O livro de Apocalipse é difícil de ser compreendido. Ele nos coloca diante de dragões, bestas, pragas, trombetas, uma mulher vestida do sol com a lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas, o número 666, a marca da besta, anjos voando com livros, pragas derramadas de taças por anjos, outra mulher montada numa besta, vestida de púrpura e escarlate e embriagando-se com o sangue dos santos; um rei vindo adorna-do com vestes banhadas em sangue, entre outras coisas.

Essas imagens nos fazem lembrar não apenas que o Apocalipse é um livro difícil, mas que também é diferente. Como resultado, o livro é de certa forma preterido ou apresentado de tal maneira que deixa os ouvintes confusos.1

Para muitos, a palavra Apocalipse, cujo significado é “revelação”, tem-se tornado o Apócrifo, que significa “desconhecido”.2

Se o livro é tão difícil para cristãos, quão mais difícil é para pessoas de mentalidade secular que têm tido muito pouco contato com nossa compreensão de cristianismo! Como podem tais pessoas, que vivem num mundo científico e, freqüentemente, anti-religioso, serem receptivas a qualquer benefício advindo do emaranhado de imagens que aparece neste livro?

Este artigo pretende mostrar que o livro do Apocalipse tem alguma coisa a dizer à mente secular, que sente terem a ciência e o humanismo falhado em responder suas questões sobre identidade, significado e propósito da vida. Nossa era de ciência tem-se caracterizado por uma proliferação de astrólogos, videntes, médiuns e outros “profetas dos últimos dias”, que pretendem saber o futuro, mas com pífios resultados satisfatórios. Isso nos leva a entender o livro do Apocalipse como sendo de vital interesse para a mentalidade secular, como o próprio livro se identifica (Apoc. 1:1, 10 e 19), tratando exclusivamente do que acontecerá nos últimos dias.

Entretanto, a tarefa de partilhar a mensagem do Apocalipse não é fácil. Torná-la significativa para a mente secular requer uma preparação dupla. Primeiramente, uma familiaridade com a mensagem fundamental do livro. Depois, uma compreensão da cultura com a qual desejamos nos comunicar. Então, sugerimos alguns caminhos específicos pelos quais a mensagem do Apocalipse pode ser usada para satisfazer as necessidades da mente secular e encaminhá-la a Cristo.

O fundamento

O tema preponderante do Apocalipse é a centralidade de Cristo e Seu amor que redime, julga, e estabelece o reino de Deus. O tema é colocado dentro da perspectiva do propósito moral da profecia.

centralidade de Cristo. A pessoa de Cristo é de suprema importância para o Apocalipse. Mesmo os capítulos nos quais figuras e símbolos parecem predominar, nos quais os juízos cataclísmicos de Deus prendem a atenção, Cristo permanece co-mo o foco central (Apoc. 4:5; 14:6-20; 19:11-21). Ele é o árbitro do destino da Igreja e do cosmo.3

A própria estrutura do livro enfatiza a importância de Cristo. Depois da seção introdutória (Apoc. 1:1-8), a primeira visão não é uma consideração sobre as terrificantes e destrutivas forças do mal, mas sobre Cristo andando por entre os castiçais, velando por Sua Igreja (Apoc. 1:9-20). Cada coisa que se segue, a partir daí, está relacionada de uma maneira ou de outra com a primeira visão de Cristo.

A referência ao santuário não pode ser deixada de lado. A presença de Deus ali assegura salvação ao Seu povo. Esse Cristo caminhando no meio dos castiçais indica Sua constante vigilância pela segurança e pureza de Seus filhos. Nada acontece em relação a eles que Cristo não saiba ou não tenha sob controle. Há uma segurança de que o mundo não está fora de controle, movendo-se desgovernado em direção ao caos. Não precisamos temer o futuro, porque Cristo nos tem em Suas mãos (vs. 16 e 20) e Deus está conduzindo o futuro.

Três grandes temas. A partir da centralidade de Cristo emergem três grandes assuntos no Apocalipse. O primeiro é a redenção.4 Esse assunto nos faz lembrar o real cuidado de Deus por nós. Ele enviou Seu Filho para morrer em nosso lugar, a fim de que pudéssemos ter vida. Na cruz, encontramos nosso valor. E esse é um assunto de vida ou morte (vs. 5 e 6).

O segundo tema, igualmente importante, é o do julgamento. Independente de como aparecerão no momento do juízo, homens e mulheres terão de ser responsáveis por seus atos. Mas esse não é um tempo para alimentar temor, porque é aí quando Cristo, em virtude de Seu amor por nós, dá a Seus santos a herança, cobrindo-lhes com Sua vida, enquanto ao mesmo tempo destrói aqueles que tentam destruir o povo de Deus (Apoc. 11:18). O Senhor provê a habilidade e o poder a fim de que todos experimentem mudança de caráter, considerando que, em Seu reino, não pode haver indivíduos imorais (Apoc. 21:6-8). Noutras palavras, toda injustiça que teve lugar aqui no mundo, será vindicada por Deus (Apoc. 18:6-8; 19:1-3).

Intimamente relacionado com esses dois temas está o estabelecimento do reino de Deus. Isso significa uma nova Terra, na qual o relacionamento com o Senhor, com o semelhante, com nós mesmos e com o mundo estará novamente equilibrado (Apoc. 21 e 22). Esse reino nos fala que a vida humana tem um alvo e um propósito.

O fato de que Cristo é o centro do Apocalipse possibilita-nos uma luz muito clara sobre o propósito da profecia. Embora seja importante compreender os símbolos e seu significado em relação ao futuro, o Apocalipse não nos fala apenas sobre os eventos dos últimos dias. Ele nos dá uma oportunidade para crescimento espiritual.

O apóstolo Pedro (II Ped. 1:19-21) nos assegura que a profecia foi dada a fim de preparar-nos para o advento de um novo dia, quando raiará a “Estrela da Manhã”. Essa estrela não é outro senão o próprio Cristo (Apoc. 22:16). Assim, o foco principal da profecia não é apenas predizer o futuro (embora isso seja parte do processo), mas restaurar o caráter de Cristo em nós, de modo que sejamos tal qual Ele é, quando Se manifestar em glória.

Esse é o propósito moral da profecia.Em outras palavras, ao estudar e compreender a profecia, devemos ser levados a viver uma vida ética, durante a qual a per-manente mudança de caráter não apenas é possível, mas exeqüível através das mudanças que o poder de Deus pode operar. Os santos, como apresentados na profecia apocalíptica, são pessoas morais e éticas, que são transformadas por Cristo para serem semelhantes a Ele e que herdaram o reino que lhes foi preparado, em virtude de que têm o nome (caráter) de Deus escrito em sua fronte (vs. 1-5).

Com esta compreensão da mensagem básica do Apocalipse, vamos voltar à segunda parte de nossa tarefa: compreender a cultura secular que estamos tentando alcançar.

Compreendendo a mente secular

A mente secular prende-se a muitas questões relacionadas à existência, significado, propósito e espiritualidade da vida humana. Quem sou eu? Faz alguma diferença saber quem eu sou? Há qualquer coisa em que eu posso acreditar? Se eu morresse hoje, alguém se importaria, ou mesmo cuidaria disso? São os meus dias dedicados apenas a trabalhar e ganhar dinheiro para gastar em coisas que não podem me ajudar a identificar minha própria verdade? Qual o significado e propósito da vi-da? Qual é o seu alvo?

Tais questões envolvem identidade, existência e sobrevivência. A mente secular está desiludida porque não pode encontrar respostas adequadas nas conquistas científicas ou nos lauréis humanistas. O cristão tem a oportunidade de respondê-las e efetivamente falar a tais mentalidades. As respostas, no entanto, não podem vir no contexto de uma fórmula científica estéril ou uma ênfase intelectual sobre o significado de uma linguagem simbólica. Essas coisas são rejeitadas pela mente contemporânea, como sendo respostas irrelevantes para questões que não estão sendo levantadas.

Por isso, tais preocupações devem ser respondidas dentro do contexto de espiritualidade e ênfase ética sobre desenvolvimento do caráter e o correspondente poder para efetuá-lo. Ao partilharmos o livro do Apocalipse, devemos ter conhecimento das profundas necessidades da mente secular, a fim de que elas sejam plenamente satisfeitas. Tudo aquilo que for apresentado deve transformar vidas, permanentemente, e dar uma identidade pessoal. A mentalidade secular necessita ver a relevância da profecia para a vida individual, e como viver isso agora, transformada pelo poder de Cristo.

Apocalipse e secularismo

O livro do Apocalipse é mais que adequado para tratar com as questões fundamentais levantadas pela mente contemporânea. Essas questões podem ser reunidas em três categorias básicas: conhecimento da verdade absoluta, significado da vida, identidade e propósito.

É impossível conhecer a verdade absoluta, segundo a mentalidade secular. Conseqüentemente, a pergunta: “Há qualquer coisa em que eu possa acreditar?” não pode ser respondida. Entretanto, o Apocalipse aponta Deus como Alguém em quem podemos colocar nossa absoluta confiança. Ele é o Alfa e o Ômega (Apoc. 1:8: 21:6), o Princípio e o Fim. Ele tem as chaves da História, conhecendo o passado, o presente e o futuro. Um estudo da História confirmará as grandes profecias contidas no livro, mostrando que existe verdade absoluta em Deus. O que Ele diz cumpre-se perfeitamente.

O Apocalipse está interessado na vida; não apenas a vida social e econômica, mas, sobretudo a vida espiritual, uma das principais questões da mentalidade contemporânea.6 O Apocalipse apresenta dois atos de Deus, que dão significado à existência humana: criação e redenção, com uma esmagadora ênfase sobre a verdade absoluta deste último fato.7 Se Deus não existe como verdade absoluta, então devemos concluir que tudo está perdido porque o mundo estará entregue às forças destrutivas do mal. Mas Deus não nos abandonou. Todavia, para que o mal seja erradicado, Ele deve prover uma forma que impeça o homem de continuar produzindo os meios de sua própria destruição. Deve encontrar um meio de libertá-los da tirania das forças demoníacas (Apoc. 15; 16; 19-22).8 E essa é precisamente a verdade que o Apocalipse tenta mostrar. Deus extinguirá o mal. Podemos confiar plena-mente nisso, porque Ele já enviou Seu Filho para tratar com o pecado, e morrer, a fim de que pudéssemos ter vida.

A ênfase sobre a criação do mundo por um Deus pessoal e onipotente, que também superintende o cosmo, explica a ordem e desígnio existentes no Universo. E também nos dá uma idéia da resposta à pergunta: “Quem eu sou?”9 Esse Deus Criador, nos lembra que significamos alguma coisa para alguém. A criação nos dá uma identidade pessoal, em oposição à vi-são moderna que concebe o ser humano como um organismo biológico lutando pe-la sobrevivência. O livro do Apocalipse nos diz que somos a coroa da criação de Deus e, como tal, possuímos valor intrínseco.

O mundo secular também nos vê co-mo joguete das circunstâncias, não tendo, dessa forma, nenhuma responsabilidade por nossos atos de violência contra o próximo. Esmagamos qualquer um que se interponha em nosso caminho, para deixar nossa marca no mundo. Isso nos leva a ver os semelhantes como coisas que precisam ser conquistadas, ao contrário de seres humanos que possuem valor. Uma pessoa é boa apenas enquanto podemos usá-la. Mas o Apocalipse nos lembra que somos seres éticos, iniciadores de nossas próprias ações, com plena responsabilidade pelos resultados dessas ações. Criados à imagem de Deus, devemos tratar nossos semelhantes como Ele nos trata. Não estamos aqui para usar e abusar dos outros, em função dos nossos interesses egoístas. Estamos aqui para nos relacionarmos com as pessoas, como realmente são – criadas por Deus e valiosas à Sua vista.

O Apocalipse também nos ensina que, para sermos independentes, devemos antes ser dependentes. Autonomia não é a nobre característica que os modernos pensadores querem fazer ser. Vivemos em conexão com nossos semelhantes e com Deus, que supre as nossas necessidades. Somos valiosos porque pertencemos a Ele. Seu caráter é nossa norma. Assim, a visão apocalíptica outorga grande significado à existência humana, excelência à vida humana, responsabilidade às suas escolhas, e grande importância ao caráter humano.10

Identidade pessoal e propósito da vida estão inter-relacionados. O primeiro aspecto é confirmado pelo fato de que o Cordeiro que traz o livro em Sua mão é o mesmo que foi morto por nós, desde a fundação do mundo (Apoc. 5:6-14). A cruz acentua nosso valor. Faz alguma diferença se nós morremos? Para o livro do Apocalipse, a resposta é um contundente “sim”. Alguém se importa com isso? Novamente, sim. Cristo Se importa bastante, não apenas ao morrer por nós, mas também ao continuar ministrando em nosso favor. Ele Se importa muito. Tanto que nos adverte sobre a vinda do Seu juízo, a fim de que estejamos preparados (Apoc. 18:1-14).

Ele imprime um propósito em nossa vi-da, ao nos fazer sacerdotes em Seu reino, com o expresso objetivo de partilhar Seu amor “a cada nação, e tribo, e língua e povo”. Iremos onde Ele vai, para onde Ele nos mandar e onde Ele vive. Estamos aqui com um propósito e devemos cumpri-lo fielmente. O alvo supremo da vida é ver a Deus face a face (Apoc. 22:4). Seremos semelhantes a Ele, não por causa do que somos, mas em virtude do que Ele é. Isso nos dá real esperança. Esperança por algo melhor, esperança de permanente transformação, esperança pelo futuro.

Além dos símbolos

Dragões, bestas, pragas, número 666 e trombetas podem ser, e são, assuntos relevantes para a mente secular. Tudo isso pode ser apresentado com fervor e poder evangelísticos. Mas deve ser feito com tal sensibilidade pelas necessidades humanas. que leve em consideração tanto a mensagem do Apocalipse como o ambiente cultural do mundo secular.

A ênfase deve ser sobre Cristo, o personagem central do livro. Necessitamos ampliar o propósito moral da profecia. Nossa pregação não deve se limitar à explicação dos símbolos, embora isso certamente se-ja parte da mensagem. A pregação deve focalizar a transformação no comportamento ético que Cristo pode e deseja realizar em cada crente. O estudo da profecia deve conduzir à transformação do caráter, e não somente ao estímulo intelectual. Para alcançar a mentalidade secular com a mensagem profética, devemos ampliar não somente sua mecânica, mas enfatizar a mu-dança de vida que ela opera.

Referências

  • 1 William Barclay, The Revelation of John; Philadelphia, Westminster Press, 1960, vol. 1, pág. 20.
  • 2 Henry Morris, The Revelation Record; Wheaton. III.: Tybdale House Publishers, 1983, pág. 20.
  • 3 Merril C. Tenney, Interpreting Revelation; Grand Rapids, Eerdmans, 1970, págs. 29 e 117.
  • Ibidem, págs. 29 e 30.
  • 5 Louis Were, The Moral Purpose of Prophecy; Berrien Springs, Ml, 1981.
  • 6 Merril Tenney, Op. Cit., pág. 23.
  • 7 Beatrice Neall, The Concept of Character in the Apocalypse With Implications for Character Education; Washington, D.C., Imprensa da Universidade da América, 1983, pág. 203.
  • 8 G. B. Caird, A Commentary on the Revelation of St. John the Divine; Nova York, Harper and Row, 1966, págs. 295 e 296.
  • 9 Beatrice Neall, Op. Cit., págs. 196 e 197.
  • 10 Idem, págs. 184, 205 e 206.