A oração sugerida pelo Comitê Central do Concilio Mundial de Igrejas em Evanston, bem poderia servir de modelo à oração que deveríamos fazer como igreja. Precisamos reafirmar nossa doutrina, nossa missão como igreja e nossa santificação

Em “Bases Teológicas para la Re-novación de la Iglesia”, Rudolf Obermuller lembra que uma ora-ção sugerida pelo Comitê Central do Concilio Mundial de Igrejas para a Assem-bléia de Evanston, dizia: “Confessamos diante de Ti que temos desonrado Tua Igreja por cau-sa de nossa indignidade. Temos percorrido caminhos que eram os nossos próprios caminhos e temos a culpa, porque Tua Igreja continua com suas divisões. Temos impedido Tua Igreja de ob-ter o seu pleno poder, porque nós mesmos nos desobrigamos de entregar-nos completamente a Ti, e este deveria ter sido nosso dever. Ó, renova nosso coração e nossa mente, Pai celestial, a fim de que venha à nossa Igreja nova vida e novo poder, para Tua honra e glória.”1

Embora não tenha sido pronunciada por nós, esta oração poderia expressar com certa timidez o anelo de reafirmação que surge no horizonte de nossa própria experiência religiosa. Diante da tormenta que a qualquer momento pode abater-se sobre nós, a igreja não pode, não deve continuar sonolenta à sombra de um triunfalismo duvidoso. A igreja precisa ser iluminada, fortalecida, purificada e motivada agora mesmo, a fim de preparar-se para sua última e mais gloriosa experiência. Por isso, “um reavivamento da verdadeira piedade entre nós é a mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscar esta experiência, deveria ser nossa primeira ‘tarefa”.2

Poder-se-ia supor que o contorno no qual estamos submersos não favorece o surgimento espontâneo de uma autêntica reafirmação espiritual; mesmo assim, para que a obra que Deus está realizando em favor do pecador se torne eficaz, a igreja deve manter-se em contínua, dinâmica e submissa renovação espiritual. E essa renovação deve ser atualizada “sob a operação do Espírito Santo”3

A reafirmação espiritual que preconizamos para a igreja tem, necessariamente, que ocorrer com relação aos seguintes aspectos essenciais de nossa fé:

  • 1. Reafirmação da doutrina adventista (Apoc. 14:12; III João 9 e 10; II Pedro 2:1-3; Heb. 13:7-9). Temos que admitir que, em algumas áreas do mundo adventista, observa-se uma tendência que debilita o compromisso do crente com os princípios essenciais da “fé que uma vez por todas foi entregue aos santos”.4 Em outras, por outro lado, a fé é robusta e a igreja avança.

Nesse sentido, a apatia espiritual que invadiu algumas das igrejas protestantes tradicionais, convida à reflexão. Essa apatia é filha do modernismo religioso que, embora conserve a etiqueta de cristã, é uma religião totalmente nova. Esse liberalismo protestante é, dito sem rodeios, uma religião sem um Deus pessoal, sem um Salvador divino, sem Bíblia inspirada e sem uma conversão que transforma a vida.5

Ficamos alarmados ao saber que essa nova tendência religiosa conseguiu apoderar-se da maioria das escolas denominacionais, das publicações religiosas e das principais igrejas protestantes. Como resultado direto dessa mudança, essas igrejas deixaram de crescer, perderam o entusiasmo pelo evangelismo, diminuíram sua contribuição em favor das missões e perderam milhões de membros.6

“Enquanto prosseguira batalha, temos necessidade de vigiar com atenção a investida que se faz para desgastar nossa posição teológica tradicional.”

Apesar da crise, a Igreja Adventista se tem mantido em sua posição teológica substancial, graças a Deus. Enquanto prosseguir a batalha, temos necessidade de vigiar com atenção a investida que se faz para desgastar nossa posição teológica tradicional. Aqueles que continuam insistindo em corrigir nossa teologia, pre-cisam saber que “quando o poder de Deus testifica daquilo que é a verdade, essa verdade deve permanecer para sempre como a verdade. Não devem ser agasalhadas nenhumas suposições posteriores contrárias ao esclarecimento que Deus proporcionou”.7 Deve-se lembrar que o Espírito Santo ilumina a verdade, mas não nos dá uma verdade contrária à anterior.

Um de nossos baluartes, o púlpito adventista, deve ser bíblico, dinâmico, cheio do fogo divino e voltado para a evangelização. Não é tempo de balbuciamento. Somos a voz do Senhor, e não um eco da cultura. Não dispomos de tempo nem de dinheiro para consumir em atividades que não sejam prioritárias. A procura de soluções para assuntos marginais da teologia não deve atrair-nos a atenção pois, se o fizermos, nosso testemunho pode enfraquecer-se.

Nossa visão deve estar fixa na missão. Se, porém, a visão se torna obscurecida, o sentido de missão é distorcido, e a igreja pode voltar-se para si mesma e para seus problemas. A falta de progresso na direção da missão, conduz inevitavelmente à confusão e à desunião. A experiência recente das igrejas protestantes deve servir-nos de lição. Se preferirmos nossos problemas a nossa missão, e nos detivermos no terreno polêmico das controvérsias, sobrará pouco tempo para dedicarmos a algo mais substancial. Se as energias da igreja forem empregadas em sua autopreservação, qualquer sobra dessa energia será insuficiente para escolher com amadurecimento sua ordem de prioridades. É inteiramente indispensável que a igreja se desligue de interesses secundários, se deseja preservar sua dimensão profética e sua missão para esta hora.8

  • 2. Reafirmação da Missão Adventista (Mat. 28:18-20; Atos 1:6-8; Apoc. 14:6-12). Um verdadeiro reavivamento entre nós, deve incluir uma reafirmação de nossa fé na missão que nos foi confiada. Temos que admitir: desde sua inserção na História, a igreja cristã enfrentou problemas de identidade e missão. É impossível ter uma reafirmação espiritual se a liderança da igreja não desafia os crentes a manterem uma íntima relação com o nosso Senhor; se ignora o lugar saliente da adoração centralizada na pessoa e nos ensinos de nosso Redentor; se desconhece o valor primário do estudo da Palavra e do Espírito de Profecia, e fracassa em conduzir seu redil na direção da proclamação da mensagem redentora. Em algumas áreas, a igreja está alerta, e o Espírito de Deus a reveste de poder, e a mensagem se expande. Em outras, contudo, a igreja parece ser “um gigante adormecido”, à espera de que alguém a desperte. Para que esse despertamento ocorra, é preciso que a reafirmação se dê numa dupla dimensão de poder:

1) Primeiro, necessitamos de uma pregação bíblica, cristocêntrica, cheia de entusiasmo e transbordante de convicção. O púlpito adventista não é lugar para exibição de habilidade; é, antes, o altar onde o ministro se consagra pregando a Palavra do Senhor, de maneira simples, mas com poder divino.9 O verdadeiro jejum do pregador, como o disse alguém, “não é de alimento; é de eloqüência humana, de ostentação teatral, de linguagem rebuscada e de tudo aquilo que impeça a manifestação do poder de Deus”. Se a pregação estiver cheia do “fogo divino” e o pregador for o instrumento escolhido pelo Céu, a congregação não terá outra alternativa a não ser andar em direção missionária. Os discípulos obtiveram êxito porque “oraram com intenso fervor para serem habilitados a se aproximar dos homens, e em seu trato diário, falar palavras que levassem os pecadores a Cristo”.10

Somos agora uma grande denominação. Conseguimos construir grandes edifícios para as instituições que, em certo sentido, constituem motivo de orgulho; gostaria, porém, de estar certo de que constituímos um povo capaz de sobreviver à crise que se avizinha. Quando vemos que em algumas áreas o adventismo se torna respeitável e ainda está em evidência, a tentação de acomodar-nos aos valores e metas da cultura na qual estamos imersos se torna quase irresistível. Somos grandes, mas ser grande não significa necessariamente ser melhor ou mais poderoso. A vida simples, humilde, respeitada e consagrada dos crentes pode estabelecer a diferença. A distância que existe entre ser simples e ser singelo deve ser reconhecida. A pessoa profundamente simples é aquela que lida com assuntos essenciais.

2) Segundo, se tivermos que atingir uma reafirmação genuína e vigorosa, tem que ser propiciada a obra do Espírito Santo. Só Ele pode remover-nos o tédio e a apatia. Necessitamos do fogo do Pentecostes em nós, a fim de que a vida cristã manifeste convicção, liberdade, amor fraternal e paixão pela salvação das almas. A igreja é o centro da comunhão fraternal, cuja dinâmica essencial se encontra enraizada na divina operação do Espírito Santo.11

Precisamos admitir que o Pentecostes foi mais do que um acontecimento introduzido na História. 0 poder veio em resposta a uma atitude de reconciliação humana, pois enquanto os discípulos aguardavam o cumprimento da promessa “humilharam o coração em verdadeiro arrependimento e confessaram sua incredulidade”.12 Naturalmente, esse retorno do crente à vida singela, fraternal, sincera, pura e dedicada, tem que ser o resultado de uma genuína experiência de conversão. A “chama humana” pode, quando muito, produzir um reaviva-mento fugaz. O crente pode orar sem estar falando com Deus; pode aprender e ensinar os ele-mentos transformadores, e até trabalhar no ministério, levando saúde e salvação, sem que essa sanidade e salvação o atinjam. O poder do Espírito Santo é concedido à igreja com um propósito específico: “Sereis Minhas testemunhas.”13 É possível ser um crente sem ter poder; mas é impossível ter o batismo do Espírito e não ser testemunha.

Assim sendo, o Espírito Santo pode encher corações que estejam vazios de suficiência própria e orgulho. Os apóstolos consideraram seu vazio como uma necessidade urgente, e essa necessidade resultou em sua grande bênção. Mais do que a lembrança da Palavra ouvida ou dos milagres presenciados, necessitavam do poder para testemunhar. Uma visão sem vitalidade resulta em vergonha, e o desafio para amar pode tornar-se deprimente, quando nossas emoções carecem de profundidade. A vida do cristão é mais do que adquirir uma cultura religiosa; é aventurar-se na direção de um destino de serviço. 0 fogo do Espírito, quando recebido com liberdade, traz-nos convicção, paixão pelas almas e, ao mesmo tempo, galvaniza todos os nossos esforços e nos conduz à vitória.14

  • 3. Reafirmação da vida santificada (I Tess. 4:1-7; Rom. 12:1-21; Efés. 4:1-32). Toda vez que a igreja é abençoada por uma reafirmação verdadeira, são solidificadas as regras que governam a conduta santificada. A história da igreja mostra-nos com suficiente clareza que o reavivamento e a reforma apóiam-se em uma poderosa proclamação profética, e isto é verdade, uma vez que a Palavra e o Espírito de Profecia podem despertar na alma do crente o desejo de servir ao Senhor e abandonar o peca-do. Uma compreensão da santidade de Deus e Seu juízo iminente, encontra-se na base do crescimento espiritual, e o preço que se paga para esse crescimento é a completa renúncia à vida pecaminosa.

Se quisermos ter esta experiência de vitória com o Senhor, precisamos avançar em direção ao Pentecostes, e o primeiro passo positivo deve ser dado na direção de nosso Senhor e do pacto do Calvário. Toda vez que falamos em Pentecostes, temos que precaver-nos contra o perigo de uma “superespiritualidade” na qual as experiências subjetivas e extraordinárias têm mais valor do que a obediência a um “as-sim diz o Senhor”. A idéia de santificação instantânea é igualmente um desvio doutrinário muito em voga.15

É inevitável, se quisermos ser os destinatários do poder espiritual, reafirmar nosso conceito de igreja. Precisamos precaver-nos contra o perigo de uma santidade que toma a forma de “interiorização da piedade” e, por conseguinte, separa o crente de suas responsabilidades e relações com os problemas básicos do pre-sente. O individualismo radical e o exclusivismo, podem conduzir ao sectarismo que exige dos crentes saírem da igreja, à qual estigmatizam de “apóstata” e “babilônia” para formar movimentos de “reforma”. A história é pródiga em exemplos segundo os quais, os denominados “reformistas” terminam cometendo os mesmos “pecados” que condenam.16

O púlpito adventista é o altar onde o ministro se consagra pregando a Palavra do Senhor de maneira simples mas com poder divino.

O reavivamento que defendemos, distingue-se por reconhecer o lugar preponderante que ocupa a santificação da conduta do crente. Temos que convir em que a justificação precisa estar à base de toda reconciliação com o Senhor e com nossos semelhantes. O perdão de nossos pecados ocupa necessariamente o primeiro lugar, mas é igualmente importante vivermos uma vida sem pecado. A retidão, a honestidade, a veracidade na vida nova e vitoriosa do crente, devem ser consideradas como frutos indispensáveis de uma fé robusta e amadurecida. Nesse sentido, todas as normas éticas, contidas nas Escrituras, devem encontrar seu caminho em direção à vida de relação dos crentes, tanto na esfera política e econômica, como na esfera pessoal e particular.17

Neste sentido, os reclamos da cultura têm seu limite. O fato de que “o Verbo Se fez carne” não autoriza o relativismo ético. Estamos “no mundo”, mas não pertencemos ao mundo. Nossa lealdade não é negociável. A igreja tem uma missão a cumprir que transcende todas as culturas. A razão de ser da igreja, seu destino imediato, sua natureza primigênia, sua meta mais próxima e seu horizonte, sua própria existência consubstanciam-se com sua missão. A igreja é a voz de Deus e não o eco da cultura. Esta-mos mergulhados em uma determinada cultura; pertencemos, porém, a outra superior. Je-sus estabeleceu limites aos ditames culturais de Seu tempo: não aceitou o divórcio, o preconceito racial e religioso; antes, os desafiou. O adventismo, como nova forma de vida, tem seus absolutos, independentemente de qualquer exigência cultural. O relativismo ético e o liberalismo teológico solaparam a vitalidade das igrejas tradicionais.18 Nós, os adventistas, devemos estabelecer com clareza as fronteiras éticas dentro das quais queremos expressar-nos como “remanescentes de Deus”, e esses limites devem ser respeitados por todos. Nossa capacidade de adaptação às situações que não conflitam com nossa posição teológica tem um limite.

Quando a igreja cristã esteve “peregrina”, teve como recompensa a profundidade espiritual; quando, porém, se tomou “sedentária”, enraizada na cultura do seu tempo,19 perdeu a vitalidade e se tornou incapaz de enaltecer a Divina Palavra; sua fraqueza a levou a ser um eco do seu tempo, e não a voz de Deus.

Alguém disse com acerto que nós, os crentes, não somos os embalsamadores do passado; somos, ao invés disso, os agentes de nosso Senhor, que geram, pela graça divina, a partir do pre-sente, a realidade do mundo do futuro, e o fazemos no poder do Espírito Santo.

  • 1. Cuadernos Teológicos, 1954, pág. 27.
  • 2. E. G. White, Review & Herald, 22 de março de 1887.
  • 3. E. G. White, Review & Herald, 25 de fevereiro de 1902.
  • 4. Judas 3.
  • 5. Ronald H. Nash, Evangelical Renewal, Crossway Books, 1987, págs. IX-XII.
  • 6. Idem, págs. 15, 30, 36, 87, 88, 113.
  • 7. E. G. White, Mensagens Escolhidas, Livro 1, pág. 161.
  • 8. Bailey E. Smith, Real Evangelism, págs. 48, 70 e 77.
  • 9. E. G. White, Obreiros Evangélicos, págs. 160-163.
  • 10. E. G. White, Atos dos Apóstolos, pág. 37.
  • 11. Leroy E. Froom, A Vinda do Consolador, págs. 91-100.
  • 12. Atos dos Apóstolos, pág. 36.
  • 13. Atos 1:8.
  • 14. Salim Japas, Llama Divina, págs. 9-13.
  • 15. Real Evangelism, págs. 133-148.
  • 16. E. G. White, Mensagens Escolhidas, Livro 2, págs. 446-451.
  • 17. E. Kevan, La Ley y el Evangelio, págs. 25-39.
  • 18. Evangelical Renewal, pág. 114.
  • 19. Donald G. Bloesch, El Renacimiento Evangélico, págs. 69-93.