Durante os primeiros meses que estivemos no campo missionário, aprendi duas lições realmente úteis, que me foram tranqüilizadoras e confortantes, não sòmente num tempo verdadeiramente crítico de adaptação inicial, mas também depois no decorrer de muitas crises de maior vulto nos anos que se seguiram.
O próprio tempo é um transcorrer enfadonho quando as semanas se arrastam vagarosamente pelos meses, e a família continua não estabelecida, aguardando residência para nela se instalar. Nosso estranho mundo se nos afigurava na verdade excêntrico e lúgubre, mesmo agora quando o recordamos!
Não tínhamos escolha a fazer a não ser fixarmos residência e acomodar-nos num bairro sem atrativos de uma grande cidade, e ficarmos apertados no interior de um velho edifício onde nós e outras famílias descobrimos que havia sensível falta de intimidade e liberdade. Embora o edifício que nos alojava tivesse muitos corredores a céu aberto, quase não tinha janelas, e não seria exagero dizer que seu interior assemelhava-se a um conjunto de celas como são dispostas numa penitenciária moderna. Acrescente-se a isto, as circunstância imediatas daqueles primeiros dias a exigirem nossa permanência em casa a maior parte do tempo.
Num ambiente como êste, compreende-se como seria fácil irritar-se por qualquer dá cá aquela palha, tornando-se a contrariedade mais insignificante coisa avolumada a trazer inquietação geral.
Certo dia, uma delicada senhora que ràpidamente conquistara nossa amizade, veio visitar-nos, trazendo consigo um pequeno pé de cravo, já desenvolvido numa pequena lata com terra. Acima de qualquer outra circunstância, êste obséquio parecia apenas algo de cortês e delicado. Naquele ambiente, porém, esta pequena dádiva constituía uma estimada posseção do mais raro encanto e prazer, que nos cativou a simpatia e nos alegrou o coração, como nada o fizera em muitos longos dias!
Minha espôsa irrigou a planta e colocou-a fora da porta de nossa “cela”, num terraço onde dava o Sol certas horas do dia, e poderia apressar o desabrochar do único botão do craveiro. Tudo em que poderiamos pensar no momento era nos sentimentos delicados de nossa bondosa amiga, e nossa ânsia para que a flor abrisse e revelasse sua beleza e fragrância.
Apenas alguns minutos se passaram, o travêsso papagaio do vizinho veio direto ao nos-so presente, pousou na borda da lata, e corso bicada de seu velho bico.
Êste episódio poderia parecer insignificante a qualquer pessoa (como de fato o é) e o seria para nós também, sob circunstâncias ordinàriamente normais. Naquela ocasião, porém, as circunstâncias não eram ordinárias nem nossas reações eram normais. Ao contrário, o incidente se nos afigurava a gôta dágua que fêz transbordar os muitos outros episódios insignificantes anteriores.
Felizmente colocámos a lata com a verde plantinha num lugar mais seguro, esperando que não morresse. Vigiávamos e protegíamos aquêle resto de planta com zêlo e esperança até que finalmente veio o dia em que tivemos o prazer genuíno de ver a possibilidade de sobreviver, e mais tarde maior alegria ao descobrirmos não apenas uma mas três hastes crescidas e cada uma delas com um botão.
Com o tempo os três botões se tornaram três exuberantes cravos, e compreendi que êste desenvolvimento ocorreu, não apesar do es-paventoso papagaio, mas por causa dêle e do que fizera.
Algum tempo depois, nossa planta não mais existia, e tôdas as insignificantes irritações que envolveram os seus primeiros dias de existência foram esquecidas; muitos problemas reais e de importância transcendente sobrevieram à medida que nossas possibilidades aumentavam. Elas naturalmente requeriam maior estatura de caráter, e digo com gratidão que a luta indormida desta pequena flor para sobreviver contra as sombrias vicissitudes, revelou-me quanta beleza e fragrância podem multiplicar no caráter do homem, não apesar das muitas humilhações desnecessárias e injúrias imerecidas, mas realmente por causa de se ter que sofrê-las.
Em qualquer campo, na ascensão do obreiro pela íngreme escada do êxito não é sempre tão segura nem tão fácil a subida contra a gravidade como a princípio poderia parecer lá dos primeiros degraus. Durante a penosa ascensão, o obreiro (ou obreira) diligente e abnegado terá muitos encontros com algum “travêsso papagaio” que fará atrevidas tentativas em assacar injúrias pessoais para se suportar, pelo rumoroso cortar com seu “velho bico”!
Em qualquer campo missionário, porém, seja no país ou além-mar, o Senhor, em Sua infinita graça, freqüentemente permite que experimentemos inquietantes provações, a fim de preparar-nos para as maiores aflições ainda por vir. Sua disciplina encoberta é sempre genuína bênção para evitar que o joio do orgulho e do egoísmo e amor ao aplauso brotem no coração. Ervas daninhas que com rapidez e segurança tornam o caráter de Sua própria semeadura oculto, apequenado e, na realidade, destruído.
A segunda experiência que nos ajudou no decorrer de nossos primeiros dias em nosso novo campo de trabalho constituiu outra bela ilustração da Natureza, que ocorreu mais tarde, ou depois que nos mudámos para uma casa pequena simples em que havia janelas por onde admirávamos a paisagem.
À distância, as montanhas pareciam falar-nos em pensamentos de serena inspiração e majestosa grandeza. Aquêles picos grandiosos e imutáveis contra a tela sempre cambiante do céu tropical, estavam adornados e protegidos pelas florestas magnificentes e profusas. De tôdas as árvores visíveis, as mais proeminentes eram, certamente, aquelas que decoravam as mais altas cristas dos montes. Tôda sua silhueta aparecia de modo nítido e desobstruído contra a luz do dia. Estas árvores não eram as mais altas nem realmente melhores do que outras da mesma floresta. Sua distinção, contudo, ocorria indisputàvelmente devido a alta posição.
Ao compararmos estas árvores que se situavam em lugares elevados, com os nossos homens designados por Deus, aos quais Êle separou para carregarem as responsabilidades colossais no cume de Sua divina obra na Terra, precisamos nos lembrar e reconhecer que êstes dirigentes são relativamente poucos em número, em comparação com a grande floresta de outros obreiros que estão no pôsto do dever em todos os menores setores de serviço. Usamos com freqüência e facilidade a expressão “êle está colocado em alta posição”. Não é senão o caso de uma árvore que está no tôpo da montanha. É o cimo do monte que a sustém. Temos, portanto, todos que prestar nossa colaboração leal e a devida estima às elevadas posições em que nossos dirigentes foram colocados.
Falando humanamente e de modo geral, nossos irmãos que dirigem não são superiores em estatura física ou em dons elevados. Contudo compreendemos e reconhecemos que possuem certos atributos acima da média, atributos de caráter e aptidões que Deus escolhe para as responsabilidades acima das médias na estrutura da nossa organização; de outra forma não estariam êles “à altura”. Tal como se dá no caso das árvores que estão no cimo, o mesmo pico alto não poderia permanecer o mesmo sem a existência das sentinelas que o protegem.
Mais abaixo nas encostas, a maior parte das árvores da floresta da montanha fruem o privilégio de deitar as raízes num solo mais seguro e mais aluvional. Fruem maior abrigo e sobrevivência face a violentas tempestades e terríveis vendavais que assolam as alturas acima delas; também seu parentesco é mais complacente com a multidão de outras árvores similares ao seu redor. Mais delicioso é o orvalho estimulante e as primaveras que refrescam abundantemente a encosta, e muitos são outros deleites que poderiam ser mencionados, que a flora e a fauna dos jardins suspensos da Natureza proporciona nêste intacto domínio que está embaixo.
Portanto, caro irmão e coobreiro, se vos achais aspirando tornar-vos preeminente na sagrada causa de Deus apenas por vos tornardes saliente, é melhor aconselhar-vos e primeiramente ponderar o custo de uma vida exclusivamente tempestuosa “lá em cima” naquelas alturas varridas pelos ventos. Demasiado cedo compreendereis que, ao invés de
vos achardes na plataforma da admiração popular que vem da platéia abaixo, é ela a sentinela ou pôsto de observação, uma impiedosa e interminável exposição.
Demasiadas vêzes temos visto uma “árvore” da plantação do Senhor a quem se permitiu crescer no coração volúvel ambições indevidas. Seu caráter não estava fortemente enraizado no terreno sadio da piedade abnegada. Então quando se desencadeou a luta da tempestade e do dilúvio, foi removido de seu lugar, porém não para cima. Não! Ao contrário, foi ràpidamente carregado para baixo no avalanche irresistível de pedras que rolam e destroços de terra que se desintegra, levando com êle outras árvores próximas e injuriando gravemente a outras que permanecem firmes. Onde outrora permaneciam tão orgulhosos, apenas se vê uma penha feia e nua no verde panorama que não pode ser restabelecido logo ou fàcilmente restaurado.
Que todos nós, portanto, ocupemos com contentamento santificado e boa vontade o lugar, embora humilde, monótono ou difícil em que o Senhor do Céu e da Terra nos colocou, até ao dia de Sua vinda, se Êle assim o quiser. Todos sabemos que está muito próximo aquêle dia em que Êle nos tomará consigo para aquela abençoada terra edênica em que haverá lugar para todos, no eterno lar paradisíaco que nos aguarda lá no outro lado.