Na opinião do autor deste artigo, há semelhança entre as descrições de Apocalipse 4 e 5 e as cerimônias do dia da Expiação dos israelitas. Ele concorda em que as descrições podem ser aplicadas a mais de uma convocação celestial devido à universalidade do tema central do louvor.
O louvor e a adoração no juízo
O fato de se salientar na visão de Apocalipse a adoração e o louvor a Deus e ao Cordeiro, não diminui a idéia de juízo, pois era este justamente o propósito do juízo. Por exemplo, em Apoc. 4:11, realça-se a dignidade dAquele que está sentado no trono, para “receber a glória, a honra e o poder”, algo que na verdade Deus sempre possuiu. Todavia, a corte é obvia-mente estabelecida aqui para reconhecê-Lo co-mo tal em relação com a impugnação de Seu caráter, trazida pela rebelião e o pecado, num contexto semelhante à descrição dada em Rom. 3:4: “Para seres justificado nas tuas palavras, e venhas a vencer quando fores julgado.” A razão que se dá, para tal tributo de honra, é que Deus é o Criador, e como tal tem direito a julgar Suas criaturas. Isto será mais desenvolvido na mensagem do primeiro anjo, na qual a chegada da hora do juízo convida à adoração (prosekunésate) do Criador, e a dar-Lhe glória (Apoc. 14:7 = dóxan; cf. Apoc. 4:11; 5:12 e 13: “dóxan”; verso 14 = prosekúnesan = “adoração”).
É justamente isto o que faz também o remanescente que teme a Deus, ao terminar o período da grande tribulação e iniciar-se o ministério do lugar santíssimo. Servem de eco do louvor celestial, pois dão “glória (dóxan) ao Deus do Céu” (Apoc. 11:13 e 19). A quarta praga mostra que os homens que recusaram o chamado para dar glória a Deus na época do juízo, curvando-se diante da falsificação idolátrica do papado mediante a adoração da besta e de sua imagem (Apoc. 13:3,4,12-14; 14:9-11), não se arrependeram nem mesmo com o castigo (para dar-Lhe glória” (Apoc. 16:9). Por outro lado, as hostes celestiais exclamam: “… demos-Lhe a glória, porque são chegadas as bodas do Cordeiro, cuja esposa a si mesma já se ataviou” (Apoc. 19:7).
“Vê-se aqui que não se considerava o trono típico do rei como único em relação com sua função de juiz, mas eram também incluídos os tronos de seus conselheiros.”
Em João 5:22 e 23, salienta-se de novo a relação entre o juízo celestial e a honra tributada a Deus e ao Filho. Mas o que chama a atenção nesta passagem, é que esta honra (timosi) concedida ao Pai e ao Filho, ocorre quando o Pai confere o juízo a Seu Filho. O verdadeiro propósito desse juízo é que “todos honrem o Filho, do modo por que honram o Pai”. Essa honra (timèn) dada ao Filho e ao Pai, João vai ter a oportunidade de descrever mais detidamente em seu último livro, em Apoc. 4 e 5, quando o Pai entrega ao Filho o livro do juízo do reino, a Palavra de Deus (João 5:45; ver especialmente Apoc. 4:11; 5:9,10,12 e 13). Descrevendo Jesus de pé como em Apoc. 5:6. ao concluir o Seu ministério no lugar santíssimo, e tendo sobre a cabeça o arco-íris que está sobre o trono (cf. 4:3), símbolo da misericórdia, Ellen White faz a seguinte declaração: “A graça e a misericórdia descerão então do trono, e a justiça tomará o seu lugar. Aquele por quem Seu povo tem esperado, assumirá o Seu posto — o ofício de Juiz supremo” (RH, 1º de janeiro de 1889).
João chora momentos antes porque não vê ninguém digno de abrir a lei da herança no juízo. Ele sabia que o Filho do homem havia vencido (Apoc. 1:18) e Se havia sentado com o Pai em Seu trono (Apoc. 3:21). Havia mais de 60 anos que isto tinha acontecido, e João havia recebido um dos dons que Jesus concedeu a Sua Igreja naquela ocasião inaugural — a profecia — como prova de Sua aceitação pelo Pai (Atos 2:33; Efés. 4:7 a 13). Mas agora está diante da intimação celestial que deve vindicar os santos heróis das igrejas, e se oculta de sua vista o único ser capaz de abrir o livro da herança. Um dos membros da corte celestial o consola então, comunicando-lhe o que todas as hostes celestiais também sabem: que Jesus, o Messias Filho de Davi, vencera e fora estabelecido de direito na inauguração de Seu ministério celestial, como Senhor e Cristo (Atos 2:30; Apoc. 12:10), virtual ou prolepticamente acima de qualquer outro poder, quer no Céu ou na Terra (Apoc. 1:5-7; Efés. 1:19-23; Heb. 1 e 2). Sua missão passou então a ser, em grande parte, espiritual e sacerdotal, pois foi dado à igreja “para ser o cabeça sobre todas as coisas”, “aguardando, daí em diante, até que os Seus inimigos sejam postos por estrado dos Seus pés” (Heb. 5:5; 10:13).
A atenção de João, porém, é dirigida para mais longe, e ele contempla o momento em que o Filho de Davi (Apoc. 5:5) vai ser investido de fato, consumada ou acabadamente no fim dos séculos, como Davi o foi, para reinar sobre Seu povo e livrá-lo de seus inimigos (Apoc. 20:4 e 6; 22:3 e 6), e receber literalmente por herança as nações, quebrantando-as ou regendo com vara de ferro (Sal. 2:7-9; Apoc. 19:15).
Em Salmo 122:4 e 5, lemos: “Para onde sobem as tribos, as tribos do Senhor… para renderem graças ao nome do Senhor. Lá estão os tronos de justiça, os tronos da casa de Davi.” Vê-se aqui que não se considerava o trono típico do rei como único em relação com sua função de juiz, mas eram também incluídos os tronos de seus conselheiros, o tribunal menciona-do em outras passagens bíblicas como “o conselho dos anciãos” (I Reis 12:6; Ezeq. 7:26; Mat. 27:1; 28:12, etc.), os quais eram estabelecidos em semicírculo. Nesta passagem, o louvor e o juízo estão juntos, porque o propósito do juízo é vindicar o caráter de Deus. O mesmo ocorre em Apoc. 19:1-8. Os quatro querubins, os anciãos, os remidos e todos os seres celestiais louvam e adoram a Deus, porque Seus juízos são manifestos (Apoc. 19:1-10).
Este propósito do juízo é de suma importância, ou a tragédia do pecado não poderá ser erradicada para sempre. Os rabinos e os sectários de Qumran, baseados em várias passagens do Antigo Testamento, deixaram vestígios da crença em que Deus julgará o mundo e Seu povo junto com os anciãos em Jerusalém. Uma dessas passagens, a de Isaías 24:23, é apresentada no contexto dos sinais estelares que marcam o tempo do fim e do juízo: “A Lua se envergonhará, e o Sol se confundirá quando o Senhor dos exércitos reinar no monte Sião e em Jerusalém; perante os Seus anciãos haverá glória” (Apoc. 4:11; 5:12 e 13: “Digno… de receber a glória”).
Problemas de fundo
Uma das verdades mais preciosas do adventismo é a crença em um santuário celestial equivalente ao antigo santuário israelita. Isto, não só em relação com seu ministério, como também com sua estrutura. A perda ou enfraquecimento dessa grande verdade em anos recentes, é responsável pela aceitação errônea, dentro de nossas fileiras, de alguns postulados que aparecem em muitos comentários modernos a respeito do acesso à presença de Deus. A idéia sugerida é que os antigos não tinham livre acesso a Deus, e não podiam entrar no lugar santíssimo, salvo o sumo sacerdote, uma vez ao ano. Por outro lado, os cristãos, segundo essa teoria, agora podem, têm liberdade de entrar, porque Jesus rasgou todo o véu ou porta de separação. Esta interpretação, porém, não é bíblica, e nega a correspondência espacial do santuário celestial com o terreno, cujos dois compartimentos principais, o santo e o santíssimo, estavam separados por um véu ou porta.
Esta negativa moderna da semelhança espacial do santuário terrestre com o celestial, não só carece de provas bíblicas, como nega o testemunho direto que aparece em todas as Escrituras. Como já consideramos em outro lugar, o antigo israelita não precisava comparecer ao lugar santíssimo para estar na presença de Deus, nem tampouco o seu comparecimento espiritual em seu interior eliminava a realidade da existência de véus ou portas que separavam o pátio do lugar santo, e o lugar santo do santíssimo. O mesmo ocorre com o templo celestial na nova dispensação.
A diferença entre o antigo sistema e o novo, não se dá na impossibilidade do acesso a Deus que, segundo esta teoria moderna, agora é concedida sem véus nem portas; mas na conexão direta com o santuário celestial, sem passar pe-las sombras e ritos antigos. “O tempo presente”, segundo Heb. 9:9, é a nova dispensação, e era simbolizado pelo sistema antigo de acesso a Deus, que agora deve cumprir-se no ministério único de Jesus. O Espírito Santo permite ver que o ciclo anual repetitivo de sacrifícios e intercessões (Heb. 9:6-8; 10:1-4), devia ser interrompido para dar lugar ao único sacrifício que Jesus ofereceu, e ao único ciclo ministerial que Jesus realizava no santuário celestial (Heb. 9:12 e 24-26; 10:10-14, etc.). Isto não quer dizer que durante o sistema antigo o povo não pudesse chegar à presença de Deus, nem entrar como os cristãos o fazem hoje pela fé no interior do santuário, nem tampouco receber perdão como homem pelo sangue do sacrifício, mas que es-te acesso e perdão jamais seria definitivo até que viesse o seu cumprimento em um ciclo único e correspondente ao sistema anual do santuário israelita.
Com este contexto em mente, podem-se compreender facilmente as declarações de E. White, que ultimamente têm sido utilizadas para negar o valor de outras declarações suas a respeito da existência de véus ou portas no santuário celestial. Em seu comentário sobre Mat.
27:51, ela diz: “O propiciatório, sobre o qual a glória de Deus repousa no lugar santíssimo, está aberto (nesta dispensação) a todo aquele que aceita a Cristo como a propiciação pelo peca-do, e por Seu intermédio, são trazidos em companheirismo com Deus…” “Um novo e vivo caminho (cujo ponto final chega até o juízo investigativo no lugar santíssimo, e) diante do qual não pende véu, é oferecido a todos.” Em outras palavras, por sua vitória sobre a morte e o pe-cado, Jesus pôs em marcha um ministério de salvação que nenhum véu nem porta pode deter, nem no Céu nem na Terra.
“O antigo israelita não precisava comparecer ao lugar santíssimo para estar na presença de Deus, nem tampouco o seu comparecimento espiritual em seu interior eliminava a realidade da existência de véus ou portas que separavam o pátio do lugar santo e o lugar santo do santíssimo.”
É bom lembrar que a faculdade de entrar espiritualmente pela fé no lugar santíssimo não é privilégio exclusivo da última geração, mas se estende aos crentes de toda a geração cristã. Os crentes de cada século deviam contemplar as cenas finais do juízo como algo real e vivido em sua vida. Foi este especificamente o propósito da visão do trono de Apocalipse. E foi também a experiência vivida por Estêvão em visão quando era apedrejado. Viu o Filho do homem vindicando sua causa no juízo, “em pé, à destra de Deus” (Atos 7:55 e 56). O próprio fato de em Apoc. 15:5 se abrir “no Céu o templo do tabernáculo do testemunho” ao terminar o tempo da graça, quando os anjos vingadores que derramam as taças da ira de Deus dele saem (ver também Apoc. 14:14 e 15), mostra que durante o ministério precedente de Jesus no lugar santíssimo, havia uma porta fechada como no dia da Expiação (Apoc. 3:7 e 8).
“Quando na ascensão Jesus entrou por Seu próprio sangue no santuário celestial…, a porta pela qual os homens haviam encontrado antes acesso junto de Deus (na antiga dispensação), não mais estava aberta. Os judeus se haviam negado a buscá-la pela única maneira em que podia ser encontrado então, pelo sacerdócio do santuário do Céu… A porta estava fechada para eles.” Em seguida, em 1844, fechou-se “a porta da esperança e da graça pela qual os homens haviam encontrado durante mil e oitocentos anos acesso a Deus”, e “outra porta lhes seria aberta, e o perdão dos pecados” foi “oferecido aos homens pela intercessão de Cristo no lugar santíssimo… Havia ainda uma ‘porta aberta’ para entrar no santuário celestial onde Cristo oficiava em favor do pecador”.
Novamente, convém destacar que, embora a visão do juízo fosse motivo de especial atenção no fim do mundo, não se relaciona apenas com a última geração, mas com todas. Na visão do trono de Apocalipse 4 e 5, pode-se ver, da mesma forma que em Heb. 12:22-27, que os cristãos de todos os séculos devem aproximar-se das realidades finais do juízo (cf. Apoc. 4:20) e da cidade celestial prometida (cf. Apoc. 21:22). “vendo” pela fé “as coisas que ainda não se viam” (Atos 11:1,7, 13 e 27, etc.), e antegozando “os poderes do século vindouro” (Heb. 6:5; cf. 11:20, etc.).
É neste sentido que a visão de Apocalipse 4 e 5 pode ser vinculada com toda a dispensação cristã. Nos selos que o Cordeiro abre no juízo, vê-se que todas as gerações são levadas em consideração diante do tribunal. Por isso, João pôde exibir o que ouviu ao iniciar e terminar o seu livro, relativo às “coisas que devem acontecer brevemente” Apoc. 1:1; 22:6). Ele foi transportado aos acontecimentos do fim e do juízo final, e por meio do seu testemunho, os homens de fé de todas as épocas se aproximam também dessas realidades vindouras, entretecendo-as em sua própria vida como algo real e vivido.
As sentenças dos selos no juízo
A negação moderna da correspondência especial entre o santuário terrestre e o celestial, afeta também a compreensão das visões de João, pois impede de ligar a porta aberta de Apoc. 4:1 com o lugar santíssimo, na conclusão do ministério sacerdotal de Cristo. O argumento é que essa porta se abriu com a mor-te de Cristo, e não teria sentido tornar a ser aberta no futuro. Contrariamente, se havia uma porta que devia ser aberta em um dia antitípico do dia da Expiação, ao terminar o Seu ministério no santuário celestial, torna-se praticamente impossível associar a visão de Apocalipse 4 e 5 com o ministério de Cristo ao longo de toda a dispensação cristã, salvo no fato de que no juízo são considerados de forma retrospectiva os traços salientes de sua história.
Com efeito, durante a abertura dos selos não se vê a passagem de Cristo do lugar santo para o lugar santíssimo, nem a abertura de outra porta do templo que ligue os dois compartimentos como na visão do trono. Todos os selos são abertos pelo Cordeiro que está diante do trono, e no meio dos quatro seres viventes ou querubins, em correspondência com o lugar santíssimo, segundo o modelo apresentado pelo templo de Salomão. E embora o conteúdo dos selos revele várias etapas da história da igreja e de seu lugar correspondente no santuário celestial, ao ser revelado o sexto selo e a época do juízo, vê-se não o altar do lugar santo, como no selo anterior, mas de novo a visão do tribunal descrito nos capítulos 4 e 5 (Apoc. 6:16). Dessa maneira, confirma-se o processo repetitivo dos selos que, no caso dos últimos, corresponde à própria fase do tribunal.
É interessante observar o que ocorre quando alguns dos selos se abrem no lugar santíssimo. Diante dos fatos, clamores e interrogações humanos, há fatos e vozes celestiais que provêm do juízo, respondendo àqueles clamores, ou tornando audível o relatório da ocasião que passa em revista diante do tribunal. A corte celestial responde ao clamor de vingança dos mártires de Jesus no quinto selo, com a justificação que recebem no juízo. São-lhes dadas roupas, mas lhes é comunicado que descansem um pouco mais, até que se complete o número dos que vão ser justificados como eles (Apoc. 6:9-11; cf. 7:14). As vestes brancas, segundo disse Jesus à igreja de Sardes, são designadas no juízo (Apoc. 3:5). Ao clamor terrestre dos ímpios no sexto selo, de quem poderá afirmar-se em pé ante a visão do trono e da ira do Cordeiro (Apoc. 6:17), responde-se com a obra de Selamento dos 144.000 e a salvação da grande multidão que ninguém podia contar, e que estará também em pé diante do trono (Apoc. 7:1-9; cf. 14:1 e 3). Por esta razão, um dos anciãos diz a João: “o Cordeiro que está no meio do trono” [enquanto se realiza o juízo], “os apascentará” (Apoc. 7:17).
Descreve-se assim o comportamento dos que deveriam ser redimidos (cf. Apoc. 6:11).
Conclusão
Embora várias das descrições e dos cânticos que se revelam a João em Apocalipse 4 e 5, possam ser aplicados a mais de uma convocação celestial — devido à universalidade do tema central do louvor, que é a redenção obtida pelo Cordeiro, e a sabedoria divina que idealizou o plano de salvação — o contexto desta visão mostra que o momento mais específico ao qual faz referência, é ao do juízo investigativo. Este juízo era representado pelas cerimônias do dia da Expiação.
Com efeito, a passagem do lugar santo para o lugar santíssimo no templo celestial, aparece sincronizadamente várias vezes no Apocalipse. A primeira se dá entre a visão de Jesus no meio dos sete candelabros (Apocalipse 1-3) e Seu comparecimento posterior diante do Pai, numa cena de juízo destinada a tributar honra, glória, poder e louvor para sempre a Deus e a Seu Filho por Sua obra de criação e redenção (Apocalipse 4 e 5). O mesmo movimento se dá no testemunho das testemunhas que estão identificadas com o lugar santo durante o período de grande tribulação dos 1.260 anos (Apoc. 11:3-11 = candelabros), para em seguida ser vindicados com a abertura do original celestial no lugar santíssimo. Uma mesma cadeia terminológica une ambas as passagens, com a voz de Jesus que convida para subir ao trono de Deus no lugar santíssimo, e a dar-Lhe glória (Apoc. 11:12; 4:1; ver Apoc. 14:7).
Esta passagem do lugar santo para o santíssimo é de novo percebida na descrição do quinto e sexto selos que Jesus abre no lugar santíssimo, e entre o soar da sexta e sétima trombe-tas. No quinto selo, ligam os mártires do período da grande tribulação com o altar do lugar santo, e no sexto se relacionam os sinais do tempo do fim com as imagens do trono, reveladas nos capítulos 4 e 5 (Apoc. 6:16 e 17). O som da sétima trombeta volta novamente à visão inicial do trono com os 24 anciãos no lugar santíssimo, depois de ter sido destacado o altar do lugar santo na revelação da sexta trombeta (Apoc. 11:15-19; 9:13).
Se os 24 anciãos são convocados na inauguração do santuário celestial, torna-se difícil então o fato de que estão sentados sobre tronos e possuem já coroas, antes do aparecimento do Cordeiro. E mais fácil entender isso, contudo, se se trata de Seu aparecimento ao terminar Seu ministério sacerdotal. Eles e os quatro seres viventes aparecem em relação com a conclusão do ministério de Cristo no santuário celestial (Apoc. 11:15-19; 15:5-7). Em nenhum caso se ouve a voz do Pai dizendo, como na inauguração: “Todos os anjos de Deus O adorem” (Heb. 1:6), mas só os seres celestiais vindicando o Pai, o Filho e os remidos (Apoc. 5:11-14).
Por sua vez, chama a atenção o fato de o Cordeiro não figurar sentando-Se no trono de Seu Pai, mas vindo e tomando o livro que O identifica como rei no lugar santíssimo, e permanecendo de pé (Apoc. 5:6). Ele já Se havia sentado com Seu Pai em Seu trono por ocasião da inauguração do santuário celestial, no início da era cristã, após Sua ascensão (Apoc. 3:21; Heb. 1). Com efeito, a cena não revela em Apocalipse o ato inaugural de Cristo como sumo sacerdote celestial, pois o Cordeiro aparece abrindo o livro da herança, como se fazia em contextos de juízo, não o selando como se fazia quando se pagava um preço (Jer. 32:9 e 10). Este livro é o livro da lei ou do pacto, isto é, a Bíblia em si, a qual contém o essencial da revelação divina com relação às providências de Deus a respeito de Seu povo e do mundo (Isa. 34:16 e 17; Sal. 139:16; Dan. 10:21; Sal. 40:6-8; Heb. 10:6-9).
Não é demais destacar de novo que o que Deus revela a João sobre o santuário celestial, não é uma combinação descuidada e desordenada de móveis, compartimentos e eventos. Tudo tinha um propósito definido, só decifrável mediante uma correta compreensão das imagens similares das instituições terrestres. João viu o próprio templo de Deus, o “modelo” que inspirou Moisés e Davi a construírem o templo terrestre.
Esta mensagem, que não é exclusiva da época final, pois faz parte do “evangelho eterno” (Apoc. 14:6 e 7), pode ser recuperada apenas quando o intérprete do século XX se liberta de todo preconceito grego com relação à natureza das realidades celestiais, aí incluídas as do santuário celestial e seu funcionamento em dois compartimentos básicos: o santo e o santíssimo (ver I Cor. 1:18-25).
Nota: Deixamos de acrescentar a bibliografia, pelos mesmos motivos já apresentados nos dois últimos números desta revista.