ARTUR L. BIETZ

(Membro da Associação Médica Americana de Psicologia, Professor de Cristianismo Aplicado, no Colégio de Evangelistas Médicos, Pastor da Igreja White Memorial)

CAPÍTULO VII

Conservemos a Consciência Tranquila

CAUSA mais comum do nervosismo é a cons-ciência culpável e um esfôrço para justificar má conduta ou incorretos anelos anteriores. Diversos males comumente atribuídos ao sistema nervoso, em realidade têm sua origem em um íntimo sentimento de culpabilidade e, Conseqüentemente, de ansiedade. A consciência culpável pode privar o homem de tôda a paz e quietude, ao mesmo tempo em que aguilhoa e molesta dia e noite. Apresentar-se-á nos momentos mais inoportunos para perturbar-lhe em ocasiões de alegria, deixando sua vítima indefesa e temerosa. Encerram muita verdade as palavras de Matthew Amold, em Tristão e I solda:

“Há em seu peito um segredo

Que nunca lhe permitirá descansar”.

A mente cumulada de culpabilidade está cheia de escorpiões; de um fato culpável podem surgir mil pensamentos obsecantes. Pode o homem suportar melhor tôdas as durezas do mundo, do que sofrer uma dolorosa sensação interior de culpabilidade. Assim como a ferrugem carcome o ferro e o destrói, o sentimento de culpabilidade corrói o coração até destruí-lo. Nossos pecados não confessados nos perseguem como fantasmas em cada encruzilhada do caminho. A consciência é uma sentinela sempre alerta, sempre pronta para ferir; parece-se a um cão de guarda interior, um policial, um fiscal, um jurado, um juiz; e até atua como executor.

Enquanto desfrutam de boa saúde, algumas pessoas parecem desenvolver-se bastante bem para manter calada a voz da consciência; chega, porém, a enfermidade, e a consciência que havia sido mantida em sujeição, começa a torturá-las sem misericórdia. Fui chamado recentemente junto ao leito de um ancião que estava prestes a morrer. Mandara-me êle dizer que precisava ver-me imediatamente. Uma vez ao seu lado, contou-me longa história de pecados que cometera na juventude, os quais jamais confessara. Necessitava revelar o que havia mantido oculto durante quase a vida inteira. A confissão proporcionou-lhe um alívio que houvera podido experimentar cinqüenta anos antes.

Quem comete pecado, está em luta com Deus, com o universo e consigo mesmo. Põe sôbre os ombros um fardo pesado e deprimente. Amiúde não se compreende que a maior culpabilidade não provém das ações externas, mas dos sentimentos interiores e dos desejos contrários aos ideais que sustentamos. Ao chocarem-se os ideais do homem com seus desejos, experimenta êle um desequilíbrio emocional; não pode manter tranqüilidade, e falta-lhe o ânimo que brota de um coração limpo e de uma intenção reta. A consciência turbada é uma das fontes mais proliferas dos complexos de inferioridade e de indignidade interior.

Naturalmente, ao erigir-se uma muralha entre os ideais e o procedimento, de maneira que ambos se mantenham separados, não é provável que surjam sentimentos de culpabilidade. É possível manter alta norma de moral para outros e sentir indignação justa contra quem a viole, e ao mesmo tempo não aplicar a nós mesmos êsse código.

Se os preceitos morais da pessoa se modificam ou se desculpam de forma tal que já não mais molestem, então podem cometer-se atos abomináveis sem sentir diminuída a própria estima.

“O vício é um monstro de tão terrível aspecto Que para odiá-lo, tão somente é necessário vê-lo; Porém, se o contemplamos com muita freqüência, familiarizando-nos com seu rosto,

Primeiro o suportamos, depois, dêle nos compadecemos, depois o abraçamos”. — Alexandre Pope, Essay on Man.

O homem comum, entretanto, tem sensibilidades morais que se indignam quando seu procedimento está em pugna com elas. É-lhe impossível sentir respeito próprio se sua consciência foi ofendida.

Aliada à culpa que surge por motivo de um desejo profundamente arraigado de cometer ações contrárias aos sentimentos da própria pessoa, está a discrepância entre o ideal proposto e os fatos reais. Em casos tais existe preocupação de uma deficiência pessoal e um sentimento de culpa porque o que a pessoa deseja não pode alcançar. O espaço que se abre entre o que a pessoa deseja ser e o que em realidade é, gera sentimentos de culpabilidade.

As pessoas possuidoras de um sentimento de culpabilidade sentir-se-ão amiúde aliviadas se têm alguma adversidade, como perder uma fortuna ou sofrer um acidente. A observação desta reação, e também o fato de que algumas vêzes a pessoa culpada favorece circunstâncias adversas que a ajudarão a aliviar sua consciência, induz-nos a crer que se sente acusada tão vigorosamente que, a fim de conseguir alívio, tem necessidade do castigo. Alguns podem tentar confessar crimes que nunca cometeram, na esperança de serem castigados e aliviar assim um forte senso de condenação pessoal. Assim como uma criança encontra alívio, pois se é castigada por seu mau procedimento sente-se aliviada do sentimento de culpa, o adulto busca circunstâncias adversas que o relevem de sua culpa. As circunstâncias afortunadas fazem que o culpado se sinta ainda mais infortunado, já que sabe que não pode delas desfrutar com justiça.

Ao falarmos da consciência, devemos distinguir entre a que é sã e a que o não é. Aquela insiste em que façamos o que sabemos ser correto, mas esta não o sabe automaticamente. A consciência não educada pode ser algo perigoso. Quanto à sua forma, uma consciência pode ser considerada perfeita; mas por seu conteúdo, pode estar em constante necessidade de educação e direção. A pessoa pode ter consciência infantil ou madura, o que dependerá de seu conteúdo. Aprovar sem discriminação um procedimento consciensioso pode ser muito perigoso. Muitos se afligem até desintegrar-se totalmente, sôbre assuntos que não têm importância moral alguma, e outros têm consciência tão obtusa que se permitem qualquer coisa. A consciência pode ser volúvel; pode variar desde a excessiva sensibilidade até à dureza e à resistência. Uma consciência madura pode induzir o homem à santidade, mas a consciência calejada, mal-formada, pode induzir ao engano e à enfermidade mental. A Escritura nos insta a estudar de tal sorte que a consciência possa estar sob a direção da verdade e da justiça.

Alguns dos maiores crimes da História foram cometidos por homens consciensiosos. A inquisição é um exemplo disto. Jesus declarou que existiríam pessoas que matariam pensando fazer um serviço a Deus. Pessoas conscienciosas, no passado, sacrificaram os próprios filhos, crendo que com isso agradavam a Deus. Os homens mais cruéis são os conscienciosamente cruéis. A História testifica as atrocidades que cometeram. Não é suficiente ser consciencioso; os homens devem procurar pôr a sua consciência em harmonia com a verdade, tal como se acha revelada no caráter de Deus.

Um exemplo de consciência não iluminada, que provoca irregularidades físicas, achamo-lo no caso de Tessa, menina italiana, que se sentiu abatida e manifestou uma contração nervosa peculiar. Cada poucos minutos se mordia o lábio inferior; dentro em pouco êste, avolumando-se para a frente quase um centímetro, tomou aspecto vermelho repulsivo. A mãe de Tessa explicou que sua filha começara a proceder de maneira estranha desde certa ocasião em que lhe fôra permitido assistir a uma reunião social, a cujo comparecimento a mãe se opusera. Depois de muita insistência, a mãe consentira, sob a condição de que Tessa se portasse como boa menina. O que aconteceu a Tessa, confessado com lágrimas, foi que um dos jovens a beijou sonoramente e, para pior, isso lhe agradou a ela. A ninguém falou do ocorrido. Não se atrevia a dizê-lo à mãe, temerosa de que a pusesse na rua. Daí o seu sentimento de culpa, agravado por uma mãe severa e cruel, o que, acrescido à nova experiência, motivou essa reação física. Falou-se do assunto com Tessa, em presença da mãe e de um conselheiro bondoso, e a contração nervosa desapareceu. Certo médico comprovou que de cem casos de artrite e colite, sessenta e oito por cento são devidos a um sentimento oculto de culpabilidade. O pecado reside primariamente na mente, mas secundária-mente, em cada nervo, célula e fibra do ser e em cada recanto do cérebro.

O enfermar uma pessoa Fisicamente, por sentimentos de culpa, depende em grande medida do grau de culpabilidade e de sua sensibilidade. Uns buscam sofrer o castigo com uma dor de estômago e uma operação, ao passo que outros furtarão numa loja para logo se fazerem prender. Às vêzes a culpa conduz a distúrbios emocionais e à manifestação de uma hostilidade extrema. A reação específica depende da personalidade básica individual.

Uma consciência atribulada e um sentimento de culpabilidade sempre revelam mente perturbada. Uma pessoa tal se queixa de sentir-se deprimida — e o demonstra — pois até o seu porte e a maneira de caminhar sugerem depressão. A insônia é um sintoma freqüente de consciência culpada e muitos dos que tomam pílulas para dormir deveriam ajoelhar-se perante Deus para confessar seus pecados. Uma pessoa em guerra consigo mesma jamais poderá ser feliz, porque a felicidade significa a ação conjunta de tôdas as funções da vida humana. Uma consciência tranqüila revela uma feliz integração da personalidade e uma ordenada higiene mental com recursos eficazes para enfrentar os problemas da vida. Quer a culpabilidade deixe marcas físicas ou não, sempre está destinada a solapar o vigor do esfôrço mental, ao ter que prestar atenção a um reclamo rival, quando o trabalho deveria receber tôda a atenção. Dificuldades no comportamento e notas baixas nos estudos, andam geralmente de mãos dadas. É um círculo vicioso: um sentimento de fracasso, acrescenta o sentimento de culpabilidade, e êste, por sua vez, engendra mais fracasso. A consciência de que a pessoa fracassou em sua relação com os sêres humanos ou com Deus, cria tal impotência que decepa as raízes das faculdades motrizes, e deixa a vítima em condição lastimosa.

A culpabilidade produz, também, sentimento de separação e de solidão, que se reflete tanto social como religiosamente. Quem cometeu uma falta começa por suspeitar de que outros o saibam também, e torna-se exclusivista e misterioso. Pensa que seus amigos não mais confiam nêle, porque êle próprio não confia em si mesmo. Antes de arriscar-se a que lhe lancem em rosto a sua culpa, evita seus contatos sociais e, justamente quando mais dela necessita, foge da ajuda que lhe poderiam prestar os amigos.

O sentimento de culpa em uma pessoa religiosa diminuiu-lhe o desejo de aproximar-se de Deus; corrói as raízes da oração e deixa-lhe um sentimento de solidão. Há um círculo vicioso que lhe intensifica o infortúnio. Ao sentir-se separada de Deus por sua própria indignidade, a pessoa culpada está menos capacitada para encontrar a resposta de Deus, que a livraria da opressão. Se reunimos num feixe tôdas as conseqüências da culpabilidade: ansiedade, enfermidade física, remorso, redução de incentivos para um esfôrço construtivo, separação de tôda companhia humana e divina, então, como resultado único obteremos distúrbios mentais, emocionais, espirituais, e físicos de magnitude tal que uma pessoa nessas condições, ou recebe ajuda ou perece.

Nenhum ser humano pode sentir-se satisfeito se reina desassossêgo em seu coração. Se uma substância estranha e não assimilável penetra no ôlho, êste, com lágrimas e dor, exigirá que seja eliminada. O mesmo acontece com a consciência. Ela pede que confessemos os pecados. É mais grave encobrir os pecados que encobrir uma enfermidade física. Um pecado secreto converter-se-á em uma tentação para pecar mais, ou, pelo remorso, desbaratará nos-sos esforços morais, e induzir-nos-á a exclamar: “Não vale a pena!”

“Minha língua falará da ira de meu coração;

De outra maneira, ao ocultá-lo, se quebrantaria meu coração;

E antes que isso aconteça, mesmo à custa do extremo,

Libertar-me-ei, como desejo, com palavras”. — Shakespeare.

Bem sabemos que há escrúpulo extremo em algumas pessoas que sofrem de culpabilidade imaginária quando estão sob uma tensão nervosa ou se sentem deprimidas. Tanto perigo há nesse extremo quanto no verdadeiro sentimento de culpabilidade, se mutila ou menoscaba a capacidade e a influência de um obreiro cristão.

Em uma análise final, a causa central do fracasso emocional e mental que nos aflige, reside na tendência de ocultar de Deus o que não pode ser ocultado da própria pessoa.