“Onde não existe nenhuma insatisfação, nenhuma visão de alguma coisa melhor, nenhum sofrimento, há pouca chance de ação.”

Uma pesquisa publicada pela revista Christianity Today, do bimestre março/abril de 1996, apresentou dados reveladores das razões pelas quais alguns pastores deixaram o ministério ou foram incentivados a renunciar. Os números apontavam que 46% o fizeram devido a um conflito na visão que tinham entre si mesmos e a igreja; 38%, em virtude de conflitos com líderes de suas congregações; 32% deixaram o trabalho por causa das expectativas consideradas irreais colocadas sobre seus ombros; 22%, devido a conflitos com membros em geral, e 21%, por diferenças teológicas.

Estatísticas como essa colocam diante de nós, mais uma vez, um dos grandes perigos do pastorado. E também apontam o potencial destrutivo atrás dos conflitos que geram hostilidade, usualmente sem reconciliação. Felizmente, os cristãos desaprovam conflitos. Esperamos que nossas igrejas sejam comunidades de reconciliação e integração.

Ao mesmo tempo, necessitamos aceitar o outro lado, que é negativo. Sabemos e sentimos que todo conflito é anticristão, e que podemos promover a paz simplesmente evitando-o ou nos recusando a falar sobre ele. Entretanto, independente de nossos temores em relação a ele ou de nossa preferência em não confrontá-lo, a verdade é que ele está aí e parece ter vindo para ficar.

Falando de um modo geral, é difícil convivermos com igrejas em conflito, particularmente quando há conflitos entre indivíduos e grupos na congregação. A controvérsia parece ser a negação de muito do que nós cremos e pregamos. É uma força que tende a separar, ao contrário de ter o potencial de manter as pessoas unidas. Sempre desejamos que o conflito permaneça fora da igreja. Podemos aceitar facilmente tensões entre a igreja e o mundo, mas a existência de contendas dentro da igreja é algo perturbador. Para muitos de nós, o conflito implica fraqueza e falha em viver segundo a luz que nos foi dada e nosso chamado para partilhar essa luz com o mundo.

Lado construtivo

Eu costumava pensar que todos os conflitos da igreja eram motivados pelo adversário de nossa alma. Como um incêndio perpetrado por algum sanguinário sinistro, o conflito destruiría a igreja; e qualquer membro ou pastor que de alguma forma se engajasse nele era um instrumento do demônio e necessitava ser vigiado.

A experiência, entretanto, me ensinou uma outra visão. Ao estudar o conflito na Bíblia, fui levado a observá-lo sob uma luz mais positiva. Se abordadas num contexto espiritual, questões conflitantes podem fortalecer a igreja e unir a comunidade da fé.

Quando compreendemos a natureza do conflito, isso nos ajuda a administrá-lo antes que sejamos esmagados por ele. O conflito tem a ver com o reconhecimento, a comunicação e a resolução de dificuldades. Visto através dos olhos da Escritura, eles não necessitam obrigatoriamente levar à revolução e à destruição, mas podem ser direcionados para fins construtivos.

Em si mesmo, o conflito é um processo neutro, movendo do caos à reconciliação. Toma-se valioso ou ameaçador somente enquanto as pessoas experimentam sua maneira peculiar e redentiva de unir velhos paradigmas aos novos. Quando bem direcionado, o conflito pode conservar nossas igrejas vibrantes e em crescimento. James D. Berkley crê que “onde não existe insatisfação, nenhuma visão de alguma coisa melhor, nenhum sofrimento, há pouca chance de ação. Uma igreja com alguma quantidade saudável de tensão e conflito é uma igreja viva”.

Modelos do Novo Testamento

O Novo Testamento nos oferece alguns modelos de resolução de conflitos que produziram reconciliação, cura e capacitação da igreja, bem como a proclamação unida do evangelho, por aquelas pessoas que estiveram envolvidas no processo.

Atos 15 relata um capítulo da vida de Paulo e Barnabé, que retomavam de uma extensa viagem missionária depois de levar o evangelho aos gentios. Seu êxito nessa empreitada descontentou alguns judeus cristãos que insistiam em que ninguém poderia ser salvo a menos que primeiramente fosse circuncidado. Todas as conversões reivindicadas por Paulo e Barnabé estavam sendo ignoradas. E uma significativa dissensão foi criada na congregação de Antioquia.

Esse conflito teológico e social definitivamente tinha o potencial para dividir a jovem igreja cristã. Entretanto, um sábio mediador tomou controle da situação e enviou Paulo, Barnabé e algumas pessoas a Jerusalém a fim de consultarem os apóstolos e os presbíteros.

Os apóstolos ouviram os dois grupos na exposição de seus respectivos argumentos. Então Pedro levantou-se para falar em apoio à inclusão dos gentios. Tiago propôs que uma carta fosse escrita pelos apóstolos e presbíteros a qual continha, em essência, o oferecimento da mão da comunhão aos gentios, sob algumas condições: “que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue” (Atos 15:20).

Essa ação substanciou um compromisso sensato que produziu uma solução para o conflito, na qual todos foram vencedores. Os apóstolos e presbíteros em Jerusalém, que eram os líderes reconhecidos da igreja, escolheram operar de maneira aberta. As emoções do conflito foram abatidas. A mentalidade sombria de conflito destrutivo foi evitada, sendo gerada a confiança. O resultado foi a solução do problema.

O que conduziu esse conflito a uma conclusão saudável e unificada não foi simplesmente uma recomendação pelos apóstolos que agradou aos contendores. Embora não possamos minimizar a parte importante desempenhada pelos apóstolos em Jerusalém, ou a prudência da recomendação feita pelo grupo, o crédito também se deve à magnanimidade da igreja que, junto com Paulo e Barnabé, deu passos importantes para que se chegasse a uma solução pacífica.

Solução passo a passo

Primeiramente, eles fizeram um genuíno esforço a fim de buscar esclarecimento para a sua compreensão teológica do assunto que causou o conflito. Dando esse passo, os crentes enfrentaram o problema e limitaram seu potencial de crescimento.

McSwain e Treadwell nomeiam tal ação de “análise solucionadora de problema”, que é uma fase na qual “o grupo é movido a tomar uma decisão”. Nesse estágio, podemos considerar todos os fatos reunidos, sentimentos e opiniões sobre o conflito. Então analisamos as opções para resolver o problema. Ao tomar essa atitude, a igreja em Jerusalém evitou com êxito transformar um conflito substantivo em um conflito interpessoal. Seu propósito e missão tiveram precedência sobre sentimentos pessoais quanto a quem estava certo ou errado.

Em segundo lugar, a igreja local, Paulo e Barnabé respeitaram a mais alta autoridade eclesiástica. Sem respeito pela mais elevada autoridade, especialmente em situações de conflito, é difícil aceitar qualquer recomendação vinda dessa autoridade, muito menos buscar sua ajuda para conduzir o conflito a uma conclusão saudável.

O modelo de Atos 6

Outro modelo bíblico de solução de conflito é relatado em Atos 6. Os cristãos gregos se queixaram de que suas viúvas estavam sendo negligenciadas pelo trabalho de assistência social. Argumentaram que as viúvas judaicas estavam sendo favorecidas.

Novamente, Pedro desempenhou um grande papel na arbitragem do conflito. Ele expôs a ideia divinamente inspirada de apontar membros leigos para cuidar do sistema de assistência aos pobres, o que deixaria os apóstolos livres para devotar atenção completa ao trabalho pastoral. Essa proposta “agradou a toda a comunidade” (Atos 6:5). Esse foi um princípio de conflito sombreado por forte colorido étnico. E foi bem resolvido, porque Pedro e os apóstolos não se posicionaram na defensiva. Eles ouviram os queixosos e apresentaram uma decisão aceitável. Como resultado, a igreja foi fortalecida e ficou mais focalizada na missão.

Lamentavelmente nem todos os conflitos relatados nas Escrituras terminam com um resultado que conserva unidas as partes envolvidas. Por exemplo, em Atos 15:36-41, Paulo e Barnabé discutiram acirradamente sobre se deveriam incluir ou não João Marcos em sua segunda viagem missionária. Marcos desertara deles durante a primeira viagem. Paulo, diante disso, considerava-o incapaz para o trabalho. Barnabé via a questão de modo diferente. Nenhum dos dois, porém, arredava o pé da posição assumida. O resultado foi uma solução diferente. Paulo escolheu Silas como seu parceiro, e Barnabé continuou com João Marcos.

Embora os dois apóstolos acabassem seguindo caminhos diferentes, a solução encontrada provou-se benéfica para a igreja. Paulo e Barnabé promoveram a expansão do evangelho, e eventualmente a fenda entre eles foi curada. Isso significa que alguns conflitos podem terminar com cada parte seguindo caminhos separados, o que não é necessariamente algo mau ou falta de espiritualidade. Ao contrário, pode ser uma bênção para a igreja, na expansão do evangelho, e pode promover o bem-estar das pessoas envolvidas.

Apesar disso, devemos sempre ter em mente que a separação em uma igreja, no processo de um conflito, tem o potencial de ser devastador para a comunidade e as partes envolvidas. Por isso, tal divergência deve ser cuidadosamente considerada. Devemos analisar se a separação contribuirá para o êxito no trabalho do Senhor, bem como para uma convivência saudável. Se o conflito cresce ao nível no qual os indivíduos se tomam amargurados, seriamente ofendidos, ou até nocivos, eles se sentirão pessoalmente humilhados.

Essa experiência emocional negativa pode marcar a mente das pessoas afetadas levando-as a nutrir um espírito de hostilidade e vingança. Quando isso ocorre, cria-se um ambiente no qual as pessoas podem perder o respeito pela autoridade organizacional e enfraquecer a fé nas forças espirituais que conservam a igreja unida. Quando a dinâmica do conflito move-se nessa direção, os líderes devem saber como mapear o curso da resolução do conflito, de modo que sejam mantidos a unidade e o respeito pelas opiniões diferentes.

Dinâmica além do conflito

Para evitar o perigo do crescimento de um conflito, Paulo nos adverte: “Longe de vós, toda amargura, e cólera, e ira, e gritaria, e blasfêmias, e bem assim toda malícia. Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (Efés. 4:30 e 31). Se os líderes e membros de uma igreja sustentarem esse conselho espiritual, a comunidade estará livre de conflitos.

Paulo também adotou um forte papel de exortação, quando enfaticamente advertiu à congregação de Corinto a buscar unidade e evitar dissensões: “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer” (I Cor. 1:10).

Embora compreendamos que o conflito é uma ocasião para conversa franca, essa franqueza não deve ser ofensiva nem punitiva. No momento em que começamos a nos agredir mutuamente, passamos do plano da franqueza para a ofensa. Respeitar os oponentes é evitar agredi-los verbal ou fisicamente. E vital que cada lado tenha em mente o conselho de Paulo e mantenha o respeito mútuo, a fim de que haja solução saudável para o conflito. Às vezes é muito difícil conseguir esse ideal; mas, como cristãos, nosso alvo deve ser manter a vida espiritual da igreja unida durante toda situação de conflito.

Considere uma vez mais Paulo e Barnabé como exemplos para a resolução saudável de conflitos. Embora eles se separassem e seguissem caminhos diferentes, não perderam de vista o seu propósito, nem sua missão nem seu amor pelo corpo de Cristo. Em lugar de permitir que as diferenças pessoais os impedissem de trabalhar, eles continuaram avançando fervorosamente, acumulando êxito no trabalho de Deus.

A mensagem clara nesse episódio é que quando a resolução do conflito leva à separação e ao surgimento de um novo grupo de crentes, esse novo grupo não deve manifestar independência nem hostilidade em relação à igreja como um todo. A causa de Deus não deve sofrer por causa do conflito. Pelo contrário, deve expandir-se e crescer, porque nós partilhamos uma causa comum que vai além dos nossos interesses pessoais.

Uma resolução de conflito que distancia indivíduos do corpo de Cristo, alimentando neles um espírito hostil, difere do que Deus espera de nós em qualquer conflito. O exemplo de Paulo e Barnabé reconciliando-se é um modelo que todos nós devemos adotar. As feridas entre eles foram curadas, de modo que puderam manter um relacionamento saudável através do tempo restante do seu ministério. A estima de Paulo em relação a Marcos também mudou, quando este, posteriormente, demonstrou sua utilidade para o trabalho (11 Tim. 4:11). E a igreja prosperou.

O conflito não tem de terminar em hostilidade, com uma confrontação “dedo em riste”. O contexto cristão não permite vingança, desrespeito, nem assassinato de caráter. O conselho de Paulo é pertinente: “Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós; acima de tudo isto, porém, esteja o amor, que é o vínculo da perfeição” (Col. 2:12-14).

Teremos uma grande ajuda na solução de conflito, se nos lembrarmos sempre dos seguintes pontos:

  • 1. A discordância pode levar indivíduos e organizações a mudarem paradigmas, o que finalmente pode gerar crescimento genuíno.
  • 2. A discordância pode revelar uma necessidade de mudança. Líderes amadurecidos darão boas-vindas à discordância, porque ela os força a avaliar suas próprias crenças a fazer mudanças positivas onde elas são necessárias (Prov. 18:15).
  • 3. A discordância pode ajudar as pessoas a se tomarem mais tolerantes a pontos de vistas opostos aos seus. Aprender a aceitar diferentes pontos de vista sem desenvolver reações hostis é um sinal importante do líder amadurecido (Prov. 21:23).

O pastor efetivo aprende a verdade contida em um ditado popular segundo o qual às vezes é bom “concordar para discordar”. Fazendo assim, um pastor também aprende a evitar o desenvolvimento de uma atitude crítica mesmo quando outros são críticos e exibem hostilidade a seu respeito.

A discordância pode revelar necessidade de mudanças. Líderes amadurecidos sempre lhe darão boas-vindas.

David W. Hinds, D.Min, pastor adventista em Orleans, Louisiana, Estados Unidos