Depois de concluir o curso teológico no IAE, em 1962, o Pastor Jorge Lucien Burlandy iniciou suas atividades pastorais na Missão Baixo-Amazonas, onde permaneceu por seis anos. Em seguida, outros seis anos na antiga Associação Rio-Minas e cinco anos na Associação Brasil Central. Posteriormente trabalhou na Associação Paulista Sul, como ministerial, secretário, e presidente; e foi também secretário ministerial da União Central-Brasileira.

O Pastor Burlandy participou da primeira turma do curso de Mestrado em Teologia, e atualmente cursa o Doutorado em Teologia Pastoral, realizado durante as férias de verão, no Instituto Adventista de Ensino, Campus Central. Sua esposa é a Professora Ednice Burlandy, que tem atuado como diretora de escolas, coordenadora pedagógica e, atualmente, leciona Didática e coordena o programa de estágios da Faculdade de Pedagogia do IAE. O casal tem quatro filhos.

Foi em seu escritório, na sede do Seminário Adventista Latinoamericano de Teologia, Salt, Sede Sul, do qual é o diretor, que o Pastor Burlandy recebeu o editor da revista MINISTÉRIO para a seguinte entrevista:

MINISTÉRIO: Como é administrar o Salt?

PASTOR BURLANDY: Eu diria que, após muitos anos trabalhando como pastor distrital, departamental e presidente de Campo, administrar o Salt é uma experiência nova, estimulante, e que ajuda a crescer. Sinto-me bem entre jovens que alimentam o ideal de liderança espiritual em igrejas, e tem sido mui-to gratificante acompanhar o seu desenvolvimento.

MINISTÉRIO: Quantos são os alunos do Salt?

Iniciamos o ano com 340 alunos. Mas, sempre há uma evasão de 10%, do primeiro para o segundo semestre. De modo que atualmente temos 317 alunos, divididos em oito turmas. Há aproximadamente 60 formandos, entre alguns que já concluíram o curso na metade do ano e duas turmas que o farão no fim do ano.

MINISTÉRIO: Como o Salt está preparando o pastor da virada do século, do ano 2000?

PASTOR BURLANDY: Acredito que fatores como o crescimento da Obra no Brasil e no mundo, a situação global do mundo moderno, o desgaste da autoridade em toda parte, e em vários níveis, afetam bastante o ministério. No preparo de pastores para uma época tão especial, o Seminário leva muito em conta a vida espiritual do aluno. Nossa ênfase reside num sólido preparo acadêmico aliado a um elevado nível espiritual. Nesse sentido, as aulas, as palestras, a conduta dos professores, enfim, tudo é feito para que as novas gerações de ministros estejam capacitadas a enfrentar com êxito os desafios do ano 2000.

Nesse processo de capacitação, já no primeiro ano do curso, os alunos fazem estágio na igreja do Colégio, observando o funcionamento dos departamentos e aprendendo junto aos obreiros e oficiais. Os alunos do segundo ano praticam o evangelismo pessoal, indo de casa em casa, na vizinhança da escola. No terceiro ano, eles saem para as conferências. E, no quarto ano, dirigem semanas especiais de oração em igrejas das Uniões Sul e Central. A Associação Paulista Central separou 16 distritos na redondeza, onde os quartanistas participam ativamente. Essa prática é fundamental para a formação de bons obreiros. As esposas e noivas dos futuros pastores não foram esquecidas. Temos aqui um segmento da AFAM, sob a liderança da irmã Irani dos Reis, esposa do Professor Emilson, com a responsabilidade de preparar as esposas de pastores do próximo século.

MINISTÉRIO: Defina o que é um pastor. de sucesso.

PASTOR BURLANDY: Entendo que um pastor de êxito é aquele que, primeiramente, captou bem a importância de um relaciona-mento com Jesus Cristo. Como resultado disso, ele deve ter plena consciência da função da Igreja e do movimento adventista; dando-se ao trabalho de manter um relacionamento muito pessoal com o rebanho, de tal modo que este seja devidamente assistido, recebendo a nutrição espiritual e treina-mento para a missão. Ele deve ter também uma visão evangelística de tal modo sadia e abrangente que o leve a empenhar-se não apenas no crescimento quantitativo, mas qualitativo da comunidade.

MINISTÉRIO: Nesse caso, uma avaliação centralizada apenas em número de batismos não é tudo?

PASTOR BURLANDY: Creio que há, evidentemente, a necessidade de se quantificar alguns resultados. Mas também há o perigo de olharmos unilateralmente para esse aspecto, descuidando a observação de outros fatores relacionados com o crescimento numérico. Por exemplo, antes de avaliar se um pastor é eficiente ou não, por batizar muitos ou poucos, precisamos conhecer bem o grau de receptividade da região onde ele está trabalhando, seu nível de experiência como obreiro; e sua necessidade inicial de acompanhamento por parte de pastores mais experientes, que o motivem e entusiasmem de maneira saudável e positiva.

MINISTÉRIO: Quais as prioridades que o ministro deveria ter em sua vida pessoal e profissional?

PASTOR BURLANDY: A prioridade sem a qual quaisquer outras prioridades nunca serão achadas, é a qualidade da comunhão com Cristo, sua devoção pessoal e familiar. Depois, o pastor precisa atender bem à sua família. Ele precisa estar bem com Deus e com a família para, então, atender ao rebanho de maneira eficiente. Eu ainda acredito naquele tipo de pastor que sai de casa em casa motivando o rebanho, atendendo as suas necessidades. O crescimento material do distrito vem depois e como resultado do atendimento a essas prioridades.

MINISTÉRIO: Baseado em sua experiência como secretário ministerial, que su-gestões daria para o estabelecimento de um programa de trabalho que correspondesse às necessidades da igreja?

PASTOR BURLANDY: Quando eu visitava os pastores no Campo, a primeira preocupação era a família pastoral. Depois, observava os hábitos de leitura e estudo do pastor, seu planejamento de trabalho e as necessidades do distrito. Então trabalhávamos num planejamento simplificado, partindo das prioridades anteriormente mencionadas às atividades evangelísticas e de treinamento, e ao crescimento patrimonial. Cada situação pode requerer métodos e planejamento diferenciados. O importante é que o pastor, dentro de suas realidades, conhecendo seu campo de trabalho, estabeleça um programa de atendimento equilibrado a todas as áreas.

As orientações eram sempre no sentido de que os colegas dividissem e coordenassem o seu dia, de maneira que tivessem tempo para devoção, atendimento à família, visitação pastoral, administração da igreja, pregações e evangelismo público e pessoal.

MINISTÉRIO: No seu modo de ver, estaria o evangelismo público tradicional passando por uma redefinição?

PASTOR BURLANDY: Lamentavelmente há indícios de que o evangelismo público não é mais como no passado. Há ainda campo, e sempre haverá, para o evangelismo público. Mas ele está passando por uma mudança, e necessitamos mesmo nos adequar aos novos tempos. Mas eu diria que com um pouco mais de aplicação, ainda conseguimos excelentes resultados nesse tipo de evangelismo. Uma prova disso é o treinamento que os estudantes recebem nessa área. Eles saem nos meses de setembro a novembro, organizados pelo professor da matéria, Pastor José Miranda, e participam das campanhas nas Uniões Central e Sul. O Salt se preocupa em formar pastores com visão evangelística, sem a qual eles não terão condições de impulsionar suas igrejas. Continuo acreditando nas possibilidades do evangelismo público, apesar de os meios de comunicação nos forçarem a buscar algum aperfeiçoamento em nossos métodos.

MINISTÉRIO: A participação dos estudantes nestas campanhas tem realmente contribuído para imprimir-lhes uma mentalidade evangelística?

PASTOR BURLANDY: Não tenho condições de dizer o que ocorre lá fora, mas posso falar do que sinto aqui dentro do Seminário. O planejamento de evangelização leva tempo, requer dinheiro, e um grande sentido de organização. Mas graças aos Campos, à boa vontade do pessoal do Colégio e dos próprios estudantes, o esforço tem sido com-pensador. Só a turma do ano passado relatou mais de 500 pessoas preparadas para o batismo, em vários locais de trabalho. Isso representa uma média de sete pessoas por estudante. A contribuição para o crescimento numérico da igreja significa muito, mas eu avalio algo mais: a mudança que ocorre na mentalidade do aluno. Ele sai daqui com uma certa expectativa para uma aventura incerta, mas volta agradecido pela experiência adquirida no lidar com as pessoas, resolvendo problemas surgidos no processo do estudo bíblico, ou pelo aprendizado com um evangelista experiente. A vibração é geral. É um plano que deu certo, e eu acredito que o estudante que passa por ele, terá uma visão diferente lá no campo de trabalho.

MINISTÉRIO: No sesquicentenário do movimento adventista, como vê o perigo do secularismo em relação à Igreja?

PASTOR BURLANDY: Logicamente isso exige de todos nós uma certa vigilância, no sentido de aprendermos as lições da História. A experiência de outras denominações deve nos ensinar alguma coisa. Mas não acredito, embora não devamos baixar a guarda, que iremos enveredar completamente pelo caminho do secularismo. Somos um movimento profético. Sempre estamos sendo confrontados com a nossa missão. A cada Assembléia da Associação Geral, recebemos um novo ânimo, gerador de mais envolvimento missionário. A missão está sempre diante de nós. Eu acredito muito que, sendo este um movi-mento profético, único, será cumprido o que está escrito a seu respeito. Pela operação da graça divina, pelo poder do Espírito Santo através de sua liderança e na vida de seus membros, a Igreja Adventista será o instrumento através do qual o mundo será cheio da glória do Senhor. Eu não tenho a menor dúvida sobre o final glorioso desse movimento. E acho que um dos estímulos na formação de novos obreiros é incutir neles essa certeza.

MINISTÉRIO: O senhor vê alguma ameaça doutrinária à Igreja?

PASTOR BURLANDY: Sim, vejo. Por isso mesmo eu disse que temos que estar despertos e, na hora devida e da maneira devida, neutralizar qualquer influência que venha de doutrinas e movimentos espúrios. Entendo, todavia, que esses solavancos que às vezes vêm de dentro, servem apenas para prová-la e fortalecê-la. O que eu tenho observado é que quando a Igreja sofre alguma ameaça teológica, ela reage e fica mais sólida, mais fortalecida, e dotada de mais convicção a respeito da vontade de Deus.

MINISTÉRIO: Como vê a Missão Global?

PASTOR BURLANDY: Eu entendo que em relação aos planos anteriores, Missão Global foi um grande avanço, em muitos aspectos. Já tivemos bons planos; no entanto, em termos de filosofia evangelística, Missão Global ultrapassou a todos – alcançar todas as pessoas em todos os lugares, não abandonar as áreas já conquistadas, penetrar em áreas novas, sejam elas receptivas ou não, tudo isso representa um avanço sem precedentes. Estamos no caminho certo.

MINISTÉRIO: Alguns pastores não sabem até onde podem confiar num secretário ministerial. Como essa confiança pode ser resgatada?

PASTOR BURLANDY: Como outras funções na Igreja, a do secretário ministerial é também uma função delicada. Há quem diga que ele deve ter um pé no escritório do presidente e outro no do pastor. Ele deve motivar o pastor a “vestir a camisa” da linha de trabalho da Organização, não esquecendo de que o pastor é um ser humano com sentimentos, necessidades, e que necessita de alguém em quem possa confiar. É possível chegar a esse equilíbrio, embora o grau de confiabilidade tenha sido bastante desgastado, de fato. Mas é possível recobrá-lo. Para isso, os administradores devem colaborar, não solicitando do ministerial a realização de alguma tarefa que não envolva aconselhamento, junto ao pastor. O que eu tenho observado é que, em alguns Campos, o ministerial é mais um braço da administração, subtraindo de si mesmo aquela imagem de pastor dos pastores, e sendo comissionado a tomar algumas providências que até precisam ser tomadas, mas não por ele.

Porém, a Associação Ministerial tem sido uma bênção. O apoio ao pastor e à sua família está crescendo aqui no Brasil. Graças a Deus.

MINISTÉRIO: Como os pastores e os administradores poderiam manter um relacionamento sem arestas?

PASTOR BURLANDY: Primeiramente, todos nós devemos trabalhar para a glória do Senhor e em nome do Senhor. Em segundo lugar, devemos trabalhar de modo mais transparente. Acrescento ainda que, num clima de franqueza cristã, respeitosa, todos devemos ter a liberdade de falar o que sentimos, dialogar com respeito e consideração pelo outro. Acho que se todos estivermos conscientes de que trabalhamos em nome de Cristo e para Cristo, veremos que fazemos parte de um corpo, cuja cabeça é Cristo. Talvez nesse terreno devamos ressaltar mais o assunto dos dons espirituais. Uns possuem o dom de administração, outros o dom de pastorear, outros ainda o dom do ensino, e Deus precisa contar com todos eles para o cumprimento de Seus propósitos. Se não perdermos isso de vista, trabalharemos felizes, contentes, dando cada um o seu melhor para a glória do Senhor.

MINISTÉRIO: Uma palavra sobre a família do pastor.

PASTOR BURLANDY: Quando secretário ministerial, eu me preocupei com o fato de que um obreiro, durante os seus primeiros anos de trabalho, tende a esquecer a família. Inexperiente ainda, traz dentro de si aquela vontade sadia de ser bem-sucedido, mostrar resultados, que o leva a negligenciar a esposa e filhos. Precisamos incutir em nossos companheiros a idéia de que a família é de importância fundamental. Não obstante as pesadas tarefas no campo do evangelismo, do trabalho pastoral distrital, ou departamental, o obreiro deve reservar tempo para atender à família. Isso contribuirá decisivamente para o êxito de seu ministério.

MINISTÉRIO: Qual o tema que, no seu modo de entender, deveria ocupar mais o púlpito adventista nestes últimos dias?

PASTOR BURLANDY: A pregação do evangelho deve ser feita de um ponto de vista global e equilibrado. Mas entendo que o movimento adventista é missionário e escatológico. Se pregarmos a justificação pela fé, num contexto escatológico, acredito que teríamos chegado ao ideal. É sempre perigoso tomarmos um rumo unilateral na pregação. Se entendemos que somos um povo com uma missão no tempo do fim, chama-dos a proclamar verdades únicas para esse tempo, creio que a nossa pregação deveria ser cristocêntrica, enaltecer a justiça de Cristo, todavia, com o colorido escatológico.

MINISTÉRIO: Cite um momento marcante do seu ministério.

PASTOR BURLANDY: Foram vários momentos. Aconteceram coisas das quais ja-mais esqueci. Por exemplo, não esqueço o dia em que na cidade de Santarém, PA, nas águas do Rio Tapajós, batizei cerca de 50 pessoas, resultado de duas séries de conferências que realizei ali, apoiado pelo Pastor José Lessa. A emoção de ver surgir uma nova igreja naquela cidade, fruto do evangelismo público, foi inesquecível. Cito ainda o dia em que batizei meus quatro filhos. Como pastor e pai, foi um momento de muita felicidade e emoção.

MINISTÉRIO: Qual sua mensagem final aos leitores de MINISTÉRIO?

PASTOR BURLANDY: Acredito piamente que este é um tempo em que pastores, oficiais e membros das igrejas, devemos dar as mãos buscando um preparo pessoal para o encontro com Jesus Cristo. Se houve um tempo em que deveriamos viver em Jesus um cristianismo autêntico, é justamente este. Juntos, pastores e anciãos devemos permitir que o Espírito Santo termine a Sua obra transformadora em nosso coração, a fim de que nossa liderança frente às igrejas seja efetiva. Estamos vivendo os últimos mo-mentos da história do pecado. É um privilégio liderar a Igreja, mas também um grande desafio. Devemos unir-nos e permitir que o Espírito Santo termine, através do nosso trabalho, a missão que Cristo nos confiou.