Pergunta 39

Que entendem os adventistas acerca da situação cronológica do milênio em relação ao fim dos séculos, à natureza das duas ressurreições, à seqüência dos seus acontecimentos mais importantes, e ao final do período milenial e sua seqüela?

A palavra “milênio” tem assumido um sentido especial no pensar da maioria dos cristãos, isto é, um período de mil anos durante o qual Cristo, com os Seus santos, reinará na Terra, em meio à abundância, à paz e a uma justiça sempre crescente. A palavra não ocorre na Bíblia. Deriva-se de duas palavras latinas: mille e annu, isto é, mil anos. [Achamos bem dispensável esta explicação, usada pelos pregadores americanos, pois em português a palavra explica-se a si mesma: temos biênio, triênio, quadriênio (ou quatriênio) etc.] Apoc. 20:2-7 prediz um reinado de mil anos, dos santos com Cristo, mas não há nesse capítulo uma afirmação de que os santos reinarão com Cristo na Terra durante esse período.

A visão que delineia os mil anos pertence a uma série que tem de ser considerada como seqüencia cronológica, se é que queiramos situar o milênio em sua devida relação com outros acontecimentos escatológicos. Apoc. 19 descreve a segunda vinda de nosso Senhor. O cap. 20 fala da prisão de Satanás, de duas ressurreições com intervalo de mil anos, do julgamento geral dos malfeitores, e sua destruição no lago de fogo. Apoc. 21 pinta a descida da Cidade Santa, a Nova Jerusalém; e o cap. 22 continua a descrição da cidade e das alegrias dos remidos no estado eterno. Parece não existir nesses capítulos coisa alguma que indique não ser essa uma seqüência cronológica de acontecimentos. Com o auxílio de passagens paralelas da Bíblia, que descrevem a segunda vinda de Cristo, a ressurreição e o castigo final dos ímpios, é possível esboçar os acontecimentos do milênio de princípio a fim, com exatidão perfeita.

I. Segunda Vinda de Cristo

Em Apoc. 19 Cristo é descrito, por ocasião de Sua segunda vinda, como poderoso guerreiro, a dirigir os exércitos do Céu a fim de batalharem contra as hostes do mal (vs. 11-16). Isto mostra o efeito de Sua vinda sôbre os perdidos.

Em Apoc. 14 Cristo é apresentado vindo numa nuvem, coroado Rei dos reis. Nesse capítulo a reunião dos justos e dos ímpios é descrita sob a figura de uma ceifa. Nos vs. 15 e 16 os justos são reunidos como “a seara da Terra.” Os ímpios são colhidos como “cachos da videira da Terra,” “amadurecidos,” e lançados “no grande lagar da cólera de Deus” (vs. 18 e 19). Esse “lagar” é mencionado de novo no cap. 19, onde se diz que Cristo “pessoalmente pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus Todo-poderoso” (v. 15).

II. A Morte de Todos os Pecadores

Aos pecadores rebeldes da Terra Cristo vem como juiz e vingador, com glória avassaladora, com fogo e espada, em batalha final contra as hostes dos homens maus, que assumem sua derradeira posição de desafio a Ele, e Ele oferece às aves a carne de reis, capitães e homens poderosos, e de todos, quer livres, quer escravos, assim pequenos como grandes (Apoc. 19:17-19). Em outra parte a Revelação descreve a mesma classe de pessoas acovardadas diante da face do Cordeiro, e das perturbações da Natureza, que acompanham o segundo advento: os céus enrolando-se como um pergaminho, e todos os montes e ilhas movidos de seus lugares (Apoc. 6:14-17). No cap. 19 assim como no 14, o efeito da vinda de Cristo é descrito sob a figura do pisar as uvas num lagar, com sangue a sair do lagar, na extensão de mil e seiscentos estádios (Apoc. 14:20). Dificilmente se poderia descrever mais ao vivo uma destruição cabal. Não só a Natureza coopera na convulsão que transforma a geografia da Terra e derriba toda a obra das mãos humanas, mas toda e qualquer oposição organizada contra Deus vem a termo súbito, enquanto os homens individualmente tremem perante seu Criador, e verdadeiro Rei e Senhor.

A “besta” e o “falso profeta,” símbolos da apostasia organizada (em visões anteriores do Apocalipse), e que são acusados de enganarem os homens maus, levando-os a contínua rebelião contra Deus, são descritos como lançados vivos num lago de fogo (Apoc. 19:20). O apóstolo Paulo, visualizando com olhos proféticos a corrente do tempo, descreveu o mistério da iniqüidade, num nome personalizado: “o iníquo” (II Tess. 2:8), “a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de Sua boca, e o destruirá, pela manifestação de Sua vinda.” E Apoc. 19 assim termina a descrição da ruína total dos ímpios; “Os restantes [pecadores] foram mortos com a espada que saía da boca dAquele que estava montado no cavalo. E todas as aves se fartaram das suas carnes” (v. 21). Embora se trate aqui de figuras de linguagem e simbolismo profético, podemos concluir que todos os injustos que não perecem nessas convulsões serão destruídos pelo fulgor da visível presença de Cristo, ao aparecer Ele ‘em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus.” II Tess. 1:8.

III. O Aprisionamento de Satanás

O acontecimento seguinte, descrito no livro de Apocalipse (cap. 20:1-3), é o aprisionamento de Satanás com uma grande corrente, ele sob a figura de um dragão, a fim de que, por mil anos, não mais engane os homens. Visto como é essa uma cena simbólica, não é preciso supor que a corrente ou o abismo sejam literais. O dragão representa Satanás, e o sentido dos outros símbolos podemos deduzir do contexto. Os seguidores de Satanás foram todos destruídos, com a vinda de Cristo. Os justos, como veremos na próxima seção, são removidos do domínio dele. A Terra está completamente desolada, juncada de cadáveres. Basta, então, compreender pelos símbolos, que por ordem divina Satanás é circunscrito à Terra, para aqui, por mil anos, refletir nos resultados de sua rebelião contra Deus.

  • IV. A Ressurreição dos Justos

Muda-se o cenário. João vê tronos de julgamento e assentados neles os bem-aventurados e santos que têm parte na primeira ressurreição (Apoc. 20:4 e 6). “Viveram [de novo] e reinaram com Cristo durante mil anos” (v. 4). Especificamente João vê os mártires e os que alcançaram a vitória sobre a besta e sua imagem (símbolos proféticos da apostasia, dos caps. 13 e 14). Porventura os que hão de reinar com Cristo durante os mil anos, abrangem mais do que os mártires e fiéis da última geração, que resistiram à lábia da apostasia? A resposta tem de ser procurada em outras passagens que descrevam a ressurreição que segue à segunda vinda de Cristo em poder e grande glória. Em parte alguma da Bíblia (a não ser que isto se dê em Apoc. 20) se menciona uma ressurreição só de mártires; há, porém, referências à “ressurreição dos justos” (S. Luc. 14:14), e à “ressurreição da vida” em contraste com a “ressurreição do juízo” (S. João 5:29), o que corresponde à divisão que Apoc. 20 faz entre as duas ressurreições. “Os que são de Cristo” ressuscitam “na Sua vinda” (I Cor. 15:23). “Os mortos em Cristo ressuscitarão” quando o Senhor descer do Céu, com “a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus” (I Tess. 4:16). Em outra parte há referência ao caso: “Ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis” (I Cor. 15:52). E Jesus descreveu Sua vinda, nas nuvens do céu — visível a todos, e lamentada pelas tribos da Terra, não preparadas para recebê-Lo — como a ocasião em que, ao soar a trombeta, os “Seus escolhidos” serão reunidos, de toda a Terra (S. Mat. 24:30; S. Mar. 13:26 e 27). Todas estas descrições de uma vinda gloriosa, visível e audível, com o sonido de trombetas, acham-se relacionadas com o ajuntamento dos eleitos de Cristo, a ressurreição dos que morreram em Cristo, e a transformação da mortalidade em imortalidade. Trata-se, é óbvio, da primeira ressurreição, de Apoc. 20.

  • V. A Trasladação dos Justos Vivos

O profeta João viu, assentados nos tronos do julgamento, os que “não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem, e não receberam a marca na fronte e na mão” (Apoc. 20:4). Visto como haverá apenas duas classes de pessoas na Terra quando Cristo vier — os justos e os pecadores, as “ovelhas” e os “cabritos” (S. Mat. 25:32 e 33) — os que não adoraram a besta devem representar os vivos justos da última geração, que não dobraram os joelhos à apostasia, e estão preparados para dar as boas-vindas a Cristo quando vier. O apóstolo Paulo descreve esse bendito acontecimento: “Nem todos dormiremos [morreremos], mas transformados seremos todos . . . ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, pois “o corpo mortal” se revestirá de “imortalidade” (I Cor. 15: 51-53). Isto se dará quando “nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares” (I Tess. 4:17).

VI. Todos os Justos Levados Para o Céu

João, em sua visão dos justos durante os mil anos, não especifica exatamente onde terá lugar o reinar com Cristo. Diz simplesmente: “Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar. . .. E viveram e reinaram com Cristo durante mil anos” (Apoc. 20:4). Outras passagens, porém, esclarecem o caso. Segundo I Tess. 4:17, acima citado, os justos serão arrebatados para “o encontro do Senhor nos ares,” “entre nuvens.” Daí concluímos que Cristo, quando de Sua segunda vinda, não tocará a Terra, poluída pelo pecado, mas “enviará os Seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os Seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus” (S. Mat. 24:31).

E o lugar para o qual os salvos serão levados nessa ocasião é indicado pelas próprias palavras do Salvador, ao confortar os discípulos na véspera de Sua crucifixão: “Na casa de Meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, Eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E quando Eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para Mim mesmo, para que onde Eu estiver estejais vós também.” S. João 14: 2 e 3. O lugar ao qual Cristo levará os Seus santos é descrito como “a casa de Meu Pai,” onde há “muitas moradas.” Impõe-se a idéia de que o destino dos justos, por ocasião do segundo advento de Jesus, será o Céu, e não a Terra, da qual serão removidos quando soar a última trombeta. *

* Apoc. 5:10 é às vezes citado para provar que os santos reinarão com Cristo na Terra, durante o milênio. A passagem diz: “E para o nosso Deus, os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a Terra.’’ A expressão “reino e sacerdotes” desta passagem, é semelhante a uma expressão em Apoc. 20: “Serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele os mil anos.” Não há coisa alguma em Apoc. 5:10, ou em seu contexto, que obrigue a aplicar esse “reinar” sobre a Terra, ao período de mil anos, de Apoc. 20. O problema é o seguinte: Poderemos considerar paralelas essas passagens? A exegese não pode responder à pergunta. Os adventistas do sétimo dia crêem que esse “reinar sobre a Terra” se aplique aos justos após terminado o milênio, quando os santos, com Cristo e a cidade santa, volta à Terra. (Ver Apoc. 21 e 22.) Então, destruídos pecado e pecadores, os justos reinarão com Cristo através de toda a eternidade.

Assim temos uma explanação do que acontece às duas classes, sobre a Terra, quando o Senhor vier. Enquanto uma é deixada na Terra, todos mortos, para ser consumidos pelas aves, a outra é levada, vivos todos, para estar para sempre com o Senhor.

  • VII. O Julgamento e os Mil Anos

O apóstolo João descreve, muito concisamente, as atividades dos remidos no Céu: “Reinaram com Cristo durante mil anos” (Apoc. 20:4). Bem se poderia fazer a pergunta: Sobre quem reinarão os santos, se todos os ímpios foram destruídos? Que os santos receberão o reino acha-se especificamente declarado em outras passagens. Quando o sétimo anjo tocar a trombeta, “o reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do Seu Cristo” (Apoc. 11:15). E Daniel diz que “o reino e o domínio, e a majestade dos reinos serão dados ao povo dos santos do Altíssimo” (Dan. 7:27). Os santos estiveram sob o opressor domínio dos reis que beberam do vinho da prostituição de Babilônia (Apoc. 18:3). Agora invertem-se os papéis, e os santos do Altíssimo dominam sobre os opressores. É verdade que os ímpios estão mortos, mas voltarão à vida no final do milênio (Apoc. 20:5). Ficam, por assim dizer, reservados, para receber mais tarde seu castigo. O exercício do domínio dos justos sobre os ímpios é indicado na expressão: “Aqueles aos quais foi dada autoridade de julgar” (v. 4), e: “reinaram com Cristo” (v. 4), a quem foram dados “todos os domínios” (Dan. 7:27).

No estudo sobre o juízo investigativo (ver pergunta 36) foram tratados estes aspectos da obra do julgamento total, que logicamente terá de ser concluída antes que Cristo volte em glória. Lá mostramos que os casos dos que serão salvos terão de ser examinados antes do segundo advento, e terão de ser “havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos” (S. Luc. 20:35), e também de “escapar de todas estas coisas [as perturbações preditas por Cristo]… e estar em pé na presença do Filho do homem” (S. Luc. 21:36). Visto como todos os ímpios vivos na Terra por ocasião da vinda de Cristo sofrem a primeira morte — a morte comum a toda a humanidade — e não vivem de novo senão depois de mil anos, as decisões acerca de sua punição não precisam ser tomadas antes do segundo advento.

Em Apoc. 20 a palavra “julgar” é do grego krima, que geralmente significa “sentença, veredicto” ou “decisão tomada.” Aqui krima parece significar a autoridade de passar sentença. A passagem não se refere a um veredicto em favor dos justos. Na Septuaginta, em Daniel a palavra para “juízo” é krisis, o “ato de julgar;” mas na versão grega teodociana está krima. A obra do julgamento a que se refere o revelador é sem dúvida a mesma a que se refere o apóstolo Paulo: “Não sabeis que os santos hão de julgar o mundo?. . . Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos?” (I Cor. 6:2 e 3). A obra do julgamento bem pode abranger uma cuidadosa investigação dos registos dos homens maus e a decisão acerca da proporção de castigo devido a cada pecador, pela parte que teve na rebelião contra Deus.

A justiça requer que os grandes pecadores sejam punidos mais severamente do que aqueles cujos pecados foram de natureza menos grave. Certo, todos os pecadores serão punidos com a morte eterna, mas não se pode conceber que a extinção final seja uma punição graduada. É o sofrimento antes da segunda morte que pode dar a medida correspondente à extensão da responsabilidade pessoal do pecador, por sua rebelião. O próprio Cristo estabeleceu o princípio: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a Sua vontade, será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação, levará poucos açoites.” S. Luc. 12:47 e 48.