Três grandes temas — criação, redenção e juízo — percorrem como fios dourados toda a Escritura, desde Gênesis até o Apocalipse. Estas três grandes verdades se concentram em tomo de uma única Pessoa, Cristo, que é Criador, Redentor e Juiz (S. João 1:1-3; S. Luc. 19:10; S. João 5:26, 27 e 30). Para se entender e apreciar estes três temas, é preciso entender e apreciar todas as demais coisas referentes à obra de Cristo em nosso benefício.

A Criação revela a sabedoria, o amor e a perfeição do Criador. Desde o mais elevado e fulgurante serafim ao mais despretensioso botão que se encontra no prado, desde as cintilantes estrelas do céu da meia-noite ao grilo de sons metálicos que se oculta dentro da mais negra caverna — todos levam consigo a marca registrada do seu Criador. As palavras “muito bom” foram gravadas em cada objeto, a fim de conduzirem à adoração ao Criador. O próprio ar do Éden era inteiramente livre de poluição. O mundo inteiro, saturado da própria presença de Deus com sua cintilante beleza, foi dado a Adão e Eva como uma herança para lembrá-los continuamente de seu Doador. De alguma forma, porém, a ruína e a degradação lançaram raízes em um planeta perfeito. Não foi certamente por causa de alguma falha na obra do Criador nem em Seu produto acabado. Do contrário, a reputação do Arquiteto-Mestre seria impugnada. Começou com a semente do orgulho, da obstinação, e esta semente germinou no coração humano até que, por sua própria vontade, achou-se o homem em rebelião contra o governo dAquele que graciosamente lhe dera a vida.

A Redenção é o plano do Criador para restaurar o homem a sua condição não caída anterior à Queda — à plena harmonia com o mundo que o cerca e, mais importante, à completa harmonia com o seu Autor. Muitas vezes o homem tem menosprezado este plano perfeito e recorrido aos planos de sua própria feitura de independência e justiça própria. Não possui o homem nenhum poder inato para que possa elevar-se à perfeita condição moral em que já esteve an-tes. Isto requer poder de fora. Salvar uma alma da sarjeta exige tanto poder criador quanto para criar o homem animado do inanimado barro. Assim como os poderes demoníacos foram exercidos para manter na sepultura o Redentor, mas não puderam, também não podem todos os poderes do mal escravizar a mais débil alma que deseja a libertadora graça de Cristo. A Criação é um milagre, e a Redenção também! A obra da salvação deve tornar nulos os melhores esforços do homem, a fim de que Cristo seja tudo: “Tudo em todos.”

Na verdade, o juízo é uma continuação da obra da redenção. Sua principal finalidade é, também, restaurar no homem a imagem do seu Criador, imagem que foi desfigurada por ocasião da Queda. A própria centralização do homem em si mesmo, constitui a principal pedra de tropeço no caminho que leva do Paraíso Perdido ao Paraíso Restaurado. Um dos propósitos do juízo é transformar em cinzas os melhores esforços do homem e as vestes de sua dignidade por ele mesmo providas, a fim de que as salvadoras vestes da justiça de Cristo possam envolvê-lo (Isa. 64:6; Zac. 3:1-5). Só então é o poder criador de Cristo capaz de recriar em nós a imagem perdida.

De certo ângulo, a Criação é a obra de separação. A noite foi separada do dia; a terra seca, das águas; e as águas de cima, das águas de baixo. A obra de coroação foi uma obra de se-paração: um bolo de barro foi tirado da terra para formar o homem, e uma costela foi tirada do homem para formar a mulher. Não devemos, porém, esquecer que o homem é muito mais do que simples barro, e a mulher mais do que uma costela. A Redenção continuou a obra de separação. A cruz é o grande divisor da humanidade. Lamentavelmente, ela separou Judas dos Doze; pôs uma cunha entre Jesus e os líderes judeus; pôs um governador romano fora do alcance do poder salvador do Crucificado. Mas criou também uma igreja ao tomar os Doze uma unidade invencível e enterneceu o coração de um soldado romano no Calvário, separando-o de seus companheiros, mas unindo-o ao Salvador.

Redenção e juízo: inseparáveis

Assim como a Criação e a Redenção estão interligadas, há também uma continuidade ininterrupta entre a redenção e o juízo. No juízo, deve continuar a obra de separação. Da mesma forma que os motivos ocultos de um Judas não vieram à luz até que ele lançasse as trinta moedas na sala do julgamento no início daquela manhã de sexta-feira, embora grandemente ignorado pelos outros discípulos até na noite anterior, assim os motivos dos mais íntimos recessos da mente não serão amplamente abertos antes do dia do juízo (Ecle. 12:13 e 14; S. Mat. 12:36). Nessa ocasião estaremos descobertos na presença de nosso Criador (Heb. 4:13) — uma repetição surpreendente do que nossos primeiros pais experimentaram em seu primeiro dia de rebelião.

Verdadeiramente, o juízo é uma ocasião na qual os bons são separados dos maus, os justos dos ímpios, as ovelhas dos cabritos, o trigo do joio. Ele, porém, é mais do que uma ocasião para se conferirem recompensas por serviço ou recompensas por desserviço; é uma ocasião na qual o próprio Cristo Se dá a Seu povo. O clímax do juízo, de acordo com Daniel 7, é a entrega do reino aos santos (verso 18). É inconcebível que um reino possa existir sem um rei; assim, a entrega do reino é a entrega pelo rei a Seu povo, das coisas que permanecem. A ocasião para isto é a grande ceia das bodas (Apoc. 19:6-16). A Redenção se consumou no Calvário quando o Filho do homem recusou o domínio deste mundo, e o juízo será consumado quando Ele ocupar o reino que é Seu de direito, pois comprado por Seu próprio sangue, e tomar Seu povo tanto receptor como objeto de seu reino (Dan. 7:26 e 27).

A seqüência de criação, redenção e juízo é crucial. Assim como a redenção não ocorreu senão após a Criação e a Queda, de igual maneira o juízo não poderia ser estabelecido enquanto o preço da redenção do homem não tivesse sido pago no Calvário. Contudo, há um sentido no qual ocorre na cruz um aspecto do juízo, pois Cristo disse, pensando na cruz: “Agora é o juízo deste mundo; agora será expulso o príncipe deste mundo” (S. João 12:31). Pode-se dizer que o obituário de Satanás foi escrito na cruz, mas seu fim ainda não aconteceu. Como acontece com Satanás, também se dá com to-dos os seus agentes, tanto demoníacos como humanos. As Escrituras falam de um período de espera antes da execução final da sentença. Eles estão “reservados para o juízo” (II S. Ped. 2:4, cf. 2:9).

De acordo com a perspectiva do autor bíblico, o juízo dos rebeldes ainda está no futuro — “uma expectação horrível de juízo” (Heb. 10:27). Significa isto que o julgamento dos justos também está ainda no futuro? Alguns podem achar que é conferido aos justos um certificado de isenção do juízo, baseado no fato de que Cristo O MINISTÉRIO/JUL./AGO./1989 23 morreu como nosso Substituto. Se Ele morreu a morte que nos pertencia, significa isto que também suportou o juízo que se supunha devêssemos enfrentar? Neste ponto, é fácil confundir a obra da redenção com a obra do juízo. Deve-se em parte a confusão à semântica, por causa dos vários matizes de significado que a palavra “juízo” pode ter na língua original. O grego krima refere-se à sentença judicial e é, na maioria das vezes, traduzido como “juízo” na K. J. V. e menos vezes como “condenação” ou “perdição”. O grego krisis refere-se ao ato ou processo de julgar, bem como à execução da sentença, e é traduzido cerca de 41 vezes como “juízo” e apenas algumas vezes como “acusação”, “condenação” ou “perdição”.

O exemplo em favor de nossa isenção do juízo em geral é citado de S. João 5:24, onde Cristo diz: “Quem ouve a Minha palavra, e crê nAquele que Me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação (karisis), mas passou da morte para a vida” (R. S. V.). Seria fácil parar aqui e exclamar: “Bravo! Jamais precisarei enfrentar o juízo!” não compreendendo que aquilo sobre que Jesus está falando é “condenação”, ou sentença desfavorável. “Portanto agora nenhuma condenação há. para os que estão em Cristo Jesus” (Rom. 8:1). Graças a Deus que o poder da cruz é capaz de apagar completamente a mancha condenatória de nossos pecados e de transferir a culpa daqueles que a merecem para Aquele que não é merecedor!

Não ousamos considerar S. João 5:24 separado dos versos 25-30. Acompanhando a seqüência lógica vemos Cristo dizendo que Ele possui “poder para exercer o juízo” (verso 27). É a execução do juízo dirigida somente ao ímpio, ficando excluídos os justos? Surpreendentemente não. O verso 29 e o 30 ampliam o que é declarado no verso 27, e sugere que a execução da sentença tem um aspecto duplo: 1) a ressurreição do justo para a recompensa da vida, isto é, a vida eterna; e 2) a ressurreição do ímpio para a recompensa da morte, isto é, a morte eterna. A execução da sentença, que inclui tan-to a “ressurreição da vida” como a “ressurreição da condenação”, implica que já houve antes um processo de julgamento que incluiu ambos os grupos. Se tanto o justo como o ímpio devem sofrer a execução da sentença, que é favorável para um e desfavorável para outro, deveríamos então esperar que ambos os grupos sejam envolvidos em um julgamento pré-ressurreição no qual sua vida seja cuidadosamente examinada.

Isentar os justos do juízo vai diametralmente contra passagens paulinas tão claras como Rom. 14:10 e 12: “Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo… De maneira que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus”; e II Cor. 5:10: “Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo para que cada um receba…” Não só isto, negar o julga-mento dos justos é diminuir o forte sentido de responsabilidade e remover o impulso motivacional em favor da conduta moral usada por Paulo nessas passagens que têm um tom ético dominante. Seria colocar Paulo em direto confronto e contradição com João.

Isto nos leva à inescapável conclusão de que o julgamento dos justos não ocorre na cruz. Na verdade, a cruz provê o único antídoto e os únicos meios pelos quais pode o cristão que luta ter sempre a esperança de que ele certamente sobreviverá à destruição que ocorrerá quando o manifesto relatório de seus próprios pecados vier à luz. Graças a Deus que as palavras “condenado a morrer”, gravadas sobre a cruz de Cristo, são transformadas em “nenhuma condenação” sobre a cruz que cada um de nós individualmente deve levar e sobre a qual ser crucificado!

A remoção dos nossos pecados é um paradoxo, considerando-se que por um lado a purificação do pecado e a confissão são simultâneos, enquanto por outro lado aqueles muitos peca-dos são mantidos contra nós se apostatarmos. O sangue de Cristo é inteiramente eficaz para a remoção dos nossos pecados no momento em que fazemos confissão e restituição (I S. João 1:9; Ezeq. 33:14 e 15). O pecado e a culpa são totalmente removidos de nós para tão distante “quanto está longe o oriente do ocidente” (Sal. 103:12), embora tenhamos o triste pensamento de que se viermos a voltar as costas para o Senhor, então nenhuma de nossas justiças será lembrada e morreremos por causa dos pecados que tivermos cometido, presumivelmente os pecados que uma vez confessamos e para os quais obtivemos o perdão (Ezeq. 18:23 e 24). Co-mo pode ser isto? Do ponto de vista humano, o pecado é completamente removido de nós no momento em que se faz a devida confissão e restituição; do ponto de vista do Criador, porém, o registro de cada aspecto de nossa vida, tanto bom como ruim, é mantido nos livros de registro até o dia do juízo (Ecle. 12:14; II Cor. 5:10). Por isso, achamos, baseados nas Escrituras, que a remoção do pecado é feita em duas fases: 1) experimentalmente, no momento em que pedimos o perdão divino; 2)judicialmente, quando os pecados perdoados são completamente apagados dos livros de registro divinos. Podemos fazer esta distinção porque a redenção e o juízo não são um e o mesmo acontecimento.

Mais do que um exame

O juízo é mais do que um exame dos registros celestiais para ver qual foi o padrão de vi-da da pessoa e qual deve ser seu destino eterno. A Divindade já sabia qual seria o destino de cada um, pois “todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos dAquele com quem temos de tratar” (Heb. 4:13). Mais do que uma inspeção divina, o juízo envolve a vindicação do caráter de Deus, um testemunho da eficácia do sacrifício de Cristo, bem como a ocasião para a remoção do pecado e da culpa. A função da remoção do pecado não é só experimental, mas também judicial, como foi sugerido no sermão de Pedro no pórtico do templo: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos do refrigério pela presença do Senhor” (Atos 3:19). Daniel fala deste apagar os pecados co-mo uma obra de purificação do templo, não um templo terrestre, pois o cenário e contexto são do templo do Céu (8:14, cf 7:8-14). O livro de Hebreus apresenta simbolicamente a Cristo, o Sumo Sacerdote, como purificando “as coisas que estão no Céu” dos efeitos dos pecados dos justos (Heb. 9:23). É feita disposição final desses pecados, o que equivale a serem lançados nas profundezas do mar (Miq. 7:19). Os pecados dos ímpios são lançados sobre sua própria cabeça, bem como sobre Satanás, o instigador de todo pecado (Ezeq. 18:4 e 10-13; Apoc. 20:10).

Quando é, então, que nossos pecados serão riscados judicialmente dos registros divinos, e quando nossa vida será passada em revista? Muitas das parábolas do reino, contadas por Cristo, apresentam o juízo como um aconteci-mento reservado para o tempo do fim: o trigo e o joio (S. Mat. 13), a rede (S. Mat. 13), os trabalhadores da vinha (S. Mat. 20), o homem sem o traje nupcial (S. Mat. 22), as dez virgens (S. Mat. 25), os talentos (S. Mat. 25), e as ovelhas e bodes (S. Mat. 25). Todas estas parábolas pressupõem que as vidas foram vividas antes do juízo: o trigo e o joio cresceram ambos juntos até à maturidade, o peixe cresceu até ser pescado, os trabalhadores da vinha trabalharam até ao pôr-do-sol, os talentos foram usados e investidos, e as bodas sugerem um período de maturação, preparo e planejamento antecipado. O ensino claro de Cristo é que não somos julgados enquanto não tivermos tido a oportunidade de viver nossa vida. Este conceito é reiterado em Heb. 9:27: “Aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo.”

Quando os justos serão julgados

Se os justos não foram julgados antes do nascimento, e se não foram julgados na cruz, quando, precisamente, serão eles julgados então? Alguns dizem: Não importa realmente quando se-remos julgados, visto que estamos cobertos com o manto da justiça de Cristo. A mesma declaração pode ser aplicada ao Advento. Não importa realmente quando Cristo virá segunda vez, visto que estou pronto. Se, porém, realmente não importa, então por que deu Cristo sinais tão pormenorizados para alertar-nos da proximidade de Sua vinda? O fato é que nossa prontidão se choca com a cronometragem do Advento. O mesmo acontece com o juízo: o conhecimento do tempo em que ocorre o juízo, ajuda-nos a nos tomarmos certos de que estamos preparados.

Se Deus teve um tempo apropriado no qual Ele desceu através das brumosas neblinas deste cosmo para criar um planeta habitável, e se Cristo, Seu Filho, desceu encarnado à superfície desse planeta escurecido pelo pecado num tempo especial (“a plenitude do tempo”, Gál. 4:4), não deveriamos de igual maneira esperar que Ele tenha um tempo especial para neste julgar o mundo? “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que destinou” (Atos 17:31). Como sua réplica, a Criação, que tem um pon-to de partida bem definido (Gên. 1:1) e um pon-to de conclusão (Heb. 4:3), o juízo, também, tem um ponto especial no tempo para começar e terminar. Seu início é de importância suficiente aos olhos da Divindade, para enviar à Terra um mensageiro angélico anunciando: “Vinda é a hora do Seu juízo” e num mesmo alento convidando por toda parte os homens a adorarem “Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas” (Apoc. 14:7). Há evidência adicional de estar sendo formada uma forte ligação entre a criação e o juízo. Ambos são acontecimentos de proporções cósmicas, as reverberações dos quais se estendem como ondulações até os mais distantes limites do Universo. Foi um coro angélico que proveu a antífona para celebrar o nascimento de nosso planeta, e as hostes angélicas serão também convocadas para o juízo como participantes para saudar a morte do antigo e dar as boas-vindas ao nascimento do novo (Jó 38:7; Dan. 7:10; Apoc. 5:9-13).

Uma vez que o tempo do juízo é de importância tal que chama a atenção de todo ser criado, certamente Deus não deixaria a raça humana nas trevas com respeito a ele. Enquanto as epístolas do Novo Testamento se preocupam mais com o significado do acontecimento, os livros apocalípticos de Daniel e Apocalipse preocupam-se não só com seu significado por meio de simbolismo, mas com a cronometragem do evento. Em Daniel 7, o juízo é descrito como ocorrendo durante o tempo no qual o Anticristo, ou o poder da “ponta pequena” ainda existe, e antes do tempo em que todos os reinos da Terra são destruídos. O juízo, então, é um acontecimento anterior ao Advento e, portanto, anterior à ressurreição, uma vez que a Segunda Vinda e a ressurreição são considerados como simultâneas (I Tess. 4:16 e 17).

Implicações de longo alcance

É importante introduzir a esta altura uma idéia que tem implicações de longo alcance: a maneira como vemos a ressurreição determinará em grande parte a maneira como vemos o juízo. Se a ressurreição é a união da alma ao corpo, a alma que desce do Céu para unir-se ao corpo que sai da sepultura, então o juízo assumirá um aspecto diferente daquele que teria se víssemos tanto a alma como o corpo permanecerem na sepultura até a manhã da ressurreição do último dia. Se encararmos o Céu como um lugar onde a alma terá um corpo espiritual, destituído de qualquer aspecto físico, então o juízo será visto numa luz diferente da que te-ria se crêssemos que o homem será ressuscitado como uma unidade completa — corpo e alma — quando Cristo vier a segunda vez para os Seus (I Cor. 15; Dan. 12:2).

A razão é simples: se a alma fosse para a sua morada celestial imediatamente ao morrer, então isto sugeriría que somos julgados individualmente ao morrer. Devemos comparecer ante o tribunal de Cristo antes que seja concedida entrada na Cidade Santa. De acordo com este raciocínio, não haveria nenhum dia de juízo final, quando todos os justos serão coletivamente trazidos perante a barra do tribunal para receber sua recompensa. Ao passo que, se crermos que a alma, bem como o corpo, repousa em um estado de total inconsciência na sepultura até o dia da ressurreição, então o dia do juízo pode assumir um aspecto escatológico. É inconcebível que seja permitido aos justos fixarem residência no Céu sem ter sido primeiro julgados — terem sido vestidos completa-mente com o manto da justiça de Cristo e receberem o Seu nome, ou caráter, impressos em sua mente, pressupõe um julgamento que de-termina se a recompensa deve ser dada (Apoc. 22:12). Se, como acreditamos, a ressurreição é o acontecimento que dá início à ida para o Céu, então o juízo deve ser um evento anterior à ressurreição.

Uma das parábolas mais notáveis sobre o juízo, contada por Cristo e relatada pelo escritor evangélico, é a parábola das ovelhas e dos bodes. Notai a fragrância escatológica desta parábola: “E quando o Filho do homem vier em Sua glória, e todos os santos anjos com Ele, então Se assentará no trono da Sua glória; e todas as nações serão reunidas diante dEle, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas” (S. Mat. 25:31 e 32). Primeiro, devemos notar que esta parábola coloca o julgamento dos justos e o dos ímpios em um único acontecimento, como em outras partes das Escrituras. Segundo, devemos ter em mente que o juízo tem duas fases: um exame dos registros (Daniel 7) e a entrega da recompensa (S. João 5:28 e 29). Esta parábola descreve apenas a segunda das duas fases. Terceiro, devemos lembrar que as parábolas não devem ser usadas para desenvolver um estudo sistemático de doutrina. Por natureza, a história não é sistemática, mas apresenta uma lição central. O que a parábola ensina é que a separação final dos ímpios e dos justos, como ocorre na parábola do trigo e do joio, não acontece antes do Segundo Advento.

Como a parábola das ovelhas e dos bodes, outras parábolas, tais como a da ceia das bodas, parecem unir a obra do juízo com a Segunda Vinda de Cristo. Mas tais parábolas, apresentadas em linguagem simbólica, não devem ser divorciadas do ensino escatológico de Cristo (S. Mat. 24, S. Mar. 13, S. Luc. 21), grande parte do qual foi ministrado em termos literais diretos. Falando de Sua vinda, declarou Cristo: “Porém daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do Céu nem o Filho, mas unicamente Meu Pai” (S. Mat. 24:36). Se ninguém sabe o tempo desse acontecimento sensacional, e se o juízo é simultâneo com a vinda de Cristo, então é também impossível que alguém saiba o tempo do juízo. Mas dissemos há pouco que Deus pretende que o juízo seja de tal magnitude que Ele lhe anunciou a chegada antecipadamente. A solução deste dilema está na separação do juízo em mais de uma fase, sendo a primeira a obra atual do juízo e, a segunda, a execução deste, ou seja, a doação da recompensa. A segunda fase é a única a ocorrer realmente por ocasião do Advento.

A primeira fase do juízo ocorre antes que Cristo volte em glória a este mundo. O exame dos registros, de acordo com as Escrituras, precede o tempo em que os justos entram no Céu. Na verdade, eles sequer estão presentes em seu próprio julgamento! Lemos em Daniel 7:9 e 10: “Eu continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e um ancião de dias Se assentou; o Seu vestido era branco como a neve, e o cabelo da Sua cabeça como a limpa lã; o Seu trono chamas de fogo, e as rodas dele fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía de diante dele; milhares de milhares O serviam, e milhões de milhões estavam diante dEle; assentou-se o juízo, e abriram-se os livros.” Os “milhares de milhares” e os “milhões de milhões” na realidade são anjos que são convocados como testemunhas para o juízo. Apocalipse 5:11 fala claramente deles como “anjos”. Os justos aparecem no inquérito celestial não de fato, mas por meio dos livros meticulosamente pormenorizados que registram cada ato, palavra e pensa-mento. Cristo, seu Advogado (I S. João 2:1), surge como seu representante no juízo, de maneira que eles não precisam aparecer em pessoa.

Esta idéia é sustentada por duas fortes linhas de evidências escriturísticas, ambas apresentadas de maneira simbólica. A primeira descrição simbólica do juízo é encontrada na cerimônia do Dia da Expiação, a única dos serviços do santuário a culminar no Santo dos Santos (Heb. 9:7). Na verdade, o Dia da Expiação era uma descrição figurativa do juízo final: a glória do Shekinah, representava a Deus como juiz; a arca do concerto servia de trono do julgamento; as tábuas da lei, eram o padrão do juízo; e o sumo sacerdote, representava Cristo como advogado e salvador. De acordo com esta descrição figurativa do juízo encontrada em Levítico 16, não era permitido crente no próprio santuário, nem mesmo no pátio, durante os serviços do Dia da Expiação. Seu caso era levado pelo sumo sacerdote para dentro do Santíssimo, enquanto ele devia aguardar expectante e de maneira penitente, talvez na porta de sua própria tenda ou pelo menos fora da porta que dava para o pátio do santuário. O importante é que o crente não assistia em pessoa ao julgamento.

A segunda descrição figurativa do juízo encontra-se em uma visão descrita em Zacarias

  • 3. A linguagem figurada é a do santuário: notai a descrição do candeeiro dourado de sete braços (cap. 4:2) e a referência à mitra sacerdotal (cap. 3:5). Josué, o sumo sacerdote, coloca-se de pé diante de Deus como o representante do seu povo, enquanto Satanás, parado em sua retaguarda, desfere contra ele um mordaz ataque verbal. A questão é o pecado na vida dos santos de Deus. A solução para este problema é a colocação da veste divina (a justiça de Cristo) em tomo do pecador. Dessa forma, a justificação ocorre aqui em um cenário judicial. Na descrição do juízo, feita em Zacarias 3, o pecador mesmo não aparece no tribunal celestial; mas, vicariamente, na pessoa de seu representante, o sumo sacerdote. Assim acontece com o juízo do dia final: “Porque Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo Céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus” (Heb. 9:24). Graças a Deus, temos um Representante divino para comparecer no juízo em nosso lugar!

A grande maioria dos santos de Deus está repousando em sua sepultura no juízo do último dia que ocorre nas cortes celestiais. Se há alguma credibilidade no texto que diz: “os mortos (entre os quais os justos mortos) não sabem coisa nenhuma” (Ecle. 9:5), então os justos que estão em suas sepulturas aguardando a ressurreição não sabem que estão sendo julgados. Assim como Adão era ainda pó quando Deus estava preparando um lar para ele e formando um mundo perfeito para sua alegria, também a maioria do povo de Deus repousa tranqüilamente no pó, enquanto sua vida está sendo examinada no tribunal divino e seu Autor está preparando um Éden restaurado para eles. Alguns justos estarão vivos no fim do tempo, quando seu caso for passado em revista nas cortes celestiais — as Escrituras dizem que os “vivos”, bem como os “mortos” estão envolvidos no julgamento (II Tim. 4:1).

Em resumo, os grandes temas: criação, redenção e juízo abrangem o escopo da história humana e a vastidão das atividades de Deus em favor do homem. A criação vindica o grande poder de Deus; a redenção, o infindo amor de Deus; e o juízo, a absoluta justiça de Deus. Deus recebe toda a glória, e Seu Filho todo o louvor, quando termina o juízo, com esta antífona: “Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças” (Apoc. 5:12).

Warren H. Johns