Os problemas existentes na igreja de Tiatira são bem parecidos com os da igreja de Pérgamo. Deviam, por isso, ser corrigidos com a espada aguda de dois fios, como foram os dessa igreja. Todavia, isso não acontece. À quarta igreja, recomendou Jesus que o apóstolo João escrevesse: Ao anjo da igreja em Tiatira escreve: Estas coisas diz o Filho de Deus, que tem os olhos como chama de fogo, e os pés semelhantes ao bronze polido” (Apoc. 2:18). São duas características mencionadas no primeiro capítulo (Apoc. 1: 14 e 15) do Apocalipse, referentes a Jesus, as quais parecem não ter muito sentido como conteúdo de uma carta, mas que se enquadram perfeitamente no contexto histórico que o Senhor desejava ressaltar.

A carta à igreja de Pérgamo reprovava os membros daquela comunidade religiosa, ou pelo menos alguns deles, por estarem seguindo a doutrina de Balaão, “o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição” (Apoc. 2:14). A mensagem dirigida à igreja de Tiatira, responsabilizava os membros dessa igreja por esses mesmos erros (v. 20), isto é, uso de alimentos dedicados aos ídolos e prostituição. Só que, no caso de Tiatira, o texto bíblico refere-se a Jezabel, e não mais a Balaão.

Não quer dizer que os procedimentos seguidos, tanto na igreja de Pérgamo como na de Tiatira, fossem os mesmos utilizados tanto por Balaão como por Jezabel; não havia a edificação de altares dedicados a divindades pagãs em nenhuma das duas igrejas, possivelmente. Havia, porém, doutrinas que levavam aos mesmos resultados. Tanto os esforços empreendidos por Balaão, como os que foram envidados por Jezabel, tiveram por finalidade levar as pessoas que serviam a Deus a se distanciarem dEle.

O leitor poderá continuar desejando saber onde está a relação entre os olhos e os pés de Jesus, e o trabalho desempenhado por Jezabel, no meio dos membros da igreja de Tiatira. Realmente, não há referência alguma, feita a olhos, pelo menos de maneira clara, na carta escrita a essa igreja. Entretanto, se volvermos à história dos tempos em que viveu Jezabel, talvez possamos encontrar a resposta para a nossa interrogação. É bom lembrar que, no caso de Balaão, existiu relação entre a espada de dois fios e a espada pelo anjo que impediu a jumenta de prosseguir. No caso de Jezabel, também há um antecedente relacionado com olhos.

Lembramo-nos de que, quando assumiu o trono de Israel, Jeú recebeu a incumbência de eliminar fisicamente os familiares de Acabe, entre os quais Jezabel. Essa missão, cumpriu-a Jeú em Jezreel. Mas, antes que alguns eunucos atirassem a rainha por uma janela, sabedora de que Jeú havia chegado, Jezabel se “pintou em volta dos olhos, e enfeitou a sua cabeça” (II Reis 9:30). O disfarce, porém, não deu resultado positivo; e, minutos depois, Jezabel estava morta.

Os destinatários da carta a Tiatira por certo estavam familiarizados com esse episódio; do contrário, não adiantaria ter Cristo a ele Se referido. E, se conheciam a história de alguém que havia causado tantos aborrecimentos aos filhos de Israel, por certo estavam lembrados de que a rainha dos sidônios poucos minutos antes de perder a vida de maneira tão trágica, pintara-se em volta dos olhos, para não ser identificada. Os olhos de Jesus, contudo, não tinham disfarce. Eram como chama de fogo; podiam ver tudo o que se passava na igreja de Tiatira.

Filha de rei

Outros aspectos há, relacionados com Jezabel, que os membros da igreja de Tiatira não deviam esquecer. Um deles é a filiação da “mulher que se diz profetisa”. Depois de ter sido lançada pela janela, pensou-se em um enterro digno para ela, pelo fato de ser filha de rei. Parece que o fato de haver-Se Cristo apresentado como Filho de Deus, à igreja de Tiatira, e não apenas como Filho do homem, embora não houvesse diferença para o apóstolo João, entre os dois títulos, devia ensinar a lição de que Jesus era superior a Jezabel. Esta era filha de rei; Jesus, porém, era Filho de Deus. Quem estava pretendendo adotar os costumes de Jezabel devia pensar em como isso ficou evidenciado no monte Carmelo, pelo profeta Elias.

Ao chegarem para recolher o cadáver de Jezabel, as pessoas incumbidas de fazer esse trabalho encontraram poucas partes do corpo da rainha; restavam apenas “a caveira, os pés, e as palmas das mãos” (II Reis 9:35). O restante os cães haviam devorado, de acordo com o que estava profetizado. Os cães não se interessaram pelos pés da petulante rainha, já destronada àquela altura. Os pés de Jesus, por outro lado, são comparados ao bronze polido, ao apresentar-Se Ele à igreja de Tiatira. Podem até haver sido atravessados por cravos, mas vão ser usados para pisar os inimigos da verdade. Os membros da igreja de Tiatira precisavam ter em mente esse fato.

Estrela da manhã

Conforme já sabemos, as duas coisas que determinam a necessidade de cada igreja estão contidas nos títulos com os quais Jesus Se identifica, bem como na promessa que Ele faz ao vencedor da igreja. Geralmente, os títulos indicam o oposto daquilo que está acontecendo na igreja; Jesus deseja que ela olhe para Ele e procure imitá-Lo, ou pelo menos saiba que Ele continua com as mesmas características que motivaram os seus membros a serem fiéis, pelo menos até um determinado tempo. A promessa ao vencedor é o brinde oferecido à igreja por haver atendido aos apelos feitos por Cristo; é a reposição daquilo que a igreja perdeu.

Os seguidores da “doutrina” de Jezabel tiveram a oportunidade de comparar a filiação, da mesma forma que os olhos e os pés de Jesus com os de Jezabel, e observarem que essas características, isto é, as de Jesus, permaneciam, enquanto as de Jezabel tiveram fim trágico. O apóstolo João havia visto essa diferença (Apoc. 1:13, 14 e 15). Eles deviam confiar no que o vidente de Patmos presenciara, e rejeitar os corruptores ensinos da falsa profetisa e princesa dos sidônios. Muitos apelos foram, para este fim, dirigidos à igreja de Tiatira. “Dei-lhe tempo para que se arrependesse” (Apoc. 2:21) é uma declaração que indica o esforço celestial para trazer de volta a igreja aos caminhos do Senhor, esforço que nem sempre foi correspondido.

Havia, contudo, um remanescente em Tiatira, conforme escreveu João (Apoc. 2:24). Restava não só um grupo de cristãos, mas aspectos doutrinários que deveriam ser preservados: “Tão-somente conservai o que tendes, até que Eu venha.” (v. 25). E tem sido assim em todas as épocas. Elias chegou a pensar que Jezabel havia eliminado o povo do Senhor, e que ele fosse o único sobrevivente; até que sua situação não era muito segura – estava sendo grandemente perseguido. Deus, porém, fez ver ao profeta que havia um número bastante grande, que não tinha reverenciado a Baal: “Também conservei em Israel sete mil, todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou” (I Reis 19:18), afirmou o Senhor ao profeta.

As sombrias circunstâncias em que viviam os cristãos de Tiatira requeriam mensagens que sugerissem claridade, mensagens que apontassem um rumo certo. E ninguém melhor do que Jesus, simbolizado por uma estrela. “Dar-lhe-ei ainda a estrela da manhã”, prometeu o próprio Cristo ao vencedor da igreja de Tiatira (v. 28).

Há quem afirme que Wiclef foi “algumas vezes chamado a ‘Estrela da Manhã da Reforma’” (Revelações do Apocalipse, pág. 44). Da Reforma pode ter sido; mas não parece ter sido intenção do Senhor Jesus aplicar o título a não ser a Si próprio. Em Apocalipse 22:16, nosso Salvador diz claramente ser “a resplandecente estrela da manhã”, sendo também Ele a “estrela da alva” a que se refere o apóstolo Pedro (II Ped. 1:19).

Conhecedor da situação espiritual da quarta igreja, Jesus sabia a que alturas poderia ela chegar, se alcançasse a vitória sobre as más influências que estava tolerando. “Poder sobre as nações”, a capacidade de regê-las como Ele haverá de fazer, reduzir a “vasos de oleiro tais nações – tudo isso constituirá parte de sua experiência futura, quando Cristo voltar. Nada, porém, haverá de comparar-se ao fato de ter Cristo, a “Estrela da Manhã”. Aqueles que vencerem haverão de, finalmente, descobrir que acima de todos os privilégios que possam ter, está o de possuir a Jesus. Pelos séculos dos séculos, Aquele que Se entregou por nós continuará sendo o maior oferecimento, seja na forma de um cordeiro, de um bebê ou de uma estrela.

Dom inefável

Os capítulos três e quatro do Evangelho de João falam de Cristo como um dom de Deus. O verso 16 do capítulo três diz que “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna”. Ao receberem a promessa de que ao vencedor seria dada a “Estrela da Manhã”, os membros da igreja de Tiatira estavam por certo, sendo alcançados pelo amor que levou Deus a dar o Seu Filho unigênito, um amor que Ele deseja ver abrangendo a todo homem ou mulher.

À samaritana, com quem conversou junto ao poço de Jacó, Jesus disse que, se conhecesse “o dom de Deus”, haveria de beber de uma água que a satisfaria espiritualmente João 4:10). E essa água que Ele ofereceu à mulher naquela ocasião, continua ainda à disposição de todo aquele que aceita a Cristo como seu Salvador.

É interessante observar que Lúcifer também é chamado, nas Escrituras, de “estrela da manhã” (Isa. 14:12). “Como caíste do Céu, ó estrela da manhã, filho da alva!”, exclama o profeta. Mas cumpre notar, também, que essa estrela da manhã era uma estrela cadente. O profeta Isaías está atônito com o fato de que Lúcifer tenha caído, diante de tantas honras que possuía. O tentador de agora é o resultado de uma queda do portador de luz de eras passadas. Jesus, porém, é a Estrela da Manhã que nunca irá cair. Muito mais firme do que o próprio planeta Vênus, de onde veio a expressão estrela da manhã, Ele continua com “olhos como chama de fogo”, vigiando-nos e querendo que sejamos vencedores, para que O recebamos em todo o Seu brilho, quando retornar.

As boas-novas do evangelho são as novas de um Jesus que Se deu em sacrifício pelos nossos pecados. No começo de sua epístola aos gálatas, o apóstolo Paulo deixa isso bem claro. Depois de falar sobre “graça a vós outros e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do nosso Senhor Jesus Cristo” aos cristãos daquela comunidade cristã, diz ele a respeito de Cristo: “O qual Se entregou a Si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (Gál. 1:3 e 4). Mais adiante, o autor da carta fala de si mesmo como se fosse a única pessoa pela qual Cristo Se entregou, ao dizer: “E esse viver que, agora, tenho na carne, vivo-o pela fé no Filho de Deus, que me amou, e a Si mesmo Se entregou por mim” (Gál. 2:20).

Ao prometer dar-Se à igreja de Tiatira, com o título de Estrela da Manhã, Cristo está prometendo fazer algo que Lhe foi peculiar, quando veio a este mundo. Durante toda a Sua existência, Seus atos eram uma expressão do Seu amor generoso. E a promessa que fez aos vencedores de Tiatira sugere que a cruz não pós fim ao Seu hábito de dar. Hoje, da mesma forma que antes de Se entregar pelos nossos pecados, exercita-Se em oferecimentos aos Seus fiéis.

Quando meditamos sobre a generosidade de Cristo, não podemos deixar de pensar como o fez o apóstolo Paulo, ao escrever aos Coríntios. Relatando-lhes a liberalidade dos macedônios, o apóstolo termina um dos capítulos de seus escritos com um dos maiores agradecimentos imagináveis, ao dizer: “Graças a Deus pelo Seu dom inefável” (II Cor. 9:15). Paulo sempre expôs com muita sabedoria os mais difíceis temas das Escrituras. Para o Dom inefável de Deus, porém, não teve palavras que explicasse. Tudo o que ele procurasse dizer, não seria capaz de traduzir a excelência de Cristo, a brilhante “Estrela da Manhã”, concedida aos que O aceitam e participam da Sua vitória sobre o pecado e seu autor.

ALMIR FONSECA, Ex-editor de Ministério, jubilado, reside em Tatuí, SP