Durante milênios – e até mesmo em nossos dias – as mulheres foram consideradas pelos homens como seres dependentes, destinados a viver sob sua tutela e autoridade. Em certas épocas, como durante o Império Romano ou uma parte da Idade Média, a mulher conheceu certa emancipação. Mas desde a Renascença até o século passado, nossa sociedade prestigiou a razão, a ciência, a técnica, a eficiência e o lucro, isto é, o mundo das coisas às quais o homem parece mais sensível, em detrimento da afetividade, da sensibilidade e do relaciona-mento pessoal, em que a mulher se sente mais satisfeita. Esta tem estado à mercê dos desvarios deste mundo, construído por e para o homem, e de novo ela foi considerada como dependente.

Um século depois as mulheres começaram a lutar para que cessasse toda discriminação a seu respeito, e para que ela se tornasse independente e livre. As próprias igrejas cristãs têm sido remissas nessa questão, e os teólogos estão considerando de maneira diferente os textos bíblicos escurecidos pelos séculos de tradição, hábitos e idéias falsas. Uma das constatações importantes, que está sendo feita no decorrer das pesquisas, é o comportamento positivo de Jesus quanto às mulheres. “Observai a história”, escreve Paul Tournier, “desde o início até os tempos mais recentes; a atitude de Jesus com respeito à mulher surge completamente ímpar.”

Roger Garaudy declara, por sua vez: “O que mais me impressiona ao ler os Evangelhos, é que Jesus de Nazaré não era mulher; todavia, os valores que revelou, devolvem ao homem sua plenitude, ao desenvolver-lhe as dimensões femininas, em radical oposição à ordem exclusivamente masculina de Seus tempos e de todos os tempos. … Quarenta séculos de mando masculino, que não havia cessado de reinar, da Mesopotâmia ao Egito, … nas cidades gregas ou no Império Romano, tudo isto é, por sua relatividade, relegado às trevas de uma pré-história desumana. Em nome dos novos valores, do amor e serviço, da ple-na nudez do despojamento de Si mesmo, da incondicional falta de poder, da abertura a todos e do perdão como aposta absoluta no homem e seu futuro.”

Posterionnente, o mesmo Garaudy acrescenta estas linhas cheias de entusiasmo: “Imaginemos uma ‘feminização’ da sociedade, isto é, não a recusa ou a negação das milenares prerrogativas masculinas, mas a inexorável vontade de construir a humanidade como um todo, e não apenas com um de seus componentes, em que privamos do benefício da outra metade, o que talvez seja retomar à sociedade cristã original: não à de uma igreja patriarcal e misógina, mas à de Jesus de Nazaré.”

Contexto judaico

Para melhor compreendermos o comportamento e as declarações liberais de Jesus, com respeito às mulheres, é importante saber qual era a condição desta na Palestina, no primeiro século da era cristã.

Os escritos rabínicos esclarecem que a mulher era considerada como um ser inferior em todos os pontos de vista. Os rabinos ensinavam que o judeu devia agradecer a Deus todos os dias por não ter nascido gentio, ignorante ou mulher. A mulher estava destinada ao fogão. Não tinha direito nem à escola, nem aos ensinamentos dos rabinos. Deus e a saúde não eram conseguidos senão por intermédio de seu pai ou de seu marido. Eram-lhe destinados os últimos lugares na sinagoga, atrás das grades. A todo instante era ameaçada pela arbitrariedade e caprichos do marido, que podia repudiá-la. Ela era tida como irresponsável e não podia nem depor diante de um tribunal, nem herdar de seu pai ou de seu marido.

Embora a mulher não fosse considerada senão de acordo com o seu papel social de filha, esposa e mãe, além do qual ela não existia, Jesus Se empenhou em realçar sua dignidade como pessoa.

Como os rabinos de Sua época, Jesus ensinou por meio de máximas e parábolas. Os inumeráveis provérbios dos doutores da lei são desdenhosos ao se referirem às mulheres. Em suas parábolas elas raramente aparecem, e em geral em circunstâncias desfavoráveis, como seres de segunda categoria.

Em contraposição – e isto é significativo – Jesus fala seguidamente sobre as mulheres, em Sua pregação. Ele as menciona fartamente em Suas parábolas, e as lições que tira de sua vida e de seus problemas atestam de Sua compreensão e simpatia para com elas (ver Luc. 13:20; 15:8 a 10; Mat. 25:1 a 13; Luc. 18:1 a 8; Mar. 12:43 e 44; Mat. 21:28 a 32; 24:41; 22:23 a 33; João 16:20 a 22). Para Jesus, a mulher é um ser humano igual ao homem em todos os sentidos.

Derribando barreiras

Interrogado sobre o divórcio, pelos fariseus, Jesus denunciou a prática da carta de repúdio, reservada só ao marido e vedada à defesa da mulher e sua dignidade. Jesus obrigou Seus interlocutores a reconhecerem que Moisés não deu um preceito sobre o divórcio, mas fez uma concessão. Dessa forma, não pode o homem livrar-se de sua mulher como se fora um objeto qualquer que lhe pertence; o casamento é a união de duas pessoas de igual dignidade. As palavras de Jesus (Mat. 19:1 a 9) são de tal modo contrastantes com aquela época, que os apóstolos, que eram homens, ficaram perplexos (v. 10).

Embora a mulher não fosse considerada senão de acordo com o seu papel social de filha, esposa e mãe, além do que ela não existia, Jesus Se empenhou em realçar sua dignidade como pessoa. Um dia, durante um sermão proferido pelo Mestre, uma mulher exclamou: “Bem-aventurado o ventre que Te trouxe e os seios em que mamaste.” Para aquela mulher, ser a mãe de um grande homem era a suprema aspiração. Jesus reagiu contra esta mentalidade, e respondeu: “Antes bem-aventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam.” (Luc. 11:27 e 28). Ele pensava em todos os Seus ouvintes, homens e mulheres, nos quais reconhecia igual dignidade espiritual e intelectual. A Seu ver, todos são pessoas, capazes de existir, independentemente do sexo.

Jesus operou muitos milagres em favor das mulheres, e Sua atitude se choca inteiramente com o comportamento negativista dos rabinos. Ele tomava pela mão a mulheres doentes (Mar. 1:29 a 31) ou lhes impunha as mãos (Luc. 10:13). Num dia de sábado, numa sinagoga, Ele curou uma mulher que andava encurvada havia 18 anos (Luc. 13:10 a 17). Diante da indignação do chefe da sinagoga, que viu na cura uma violação do sábado, Jesus respondeu que aquela mulher era uma filha de Abraão. Conferiu-lhe, assim, sua dignidade de pessoa. Derribou ainda outra barreira que separava dos homens as mulheres, ao curar uma mulher que tinha uma hemorragia ha-via 12 anos (Mar. 5:25 a 34). Por causa do tabu do sangue, ela era considerada impura, e, portanto, marginalizada. Jesus não só a curou, mas atraiu para ela a atenção da multidão. Ela estava livre de sua enfermidade, como também de sua alienação religiosa e social.

Os samaritanos eram tidos como inimigos e impuros, mas, segundo a Mishna, as samaritanas eram, além disso, tidas como menstruadas desde o berço. No caso da samaritana a quem Jesus pediu água para beber (João 4:27 e 28), sua impureza se transmitia a seu cântaro. Os rabinos deviam evitar as mulheres e se abster de falar com elas na rua. Jesus, para espanto de Seus discípulos, dirigiu-lhe a palavra. Afinal, aquela mulher tivera vários maridos e era considerada uma pecadora! Cristo lançou por terra todas as barreiras, atrás das quais os rabinos encerravam as mulheres. Mesmo àquela samaritana, revelou pela primeira vez que Ele era o Messias (João 4:25 e 26).

Repetidas vezes Jesus reabilitou as prostitutas. Quando tomava uma refeição em casa de um fariseu, uma prostituta veio lavar-Lhe os pés (Luc. 7:36 a 50). Jesus tratou aquela mulher como uma pessoa explorada e utilizada como um objeto sensual. Mostrou ao Seu anfitrião que, perdoada e agradecida, ela estava mais perto de Deus do que ele.

A última barreira derribada por Jesus foi a da privação do conhecimento. Os rabinos diziam: “Aquele que ensinar a lei a sua filha, ensina-a a faltar com seus deveres”; e, “é melhor desobedecer à Tora que ensinar às mulheres.” Para Jesus, porém, a mulher não era um subproduto da humanidade. Maria preferiu ouvir os ensinos de Jesus quando Ele veio ao seu lar e de sua irmã Marta. Esta pediu ao Mestre que lhe lembrasse seu papel e seus deveres domésticos, mas Jesus lhe respondeu que Maria escolhera a boa parte, a qual não lhe seria tirada (Luc. 10:42).

Jesus concordou em que as mulheres O servissem (Luc. 8:2 e 3), o que constitui uma atitude sem precedentes naquela época. Elas foram testemunhas de Sua crucifixão e de Seu sepultamento, e foram escolhidas antes dos apóstolos para serem testemunhas de Sua ressurreição. Isto mostra que elas, daí em diante, faziam parte da Revelação, sem intermediários.

Nem macho nem fêmea

Diante de tudo o que foi anteriormente apresentado, impõe-se uma pergunta: por que Jesus não foi mais adiante, e não confiou às mulheres, da mesma forma que aos homens, o ministério regular da pregação? O teólogo J. M. Aubert dá uma resposta que parece satisfatória: “Para todo projeto revolucionário, não-violento, como foi o de Cristo, existe um limite além do qual o projeto não tem possibilidade de ser acolhido, sob pena de poderem ser grandes os preconceitos, as indagações dos meios que ele pretende atingir.”

Como intérprete qualificado da vontade de Deus, Jesus, por Suas palavras e atos reabilitou as mulheres e colocou no mesmo nível que os homens – em sua dignidade total. Ele foi muito além do que Lhe permitiam os costumes da época, em Sua proclamação de igualdade do homem e da mulher. Também o apóstolo Paulo, contrariando a oração cotidiana dos judeus, mencionada no início deste artigo, escreveu o seguinte: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” Gál. 3:28.