Artur L. Bietz

Capitulo II

Abandonando a Inquietação e a Ansiedade

O DESASSOSSEGO e a ansiedade são realidades profundas no século atual. Muitos há que crêem serem estas as mais notáveis características de nossa civilização ocidental. Os estudiosos da natureza humana concluíram ser a ansiedade o âmago de tôda a perturbação emocional. Muitos se sentem prêsa da ansiedade porque seus esforços para o êxito foram frustrados.

Conta-se a história de um homem, vítima da ansiedade, que decidiu ser o suicídio o único caminho para a solução do seu caso. Parou à borda de um precipício, pronto para saltar, quando foi detido por um homem que depressa procurou informar-se da causa de atitude tão drástica. O homem replicou que a situação do mundo o enchera de tal ansiedade que ele decidira pôr fim a tudo. Seu interlocutor então propôs darem um pequeno passeio e falarem sôbre o assunto. A esta sugestão o quase suicida prontamente aquiesceu. Caminharam longo tempo falando sôbre a natureza do mundo e a futilidade da vida. Quando voltaram ao mesmo local, diz a história, atiraram-se ambos ao abismo. A plausibilidade da história é secundária em comparação com o estado de espírito que ela descreve. Grande número de pessoas têm-se encon­trado nesta situação por causa do sofrimento gera­do pela inquietação e ansiedade.

A ansiedade é um estado excessivamente dolo­roso. Nem a antiga inquisição foi responsável por
tamanha tortura. A ansiedade ataca o homem quando êle está mais fraco; engana e atraiçoa sua
vítima; não permite a seu prisioneiro escapar nem pela diversão nem pelo aturdimento, nem pelo trabalho ou pela recreação, nem durante o dia nem durante a noite; é feitor cruel.

A pessoa ansiosa está possuída de conflitos emo­cionais internos, tornando-se vítima, em lugar de senhora de sua vida. Em semelhante dilema, vê-se cativa, sem qualquer possibilidade de escape. A tentativa para escapar geralmente termina em con duta frenética porque ela não parece sentir a ameaça como vindo de determinado ponto.

A pessoa ansiosa sente-se ameaçada e tímida. Tende a se carregar de sentimentos de nulidade, desvalimento, rejeição, humilhação, isolamento, É frustração. Sente-se como deve sentir-se o animal acossado que luta por sua vida. Fisicamente, tais pessoas vivem em estado de tensão e esfôrço, e tendem a se desgastarem mais pela fricção que pela salutar libertação de energia. Internamente pare­cem estar empenhadas numa veloz corrida; mas externamente permanecem indolentes, sem qualquer energia para as tarefas que devem ser executadas.

O portador de ansiedades acha impossível estar livre em sua associação com outros. Está de tal
maneira preocupado consigo mesmo e com suas próprias reações, que não dispõe de tempo para os
variados interesses de natureza social. Vive cheio de inibições. Há muita coisa que gostaria de fazer, mas parece incapaz de iniciá-las.

A ansiedade é o resultado da falta de comunhão com Deus e os homens. A súmula da lei é o amor a Deus e ao próximo. Isto significa simplesmente que o propósito total da vida deve ser focalizado na bem-sucedida associação com nosso Criador e com o próximo. Quando Adão e Eva pecaram, esconderam-se por causa da ansiedade interior.

Desde então, a ansiedade em conseqüência de es­ tranhas associações tem malsinado os homens. O homem que mantém comunhão íntima com Deus é capaz de desafiar os perigos externos. Mesmo no amor humano podemos ver uma dispersão de ansiedade, pois dois sêres que se amam, sentindo-se um bem perto do outro, bravamente desafiam a morte. A ansiedade é um sintoma da ausência de amor e companheirismo. Um mundo solitário e cheio de ódio, gera tensão profunda e quase insuportável.

Pessoas ansiosas, inseguras, sentem constante necessidade de nova certeza. Elas têm pouca força; assim recolhem suas parcas reservas e não ousam lançar se em novos empreendimentos. Fazem freqüentes exames médicos para terem a certeza de que estão bem de saúde. Desistem de viagens aéreas; temem aproximar-se das janelas do trigésimo an­ dar de um arranha-céu. Sc estão em hotel, não desejam aproximar-se do terraço. Se estão num quarto do decimo andar, precisam conservar as janelas fechadas por temor de cair fora. Temem armas de fogo, e não permitem que sejam elas guardadas em sua casa. Lâminas afiadas simbolizam morte, e por isso são objetos que devem ser evitados.

Algumas criaturas ansiosas evitam um aperto de mão ou tocar em objetos que possam transmitir infecção. Todo pequeno raspão ou arranhadura deve ser depressa tratado com iodo ou mercúrio-cromo.

Uma mulher de quarenta e cinco anos de ida­ de se queixava de grande ansiedade em relação a canivetes. Por motivo de sua fobia não permitia sequer se apontasse um canivete em sua direção. A lâmina tinha de ser sempre aberta do corpo para fora. Se alguma pessoa tomava um canivete e o apontava em sua direção ela ficava histérica e gritava por socorro. Êste temor de canivetes lhe perturbava todo o trabalho como dona de casa, pois ela vivia em constante estado de temor. Sa­bia ser irrazoável esta reação, mas não era capaz de reprimi-la.

Um estudo do caso revelou intimidades dema­siadas com o irmão mais velho, quando ela contava seis anos. Um dia, em meio de uma dessas cenas, a mãe descobriu-se e surrou a menina sem misericórdia. O senso de culpa tornou-se intenso e engendrou inaudita ansiedade. Quando a menina estava com treze anos, a mãe deu-lhe um livro sobre escravismo branco. A menina abriu-o e deu com o quadro de um homem tentando seduzir uma mulher que procurava resistir. O quadro mos­trava o homem empunhando um canivete que estava quase a penetrar nas costas da jovem. Êste quadro de tal maneira amedrontou a menina que ela arremessou o livro para longe e fugiu gritando histericamente. O incidente fôra esquecido, mas o impacto produziu cicatriz permanente na vida emocional. O senso de culpa na idade de seis anos associou se ao temor engendrado pelo quadro visto aos trêze. combinando-se ambos para tornarem do canivete — símbolo do perigo — a sua segurança. Agora adulta, a mulher ainda experimentava viva ansiedade, mas a ansiedade interior era deslocada pela fobia por canivetes que se tornaram um símbolo da primeira assustadora experiência.

A ansiedade não se restringe a mero problema emocional. Torna-se também um problema físico.
Ela pode fazer sentir seus efeitos em cada tecido do corpo. Um estado benigno de ansiedade pode
levar a um aumento de apetite, que por sua vez provoca excesso no comer e conseqüente aumento
de pêso, uma pessoa que veio recentemente à consulta, queixava-se de aumento de pêso. Quando
lhe foi dito que reduzisse o volume de alimentos ingeridos, ela disse que havia em seu lar e nas suas
relações matrimoniais muito entrechoque, e que a única satisfação que tirava da vida era comer. Não desejava recusar-se êste singelo prazer que ainda lhe restava.

Sentindo-se aliviada, passou a comer mais e parecia sentir-se melhor. Não há negar que a ansiedade intensa leva a completa perda de ape­ tite; quando, porém, as emoções são brandas, a ingestão de alimentos pode produzir resultado pa­ cífico. Sufocam-se as agitadas emoções.

Recentes experimentos com animais na Univer­sidade de Montreal mostram que a morte tanto pode ser produzida por intenso estado de reprimi­ da ansiedade, como por injeção de veneno no corpo. Em ambos os casos o organismo reage como uma só unidade, contra o dano produzido pela ansiedade ou venenos. Muitas enfermidades no homem moderno são resultantes da ansiedade crônica que desiquilibra as funções do corpo. A ansiedade pode manifestar se por distúrbios do coração, úlce­ ras pépticas e outras enfermidades.

As atitudes que reconhecidamente produzem úl­cera são as que afirmam independência e auto suficiência como cobertura da ansiedade subjetiva acompanhada de ressentimento e hostilidade. Essas atitudes são produzidas pela ansiedade e senso de insegurança. Sempre que uma pessoa se de­ fronta com uma situação para que é incapaz de dar solução satisfatória, podem manifestar-se en­ fermidades físicas de vários tipos.

Franz Alexander, lançando um pouco mais de luz sôbre o tipo de personalidade portadora de úl­cera estomacal, diz: “Êles se defendem da imoderada necessidade de serem amados, por exagerada demonstração de eficiência e realizações. Assumem maiores responsabilidades do que as que podem suportar, até que o reprimido original anseio de repouso e auxílio se tornam excessivos. Êsse de­ sejo constante e nunca suficientemente satisfeito de ser amado lhes ativou de tal maneira as fun­ções digestivas, que deu lugar a que se manifes­ tassem mudanças orgânicas no estômago e duodeno” 1

Autoridades que tèm feito inúmeras pesquisas no campo das reações físicas dizem que a ansieda­de pode tornar-se um fator bioquímico. Mediante a estimulação de secreções das terminais nervosas e das glândulas, são postas em liberdade matérias tão prejudiciais como os venenos das bactérias. Com efeito, a invasão das bactérias parece ser auxiliada pela tensão mental.

Não foi talvez por acaso que a gripe epidêmica de 1918 coincidiu com um dos mais ansiosos pe ríodos da primeira grande guerra. Mesmo o resfria do comum, de acôrdo com investigação recente, parece atacar com a máxima virulência quando a vítima se encontra em estado de ansiedade.

Um paciente foi certa vez curado de um caso crônico de vômitos, ao ir à coletoria e pagar im­ posto atrazado, que havia sido objeto de um aviso ameaçador. A ansiedade produziu a reação física.

Um médico relata o caso de um homem que tinha pressão excessivamente alta e era também afligido por desordem pulmonar. Repouso e drogas não produziram qualquer efeito. Um dia o doente fêz notar que havia cometido grande falta para com a esposa, e o doutor imediatamente arranjou um encontro entre o casal desajustado. Após amigável discussão entre os dois, a pressão do homem caiu e os sintomas pulmonares desapareceram.

Durante uma longa viagem, um homem de negócios de ideais elevados foi infiel à esposa. Em seu retórno experimentou intenso desconfôrto com dores no corpo. Mostrava-se incapaz de reassumir seus bem-sucedidos negócios. Sentia-se sem energia e parecia sofrer de completa perda da confiança em si. Uma série de tratamentos com choques para libertar a confusão e ansiedade foi de nenhum proveito.

Depois de vários meses de semi-nulidade a homem confessou sua deslealdade à espôsa e recobrou a saúde. Então lhe voltaram a confiança e o êxito nos negócios. Parece haver um arranjo misericordioso na pro­ dução de sintomas físicos. Cada desajustamento é uma tentativa de ajustamento. Os sintomas físicos parecem tornar-se uma legítima fuga do insupor­ tável sentimento de ansiedade. O foco agora provê queixa digna de respeito, pela qual a pessoa logra alcançar simpatia, e dessa forma a atenção é desvia da do que produzia a tensão. Isto explica por que muitos não desejam ficar livres de seus sintomas físicos. Vão de um a outro médico em busca de uma causa que lhes justifique a incapacidade. O médico que lhes disser que tèm boa razão de quei­ xa é o que lhes recebe os aplausos. Os sintomas físicos servem de válvula de escape para a ansie­ dade que produz padecimento insuportável.

A ansiedade tem em geral sua raiz em relações remotas entre pais e filhos. A criança insegura, malquista, torna-se, quando adulta, infeliz, portadora de ansiedade. Não raro os que não foram amados na meninice, parecem incapazes, quando adultos, de alcançar o de que realmente mais ne- cessitam. Como regra geral pode dizer-se que a ansiedade brota da insegurança, e a insegurança é o resultado da falta de ego status, aceitação social e adequada filosofia da vida. As pessoas que não possuem qualquer respeito próprio viverão ansio­ sas. as que se sentem rejeitadas por outros vivem em estado de tensão, e as que não têm objetivo na vida são portadoras de ansiedade O bem-estar físico, o ego status, a aceitação social e adequada filosofia da vida são necessários se se deseja a libertação do estado de ansiedade.

Alguma explicação das palavras ansiedade e temor é necessária para evitar mal entendido. Muitas pessoas não são capazes de compreender que há distinta diferença entre êsses dois estados de espírito. Temor é uma reação a alguma coisa no “mundo real;” ansiedade é uma reação desproporcional ao perigo envolvido. A mãe que teme a morte do filho por ter êle ligeiro sarampo ou leve resfriado, está positivamente sofrendo de um es­ tado de ansiedade. Se a criança sofre de enfermi­ dade séria que lhe poderá produzir a morte, a rea­ ção materna é o temor.

Unia pessoa pode temer um acidente e evitá-lo com cuidado, Êsse temor é sadio. Outra está tão – certa de que haverá um acidente, que não o evita de forma alguma. Esta reação é ansiedade.

A criança deve ser ensinada a temer certos perigos externos — isto é necessário para a saude mental. Mas a criança em estado de ansiedade está sofrendo de enfermidade emocional. De acôrdo com esta definição, a ansiedade não encontra jus- tificativa, ao passo que o temor pode ser benéfico e terapêutico. Um estudante poderá temer um exame “o bastante para levá-lo a estudar e preparar-se. A ansiedade, por outro lado, deixaria a mente do estudante tão perturbada que êle nãopoderia conservar o pensamento no estudo, e, assim, não conseguiria lembrar-se do que aprendera para o exame. O temor liberta fôrças construtivas que afastam o perigo e promovem o planejamento para futuro promissor. A ansiedade congela a vida e invalida suas energias.

No caso de temor, o perigo é transparente, objetivo; e no caso de ansiedade, está oculto, subjeti­vo, surgindo em grande medida dos sentimentos da incapacidade de enfrentar os problemas da vida. Além disso, muitas vêzes, as causas de ansiedade são desconhecidas da vítima. A distinção entre temor e ansiedade deve ser tida em mente no trato dêste problema.

Os homens escolhem várias maneiras de se libertarem dos sentimentos de ansiedade. Alguns pro curam negar a existência dêsses sentimentos; dizem que tudo vai bem e que não estão preocupados. Outros, seguros de que seus sentimentos são plenamente justificados, procuram apresentar para êles razões ponderáveis. Alguns portadores de an­ siedades procuram evasiva no álcool e nos narcó­ ticos, mas tôdas essas fugas levam a maior tensão. A ansiedade deve ser enfrentada honestamente c sua Causa examinada. Até que a pessoa esteja su­ ficientemente forte, deve abandonar situações que estão além de suas fôrças. As últimas duas suges­ tões conduzem a uma construtiva solução do problema da ansiedade.

1) Franz Alexander, M. D., and Thomas Merton French. M. D., Psychoanalitic Therapy, pág 4.