eles fazem girar tudo isso em torno de pessoas; os recursos estão à disposição das pessoas.
Aceitação
“Durante a ceia, tendo já o diabo posto no coração de Judas Iscariotes, filho de Simão, que traísse a Jesus” (v. 2).
A cena é impactante: Cristo está participando de um momento familiar muito bonito, com profundo significado religioso. Diante Dele há doze homens, Seus discípulos. Dois deles são traidores: um colaborará diretamente com Sua morte; o outro não tem ideia do que fará antes que o galo cante. Mas a expressão “amou-os até ao fim” inclui esses dois traidores, e tantos outros que viriam ao longo dos séculos.
É fácil amar os bons liderados, aqueles que cumprem as metas, alcançam os alvos, são atenciosos ou fazem perguntas inteligentes. É fácil ser educado com quem é educado conosco. Mas, como tratamos os liderados que nos causam problemas? Como lidamos com aqueles que são atrevidos e mal-educados? Como convivemos com os traidores?
É no trato com os problemáticos que os líderes demonstram a essência de sua liderança. O líder servo ama aqueles que não merecem amor. Pessoas que julgamos que não são dignas de ser amadas, são justamente aquelas que mais precisam de nosso amor. Não há nenhuma virtude em ser amigo daquele que pode corresponder à nossa amizade. Não há mérito em se identificar com o liderado que sempre concorda com nossas ideias. Há, porém, virtude, quando amamos aqueles que sempre são os últimos; mérito, quando tratamos com respeito e bondade aqueles que votam contra nós. Portanto, Cristo nos ensina que devemos amar as pessoas difíceis, mostrando-lhes que Ele veio salvar justamente aqueles que estavam perdidos.
Impressão
Cristo “levantou-Se da ceia, tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-Se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido” (v. 4, 5).
Segundo um costume judaico, lavar os pés do mestre era dever de um escravo estrangeiro, mas não era esperado de um escravo judeu. Contudo, era um serviço que a esposa devia ao marido, e os filhos, ao pai. Assim, a tarefa era considerada servil. Uma vez que não havia nenhum servo presente naquele lugar, um dos discípulos devia ter se encarregado da tarefa, mas nenhum deles se ofereceu para fazê-la.
Jesus contrariou as expectativas. Ninguém esperava essa atitude da parte Dele. Afinal, a toalha e a bacia do serviço combinam com subalternos, não com o chefe. Certamente a imagem do Mestre encurvado lavando os pés de todos ficou marcada na mente dos discípulos. Numa época em que não havia equipamentos fotográficos para captar a cena, o quadro ficou registrado na memória e se tornou um ícone para esses homens que revolucionaram o mundo. Você se lembra de uma ocasião em que fez algo inesperado e positivamente marcante em favor de alguém? Qual foi a reação da pessoa? Desse modo, Jesus nos ensina a fazer coisas positivas e marcantes pelas pessoas. Essa é uma maneira de mostrar nosso carinho e apreço por elas.
Confiança
“Aproximou-se, pois, de Simão Pedro, e este Lhe disse: Senhor, Tu me lavas os pés a mim? Respondeu-lhe Jesus: O que Eu faço não o sabes agora; compreendê-lo-ás depois” (v. 6, 7).
Em seu ímpeto, Pedro se comportou com total ingenuidade. Mas o modo como Jesus reagiu foi espetacular: Em vez de críticas, o Mestre respondeu apresentando a Seu discípulo uma perspectiva de futuro. Jesus acreditava que Pedro entenderia as coisas, que amadureceria. Cristo estava certo: Pedro se transformou no primeiro grande líder da igreja apostólica.
Não temos o direito de duvidar das pessoas. Quantas vezes já pensamos sobre alguém: “Esse aí não tem jeito. Ele é assim mesmo, não vai dar em nada!” Talvez, no futuro, aquele adolescente rebelde ou aquela moça antipática se tornem excelentes profissionais, bem-sucedidos e totalmente envolvidos na missão da igreja. Imagine se daqui a alguns anos eles cruzarem conosco na rua. Se os tivermos desprezado, como eles olharão para nós? E como vamos olhar para eles?
Eu gostaria de ouvir dessas pessoas: “Adolfo, aquelas palavras que você me disse no dia em que fui lhe pedir conselhos me ajudaram muito. Você acreditou em mim!” Você também não gostaria de ouvir essas palavras? Para tanto, precisamos acreditar que, um dia, as pessoas amadurecerão. Assim, Cristo nos ensina que devemos acreditar no talento dos nossos liderados e ajudá-los a desenvolver esse potencial.
Santidade
“Disse-Lhe Pedro: Nunca me lavarás os pés. Respondeu-lhe Jesus: Se Eu não te lavar, não tens parte Comigo. Então, Pedro Lhe pediu: Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça” (v. 8, 9).
Jesus provavelmente fez referência ao costume de banhar-se antes de ir a uma festa. Assim, quando os convidados chegavam, somente os pés precisavam ser lavados. Evidentemente, a situação traz consigo uma lição espiritual: os discípulos deveriam ser purificados constantemente, pois o pecado sempre nos tenta e muitas vezes nos faz cair. Dessa maneira, o Mestre nos ensina que é nosso dever participar ativamente da vida espiritual de nossos liderados, lembrando-os sempre da necessidade de uma vida pura e santa, processo que deve se renovar diariamente.
Transparência
“Declarou-lhe Jesus: Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais, está todo limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos” (v. 10).
Jesus não escondeu a verdade. Disse que alguém não estava limpo. E quem não estava limpo certamente entendeu o recado. Precisamos falar a verdade com sabedoria e cuidado, avaliar o desempenho do outro com transparência e justiça. Tanto quanto for possível, devemos evitar o confronto, mas não esconder os fatos. Precisamos compartilhar a avaliação negativa e dar o conselho que pode redirecionar a vida do nosso liderado. A verdade deve ser dita na hora certa e com as palavras adequadas. Ocultá-la, nesses casos, é negar ao liderado a oportunidade de crescer e amadurecer. Precisamos dizer a verdade com carinho, tato e responsabilidade. A partir de Seu exemplo, Jesus nos ensina que devemos ser transparentes e agir de maneira amorosa.
Sensibilidade
“Pois ele sabia quem era o traidor. Foi por isso que disse: Nem todos estais limpos” (v. 11).
Algumas perguntas são muito pertinentes à função da liderança servidora, por exemplo: Como explicar o comportamento das pessoas? O que contribui para a fidelidade delas? Como elas aprendem? De que maneira podemos motivá-las a participar da missão? O líder precisa ter uma boa resposta para elas. Para isso, precisa conhecer a natureza e o comportamento humanos, conversando com especialistas, lendo bons livros e, principalmente, observando as pessoas. Lembre-se de que “a fim de guiar pessoas para junto de Cristo” é necessário ter “conhecimento da natureza humana, bem como um estudo da mente humana”.1 Assim, Cristo nos ensina que é necessário conhecer mais do que apenas o nome e sobrenome de nossos liderados. Precisamos conhecer bem a natureza humana.
Reflexão
“Depois de lhes ter lavado os pés, tomou as vestes e, voltando à mesa, perguntou-lhes: Compreendeis o que vos fiz?” (v. 12).
O momento foi prático, os elementos eram palpáveis: toalha, bacia e água. Mas Jesus sai do mundo puramente concreto e entra no mundo da abstração: “Vocês entendem o que Eu acabei de fazer?”. Infelizmente, João não descreveu a resposta, somente as palavras do Mestre. Cristo induz à reflexão, sugere sair do campo do pragmatismo e vai ao campo das ideias, do pensar: “Vocês entendem o que Eu acabei de fazer?” Ele nos ensina a provocar nos liderados a vontade de ir além da ação, a se aprofundar na compreensão dos atos e fatos.
Função
“Vós Me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque Eu o sou. Ora, se Eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (v. 13, 14).
Cristo havia acabado de praticar um ato servil: lavar os pés de todos os discípulos. Contudo, isso em nada diminuiu Seu papel. Ele continua sendo Mestre e Senhor. Continua ensinando e comandando. A tarefa simples e humilde não diminuiu Sua dignidade.
Assim, Jesus nos ensina que o líder servo deve ser humilde e consciente de sua atribuição. Todos temos uma função e exercemos influência. Todos nós ensinamos e lideramos. O Senhor colocou essas responsabilidades sobre nós, e precisamos honrá-las da melhor maneira e com humildade.
Modelo
“Porque Eu vos dei o exemplo, para que, como Eu vos fiz, façais vós também” (v. 15).
Ellen White afirmou que “o cristão bondoso, cortês, é o mais poderoso argumento que se pode apresentar em favor do cristianismo”.2 Essa declaração indica o poder do testemunho pessoal. Parafraseando, podemos dizer: “O exemplo de vida de um líder é o melhor ensinamento que ele pode dar.”
Infelizmente, a sociedade, de modo geral, é permissiva e não defende regras morais consistentes. Por isso, mais do que nunca, as pessoas precisam de orientação. Necessitam saber que há líderes interessados em mostrar-lhes o verdadeiro sentido e significado da vida. Os membros da igreja precisam de exemplos corajosos, que estejam dispostos a mostrar-lhes o caminho e andar junto com eles. Necessitam de modelos, pessoas em quem possam se espelhar e confiar; pessoas diferentes de tudo aquilo que veem diariamente. Devemos assumir esse papel. Esse é o desafio de Deus para nós. Com Seu procedimento, Jesus nos ensina que devemos ser modelos, exemplos positivos para aqueles com quem convivemos.
Conclusão
O líder cristão é um servo que está a serviço de seus liderados; seu lema deve ser: “Não estou nesta função para ser servido, mas para servir.” Afinal, a igreja não é um lugar para mostrar o que somos capazes de fazer ou a autoridade que temos nas mãos. Não! A igreja é um lugar para servir.
Referências
1 Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), v. 1, p. 8.
2 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 122.Adolfo S. Suárez, doutor em Ciências da Religião, é reitor do Seminário Adventista Latino-americano de Teologia
Adolfo S. Suárez, doutor em Ciências da Religião, é reitor do Seminário Adventista Latino-americano de Teologia