“Oração, no fim de tudo, é esta absorvente relação de amor entre Deus e nós”

Tanto quanto eu posso me lembrar, desde há muito tempo em minha experiência, a oração foi uma prática que sempre usei para pedir favores a Deus. Primeiro, foi a oração formulada por meus pais e recitada à beira da cama: “Agora que vou dormir, peço que o Senhor guarde minha alma.” Eu tinha apenas uma noção muito vaga sobre o destinatário do meu pedido mas, quem quer que fosse, Ele poderia me proteger de qualquer perigo que estivesse oculto na escuridão daquelas noites.

A semelhança de muitas outras crianças, eu também havia aprendido uma oração para ser repetida à mesa por ocasião das refeições: “Deus é grande, Deus é bom, e nós Lhe agradecemos por nosso alimento.” Esse era um reconhecimento de que Deus tinha alguma relação com a origem da comida que minha mãe preparava.

Essas orações infantis estabeleceram o fundamento para as da adolescência, quando me tornei capaz de começar a falar espontaneamente a Deus, usando meus próprios pensamentos e palavras para expor diante dEle minhas necessidades. Todavia, essas orações mais pessoais foram condicionadas pelo que eu ouvia dos meus pais e outros adultos em nossa igreja.

Progresso

Em algum ponto de minha juventude, li que “a oração é o abrir do coração a Deus como a um amigo”.1 Esse é um pensamento que poderia ter revolucionado minha prática de oração, caso eu tivesse permitido realmente que sua veracidade me alcançasse. Mas isso não ocorreu, talvez pela influência do meu relacionamento com meus pais. Eles não criaram um ambiente de intimidade em nosso lar, de modo que eu nunca aprendi a partilhar meus sonhos e problemas. É verdade que eu cheguei a compreender seu papel como provedores do meu bem-estar bem como dos meus quatro irmãos. Nosso lar era um lugar seguro, mas não provia muito apoio emocional.

Alimentei sonhos para minha vida e fiz planos para que eles fossem concretizados, mas não falava sobre esse “eu interior” para ninguém. E essa experiência posteriormente limitou minha boa vontade para ser aberto e vulnerável a outras pessoas e ao próprio Deus. Meu relacionamento com Deus era similar ao que mantinha com meus pais. Falava-Lhe a respeito das minhas necessidades, orava pedindo ajuda para solucionar crises, pedindo coragem, proteção e segurança para minha família e amigos. Ocasionalmente, mencionava os colportores e os missionários ao redor do mundo. Porém, nunca usei a linguagem da intimidade.

Essas orações eram oferecidas à noite, antes de dormir, pela manhã, antes de sair do quarto e, regularmente, antes de enfrentar alguma dificuldade no colégio. O formato de oração que eu usava naqueles tempos era conhecido como “oração simples”, caracterizado pela centralização nas próprias necessidades, pedido em favor da saúde, por segurança e prosperidade. Nesse tipo de oração, o suplicante não busca estar com Deus por causa dEle mesmo e tudo o que Ele representa; não existe o abrir do coração. Se eu não tivesse saído da “oração simples”, minha jornada espiritual teria permanecido estacionada.

A oração que é íntima comunhão com Deus não apenas foi um modelo descartado por mim, mas minha vida religiosa também foi sufocada pelo legalismo, o que me tomou quase incapaz de compreender o desejo que Deus tinha, e tem, de manter relacionamento comigo. Eu não podia abrir-Lhe meu coração como a um amigo, porque O via como um juiz à espera de que eu cometesse um erro, para então me condenar. Não me sentia seguro para abrir meu coração a Ele.

O despertamento

Somente depois de desenvolver uma compreensão da graça, já na vida adulta, e experimentar a segurança da salvação, pude realmente sentir anseio de conhecer Deus como um amigo. Mergulhando na literatura espiritual, cheguei a compreender que a construção do relacionamento com Cristo é igual ao que acontece com amigos terrestres. O abrir do próprio eu, nos mais profundos níveis, requer tempo, esforço e coragem.

Participei de seminários e retiros espirituais e aprendi certas práticas espirituais que eram principalmente formas de oração. Isso me fez avançar da minha própria vida para experiências de adoração e intimidade centralizadas em Deus. Entre as práticas estavam a meditação, leitura espiritual e oração devocional, algumas vezes também chamada de “oração do coração”.

Com a descoberta de que a oração é, antes de mais nada, relacionamento com Jesus, passei a experimentar um ardente desejo de começar a praticar essas coisas regularmente. E posso testemunhar que elas me têm ajudado muitíssimo a chegar mais perto do coração de Deus. A descrição de oração, feita por Susan Muto, hoje, é muito especial e significativa para mim. Ela escreveu: “Oração, no fim de tudo, é esta todo absorvente relação de amor entre Deus e nós. É a realização consciente da união que já foi efetuada entre nossa alma e Deus, por Sua graça. O objetivo imediato da oração pode ser considerar algum mistério da vida de Cristo, resolver um problema, buscar direção para um determinado curso prático de ação. Porém, o objetivo último da oração é sempre comunhão com Deus. É receptividade à Sua comunicação no silêncio e no curso de situações da vida. É descobri-Lo continuamente como centro de nosso ser, de modo que possamos tê-Lo conosco em meio dos nossos afazeres.”2

Eu, agora, me alegro nos momentos de intimidade com Deus. Algumas vezes, nem costumo usar palavras em minhas orações. Em vez disso, fico ali, apenas com Ele, abrindo-me tanto quanto possível, esperando o que possa acontecer. Noutras vezes, minha oração se resume a adorar ou agradecer. Ainda outras vezes, falo a respeito dos meus planos ou fatos da minha vida, como falaria a qualquer amigo. Ocasionalmente, tento ouvir se há alguma coisa que Deus queira me dizer. Quando Ele fala, é sempre em voz suave e calma, ou através de alguma impressão que me infunde confiança de que Ele está ali e que cuida de mim.

Tempos de crise

Durante o tempo em que minha esposa lutava contra o câncer, experimentei uma crise real de fé. Embora eu compreendesse a extensão da crise, ainda esperava que Deus a curasse. Quando ela faleceu, fiquei profunda-mente desapontado e questionei-me se foi realmente apropriado pedir Sua intervenção. Hoje, posso dizer que tenho crescido através do sofrimento, mas essa experiência me causou profundo impacto. Ainda permanecem interrogações para as quais eu apenas tenho começado a encontrar respostas.

Estou absolutamente convencido de que Deus me conhece intimamente e de que Sua resposta aos meus pedidos de intervenção estava fundamentada sobre o que era melhor para nós naquele tempo. Também fui ajudado a entender melhor como minha insignificante vida cabe no conflito cósmico entre o bem e o mal. Se fosse possível vermos, em toda amplitude, as dimensões nas quais Deus opera, ficaríamos surpresos sobre quão pessoalmente Ele está envolvido com nossa vida. Não há dúvida quanto ao Seu desejo de que abramos o coração a Ele a respeito das nossas lutas.

Buscar sabedoria e coragem para tratar com elas é a marca da vida de oração. Esperar que as dificuldades sejam removidas é tentar criar o paraíso na Terra, e isso está prometido somente para depois que o pecado for erradicado. A expectativa de uma vida isenta de provas deixará de produzir em nosso ser o refinamento de que necessitamos enquanto estamos deste lado do paraíso.

Foco diferente

Por essa razão, minhas orações mudaram seu foco. Em lugar de pedir a Deus que me livre de todas as provações, conto-Lhe o que estou enfrentando e peço que esteja comigo em cada uma delas. Se Ele escolher remover a barreira, estarei sempre agradecido. Se não o fizer, sei que Ele está comigo suprindo minhas necessidades. Isso é bastante e continuarei agradecido. Quando oro em favor de outros, estou tão interessado em seu bem-estar espiritual como estou interessado no que Deus pode fazer por suas necessidades físicas e materiais.

O importante é que Deus está comigo e cuida de mim cada dia da minha vida. Creio que essa é a grande ênfase da experiência de Jó: “Quando Jó reconheceu a imediata presença de Deus com ele, recebeu um novo e diferente recurso para enfrentar seus problemas. Buscando a Deus, ele foi envolvido por uma realidade tão diferente das expectativas humanas, que foi erguido acima de suas perspectivas. Quando passou a viver na imediata presença de Deus – quando ele O viu, além de simplesmente ouvi-Lo – Jó viveu com alguém, em lugar de viver por alguma coisa. A intensidade da vida de Deus, que outra coisa não era senão a atividade de Sua desejada presença, tornou-se mais real, para Jó, que a presença de seu tormento.”3

Ainda tenho atravessado minha própria “noite escura da alma”. Há períodos de aridez, quando Deus não parece tão perto, mas também há maravilhosos períodos em que Ele está tão perto que quase posso sentir Sua respiração. Agora, sei que a oração é a chave nas mãos da minha fé, e estou disposto a usá-la para destrancar os vastos celeiros do Céu. Esses celeiros não estão cheios de riqueza material nem de poções mágicas para aliviar sofrimentos, mas têm possibilitado uma emocionante jornada de aventura espiritual. Ela está longe de terminar, e há muito mais a ser aprendido a respeito da oração e de Deus. É uma experiência indispensável a todo pastor.

Steve Willsey, pastor associado da igreja de Spencerville, Estados Unidos

Referências:

1 Ellen G. White, Caminho a Cristo, pág. 93.

2 Susan Muto, Pathways of Spiritual Livings (Dou-bleday, 1984), pág. 123.

3 Arthur Vogei, God, Prayer and Healing (Eerdmans, 1995), pág. 112.