W. E. READ

(Secretário de Campo, Associação Geral)

SURGEM às vêzes perguntas sôbre a freqüência com que deve ser celebrada a Ceia do Senhor. Não existe realmente uniformidade neste particular entre as comunidades cristãs. Há quem o faça diariamente, alguns o fazem uma vez por semana, outros, uma vez por mês, e ainda outros, uma vez por trimestre. Uns poucos existem, porém, que argumentam que, visto que a Ceia do Senhor ocorreu na Páscoa e a Páscoa não era celebrada senão uma vez por ano; deve a Ceia do Senhor ser celebrada também anualmente. Acham outros que devam seguir o que consideram ser o exemplo da igreja primitiva, e celebram esta ordenança cada dia.

Qualquer pessoa relacionada com o registo do Novo Testamento, porém, reconhecerá que não existe instrução explícita no tocante a êste assunto. Não nos é dito se deva ser diária, semanal, mensal, ou com que freqüência. Convém, entretanto, dar alguma consideração ao assunto, e salientaríamos o seguinte:

1. O que concerne à Ceia do Senhor em relação com a Páscoa.

  • a. Devemos lembrar que a Páscoa era um tipo da morte do Messias, pelo que a Ceia do Senhor era um memorial de Sua morte; um apontava para a frente; o outro, aponta para trás.

“A Páscoa deveria ser tanto comemorativa como típica, apontando não sòmente para o livramento do Egito, mas, no futuro, para o maior livramento que Cristo deveria efetuar, libertando Seu povo do cativeiro do pecado.” — Patriarcas e Profetas, pág. 298.

  • b. A Ceia do Senhor substituiu a celebração da Páscoa.

“Cristo achava-Se no ponto de transição entre dois sistemas e suas duas grandes festas. Êle, o imaculado Cordeiro de Deus, estava para Se apresentar como oferta pelo pecado, e queria assim levar a têrmo o sistema de símbolos e cerimônias que por quatro mil anos apontava à Sua morte. Ao comer a páscoa com Seus discípulos, instituiu em seu lugar o serviço que havia de comemorar Seu grande sacrifício. Passaria para sempre a festa nacional dos judeus. O serviço que Cristo estabeleceu devia ser observado por Seus seguidores em tôdas as terras e por todos os séculos.” — O Desejado de Tôdas as Nações, pág. 488.

  • c. Esta ordenança foi instituída quando findou a cerimônia da Páscoa. Isto está indicado pela citação anterior.

2. O que concerne a Atos 2:42 e 46.

Algumas pessoas têm sustentado que as expressões contidas nestes versículos indicam uma cele-bração diária da Ceia do Senhor no tempo da igreja primitiva. A expressões são: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão” (v. 42); “e, perseverando unânimes todos os dias . . . partindo o pão em casa” (v. 46).

Êste é um passo interessante das Escrituras, digno de cuidadoso e meditado estudo.

  • a. A expressão “em casa”:

O pensamento que parece ser evidente nesta expressão é que os crentes, não posuindo edifícios de igreja próprios naquele tempo, realizavam as reuniões em sua própria residência.

  • b. A expressão “partindo o pão”:

Supõe-se que isto se refere em sentido especial à Ceia do Senhor, e menciona-se que algumas versões confirmam esta suposição. Faz-se referência ao seguinte: A tradução siríaca — “partindo a eucaristia”; a tradução de Weymouth — “na sua parti-cipação da comunhão, isto é, no partir do pão”.

Mathew Henry também participa desta interpretação, pois em seus comentários sôbre Atos 2:42-47, observa:

Êles freqüentemente participavam da ordenança da Ceia do Senhor. Perseveravam em partir o pão, na celebração dêsse memorial da morte de seu Mestre.”

  • c. Outras versões, entretanto, não apoiam êste pensamento. Supõem ser uma referência aos ágapes de amizade dos cristãos primitivos, celebrados em muitas ocasiões. Barnes, em seu comentário, escreve:

“Em siríaco reza ‘a eucaristia’, ou a ceia do Senhor. Não pode, porém, ser especificado se se refere ao partir do seu alimento habitual, juntos, aos ágapes de caridade, ou à Ceia do Senhor. O pão dos hebreus era feito em forma de broas, finas, duras e quebradiças, de modo que era partido, em vez de cortado. Por isto, a frase partir o pão juntos, para demonstrar intimidade ou amizade, da mesma forma que os gregos o manifestavam bebendo juntos. . . . Da expressão usada no v. 44, comparada com o v. 46, de que tinham tôdas as coisas em comum, dir-se-ia, antes, estar subentendido que se refere à participação de suas refeições habituais. Esta ação de partir o pão era comumente realizada pelo chefe da família, logo depois de ser pedida a bênção.” — Popular Commentary, Vol. III, pág. 57.

Robertson, em seu livro Word Pictures, diz:

“O problema consiste em se Lucas se refere ao alimento habitual, como em S. Luc. 24:35, ou à Ceia do Senhor. O mesmo verbo klao é usado para partir o pão na refeição habitual (S. Luc. 24:30) e na Ceia do Senhor (S. Luc. 22:19). Geralmente se supõe que os primitivos discípulos atribuíam tanta importância ao partir do pão nas refeições habituais, mais do que a nossa ação de graças; que em seguida às suas refeições celebravam a princípio a Ceia do Senhor, uma combinação chamada agapai ou banquetes de amor. ‘Não pode haver dúvida de que a eucaristia nesse período era precedida uniformemente do repasto habitual, co-mo o foi quando a ordenança foi instituída’ (Hackett). Isto levou a alguns abusos, como em I Cor. 11:20. Daí ser possível que o que aqui é citado seja a Ceia do Senhor, celebrada em seguida à refeição habitual. ‘Simplesmente explicar tei klasei tou artou como “A Santa Comunhão” equivale a perverter a significação simples das palavras, e desfigurar o quadro da vida familiar, que o texto nos apresenta como sendo o ideal dos crentes primitivos’ (Page). Mas em Atos 20:7, parece haverem-se êles ajuntado especialmente para a obser-vância da Ceia do Senhor. Talvez não haja meio de solucionr o caso conclusivamente.” — A. T. Robertson, Word Pictures in the New Testament, Vol. III, pág. 38.

Sôbre êste ponto os escritos do Espírito de Profecia silenciam. À luz, pois, do que foi exposto, julgamos não dever usar os versículos de Atos 2 para provar que a cerimônia da comunhão nos dias da igreja primitiva fôsse celebrada diàriamente.

  • 3. O que concerne a I Coríntios 11:25 e 26.

A expressão “tôdas as vêzes” provém da palavra grega pollakis, que significa “muitas vêzes”, como ocorre em Rom. 1:13; S. Mat. 17:15 e Heb. 9:25. Isto não indica qualquer tempo específico, mas “cada vez” que fizermos isso. Dá à igreja a liberdade de determinar a freqüência da celebração das ordenanças. Quando quer que seja celebrada, quer freqüentemente quer raras vêzes, podemos ter a certeza das bênçãos do Senhor para o Seu povo, ao participarem êles dos memoriais do Seu corpo partido e do Seu sangue por êles vertido na cruz do Calvário.

  • 4. O que concerne aos conselhos dos escritos do Espírito de Profecia.

Êste conselho é nitido e claro. Por não haver a Páscoa sido celebrada senão uma vez ao ano, não devemos pensar que a Ceia do Senhor deva sê-lo apenas uma vez por ano. Uma coisa é clara no conselho dado, e essa é que essa sagrada ordenança deve ser celebrada com freqüência na igreja de Deus.

“Cristo pretendia que essa ceia fôsse comemorada com freqüência, a fim de nos fazer lembrar Seu sacrifício de dar a Sua vida para a remissão dos pecados de todos quantos nÊle crerem e O receberem.” — Ellen G. White, The Lord’s Supper and the Ordinance of Feetwashing,N°. 1, The Review and Herald, 31 de maio de 1898.

“Jesus assumiu novamente o Seu lugar à mesa, em que foram servidos pão e vinho não fermentado, e cujo preparo havia sido feito segundo instruções de Cristo. Êle aparentava muita tristeza. ‘E, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu-lho, dizendo: Isto é o Meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de Mim. Semelhantemente tomou o cálix, depois da ceia, dizendo: Êste cálix é o Novo Testamento no Meu sangue, que é derramado por vós. Em verdade vos digo que não beberei mais do fruto da vide até aquêle dia em que o beber de novo no reino de Deus.’

“Com isto instituiu nosso Salvador a ceia do Senhor, para ser celebrada amiúde, e manter viva na lembrança de Seus seguidores as cenas de Sua traição e crucifixão pelos pecados do mundo. Queria que Seus seguidores reconhecessem sua continua dependência de Seu sangue para a salvação. O pão partido era o símbolo do corpo de Cristo, dado para a salvação do mundo. O vinho era o símbolo do Seu sangue, derramado para a limpeza dos pecados de todos quantos a Êle recorressem em busca de perdão, e O recebessem como seu Salvador.

“A salvação do homem depende da aplicação contínua ao próprio coração, do purificador sangue de Cristo. Portanto, a ceia do Senhor não devia ser observada só ocasionalmente ou anualmente, mas com mais freqüência do que a páscoa anual. Esta ordenança solene comemora um acontecimento muito maior do que o libertamento dos filhos de Israel do Egito. Êsse libertamento era típico da grande expiação que Cristo fêz mediante o sacrifício de Sua própria vida para o final libertamento de Seu novo.” — Spiritual Gifts, Vol. III, págs. 227 e 228.