Nesta apresentação consideraremos alguns vitais e importantes aspectos da filiação de nosso Senhor. Ao fazê-lo, porém, devemos sempre lembrar que muito do que gostaríamos de saber a respeito dêste tema, não foi revelado. Com efeito, a questão da Divindade, bem como da Encarnação e muitos pontos do plano de Deus para salvar os homens pertencem à categoria de mistérios.

Escrevendo a Timóteo, declarou o apóstolo Paulo, concernente ao Verbo tornado carne: “Grande é o mistério da piedade: Deus foi manifestado em carne” (I Tim. 3:16).

Ellen G. White escreveu o seguinte sôbre êste assunto: “Contemplando a encarnação de Cristo na humanidade, ficamos maravilhados ante um impenetrável mistério, que a mente humana não pode compreender.” 1

Isto é verdade. É impossível para a mente humana compreender êste grande e glorioso tema, mas também é certo que Deus revelou algumas coisas em Sua Palavra que nos capacitarão a entender, pelo menos até certo ponto, a filosofia e o plano da salvação. Lemos a êsse respeito:

Que Deus assim Se manifestasse em carne é realmente um mistério; e sem a ajuda do Espírito Santo não podemos esperar compreender êste assunto. 2

Por outro lado, somos aconselhados a considerar êsses temas:

Quando desejarmos estudar um problema profundo, fixemos a mente na mais maravilhosa coisa que já ocorreu na Terra ou no Céu — a Encarnação do Filho de Deus. 3

Êste é o assunto que consideraremos neste e nos artigos futuros, e significará meditar em certas expressões concernentes a nosso Salvador Jesus Cristo, empregadas na Escritura Sagrada. Expressões como “Filho unigênito” (S. João 3:16), “o primogênito dentre os mortos” (Col. 1:18), “o primogênito de tôda a criatura” (Col. 1:15), “primogênito” (Heb. 1:6) etc., serão estudadas e consideradas.

Procuraremos apegar-nos firmemente ao que Deus Se aprouve em revelar, evitando tôda a especulação. Isto é vital no estudo das Escrituras Sagradas, princípalmente quando se medita em temas como os que êste assunto abrange.

Três Considerações Vitais

Como base para esta apresentação, retenhamos na mente algumas considerações que são fundamentais, e que precisam ser aceitas e cridas, não obstante algumas referências bíblicas isoladas que pareçam difíceis de harmonizar. Mencioná-las-emos como segue:

A Divindade de Cristo

Diversos textos tanto no Velho como no Nôvo Testamento salientam a divindade de nosso Senhor. Em Isaías 9:6 o Messias é chamado “Deus Forte”. Os judeus antigamente reconheciam que esta passagem se aplicava ao Messias: ‘“Tenho ainda de levantar o Messias’, do qual está escrito: Porque um menino nos nasceu (Isa. 18:5).” 4 “Seu nome tem sido mencionado desde a antiguidade: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Aquêle que vive para sempre, o Ungido (ou Messias).’’ 5

Em Jeremias 23:6 Deus o Pai chama Deus o Messias de “O Senhor Justiça Nossa”. Os judeus admitiam que Jeremias 23:5 e 6 também se referia ao Messias. Lemos no Talmude: “[A respeito] do Messias – está escrito: E êste será o nome com que O nomearão: O Senhor é nossa justiça” Jer. 23:6. 6

Diz o Salmo 45:6 e 7: “O Teu trono, ó Deus, é para todo o sempre”.

Que isto se refere a Cristo nosso Senhor vê-se em Hebreus 1:8 e 9, onde se menciona que Deus diz isto a Seu Filho. Além disso, verificamos que os escritos judaicos aplicavam isto ao Messias:

“Êste Salmo veio a ser compreendido como referindo-se ao Rei Messias. . . . Teu trono, ó Deus, parece ser a tradução certa.”7 Tomé chamou a Cristo de “Senhor meu e Deus meu” (S. João 20:28), e em Romanos 9:5, Paulo diz: “E dentre quem (a descendência de Davi) apareceu o Messias na carne, o qual é Deus sôbre todos.” (Versão Siríaca.)

A divindade de Cristo é salientada repetidas vêzes nos escritos de Ellen G. White. Lemos:

Jeová [SENHOR—YAHWEH] é o nome dado a Cristo. “Eis que Deus é a minha salvação’’, escreve o profeta Isaías; “confiarei e não temerei, porque JEOVÁ é a minha fortaleza e o meu cântico; Êle Se tornou a minha salvação.” (Trad. Bras.) 8

Êle [Jesus] compartilhou da sorte do homem; não obstante, foi o imaculado Filho de Deus. Era Deus em carne. 9

O apóstolo desejava chamar a atenção de nós mesmos para o Autor de nossa salvação. Êle apresenta diante de nós as Suas duas naturezas: a divina e a humana. Aqui está a descrição da divina: “O qual, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus”. Êle era “o resplendor de Sua glória, e a expressa imagem de Sua pessoa”.

Agora, da humana: “Fazendo-Se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-Se a Si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz”. Êle voluntariamente assumiu a natureza humana. Isto foi um ato Seu e ocorreu por Seu próprio consentimento. Êle cobriu Sua divindade com a humanidade. Durante todo êsse tempo era Deus, mas não Se apresentava como Deus. Encobriu as demonstrações de Divindade que haviam inspirado a homenagem e suscitado a admiração do universo de Deus. Êle era Deus enquanto estêve na Terra, mas despojou-Se da forma de Deus, e em seu lugar assumiu a forma e a feição de homem. Andou na Terra como homem. Fêz-Se pobre por amor de nós, para que por Sua pobreza nos tornássemos ricos. Pôs de lado Sua glória e majestade. Êle era Deus, mas as glórias da forma de Deus Êle as abandonou por algum tempo. . . .

Como membro da familia humana Êle era mortal, mas como Deus Êle era a fonte de vida para o mundo. Em Sua personalidade divina, podia sempre ter resistido aos primeiros passos da morte, e recusado cair em seu domínio; mas Êle voluntàriamente entregou a vida, para que ao assim fazer pudesse dar vida e trazer a imortalidade à luz. Carregou os pecados do mundo e suportou o castigo que caiu como uma montanha sôbre Sua alma divina. Depôs a vida em sacrifício, para que o homem não morresse eternamente. Morreu, não porque fôsse compelido a morrer, mas por Sua livre e espontânea vontade. . .

Que humildade foi esta! Ela causou admiração aos anjos. A língua jamais poderá descrevê-la; a imaginação não pode abrangê-la. O Verbo eterno consentiu em tornar-se carne! Deus tornou-Se homem! Foi uma maravilhosa humildade. 10

A Preexistência de Cristo

Isto é realçado em passagens como S. João 8:58, onde Jesus disse: “Antes que Abraão existisse, Eu sou”. E no capítulo 17:5 Êle orou: “Glorifica-Me . . . com a glória que Eu tive junto de Ti, antes que houvesse mundo”. Lemos em S. João 1:1 “O VERBO existia no comêço, e o VERBO estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Fenton).

Cumpre notar o seguinte dos escritos de Ellen G. White:

Com solene dignidade, respondeu Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, Eu sou”.

Fêz-se silêncio na vasta assembléia. O nome de Deus, dado a Moisés para exprimir a idéia da presença eterna, fôra reclamado como Seu pelo Rabi da Galiléia. Declarara-Se Aquêle que tem existência própria, Aquêle que fôra prometido a Israel, “cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.” 11

O mundo foi feito por Êle, “e sem Êle nada do que foi feito se fêz”. Se Cristo fêz tôdas as coisas, Êle existia antes de tôdas as coisas. As palavras proferidas a êsse respeito são tão decisivas que ninguém precisa ficar em duvida. Cristo era Deus essencialmente, e no mais elevado sentido. Êle estava com Deus desde tôda a eternidade, Deus sôbre todos, bendito eternamente. 12

“Antes que Abraão existisse, Eu sou.” Cristo é o preexistente Filho de Deus, que existe por Si mesmo. A mensagem que Êle deu para Moisés transmitir aos filhos de Israel foi: “Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou a vós outros”. . . . Falando de Sua preexistência, Cristo faz a mente retroceder através de séculos imemoriais. Assegura-nos que nunca houve um tempo em que Êle não estivesse em íntima associação com o eterno Deus. Aquêle cuja voz os judeus então ouviam tinha estado com Deus como Alguém originado com Êle.” 13

A Eternidade de Cristo

A evidência da natureza eterna de nosso Senhor é vista nos seguintes textos: Êle existe “desde os dias da eternidade” (Miquéias 5:2); Êle existe “desde a eternidade, desde o princípio” (Prov. 8:23); Êle é “o Alfa e o Ômega, … o princípio e o fim” (Apoc. 22:13).

Notai também as seguintes observações oportunas:

Desde os dias da eternidade, o Senhor Jesus Cristo era um com o Pai; Êle era “a imagem de Deus”, a imagem de Sua grandeza e majestade, “o resplendor de Sua glória.” 14

O Senhor Jesus Cristo, o divino Filho de Deus, existia desde a eternidade, uma pessoa distinta, e contudo, um com o Pai. Êle era a insuperável glória do Céu. Era o comandante das inteligências celestiais, e a adoração e homenagem dos anjos era recebida por Êle como prerrogativa Sua. Isto não era usurpação de Deus. 15

Há luz e glória na verdade de que Cristo era um com o Pai antes da fundação do mundo. Esta é a luz que brilha em lugar escuro, tornando-o resplendente com divina e original glória. Esta verdade, infinitamente misteriosa em si mesma, explica outros mistérios e verdades doutro modo inexplicáveis, embora esteja entesourada na luz, inacessível e incompreensível. 16

Estas três considerações são básicas e fundamentais; devem ser guardadas na memória quando se medita em tais expressões como “unigênito”, “primogênito” etc. Como já vimos, várias vêzes é feita alusão a Cristo, o Messias, por meio de expressões como “gerado”, “unigênito”, “primogênito” etc.

Em vista destas vitais e importantes verdades concernentes à divindade, preexistência e eternidade do Filho de Deus, deve ser evidente que as palavras mencionadas acima não podem ter definitiva e completa relação com o que conhecemos como nascimento ou provir da geração humana. Realçar tal conceito faria pressupor um comêço; que houve um tempo em que Êle não existia; mas que chegou um momento histórico em que Êle veio à existência — tudo o que por certo entraria em conflito com as informações bíblicas de que nosso Senhor é eterno.

Nos artigos que seguem, estudaremos as expressões “primogênito”, “unigênito” etc. Daremos atenção a estas palavras, não sòmente como são traduzidas em nossa língua, mas também examinaremos o seu significado na língua em que o Nôvo Testamento foi escrito originalmente.

Referências

  • 1. Signs of the Times, 30 de julho de 1896.
  • 2. Review and Herald, 5 de abril de 1906.
  • 3. The SDA Bible Commentary, Comentários de Ellen G. White, sôbre Fil. 2:5-8.
  • 4. Midrash, sôbre Deuteronômio 1:20.
  • 5.  J. F. Stenning, Targum of Isaiah.
  • 6. The Talmud Baba Bathara 75 b.
  • 7. A. Cohen, The Psalms, págs. 140 e 141.
  • 8. Signs of the Times, 3 de maio de 1899, pág. 2.
  • 9. O Desejado de Tôdas as Nações, (3ª ed.), pág. 228.
  • 10. Review and Herald, 5 de julho de 1887, pág. 417.
  • 11. O Desejado de Tôdas as Nações, (3ª ed.), págs. 353 e 354.
  • 12. Review and Herald, 5 de abril de 1906.
  • 13. Signs of the Times, 29 de agosto de 1900, pág. 2.
  • 14. O Desejado de Tôdas as Nações, (3ª ed.), pág. 13.
  • 15. Review and Herald, 5 de abril de 1906.
  • 16. Idem.