DELFÍN G. GOMES

Diretor do Departamento de Publicações da União Incaica

QUANTAS vêzes os homens que têm a pesada responsabilidade de ter sob sua direção uma quantidade, grande ou pequena, de obreiros do Senhor, ou que lhes haja sido confiado o cuidado e progresso das ovelhas e cordeiros de uma ou mais igrejas, se sentem desfalecer ao comprovar que algum dêsses colaboradores ou irmãos pagam com ingratidões ou deslealdades os desvelos e cuidados de seus guias.

Quantas vêzes os guias choram a sós com seu Senhor ao comprovarem o pouco zêlo de seus colaboradores nos interêsses do Senhor, o descuido das coisas sagradas, o relaxamento no cumprimento do dever, o pouco valor e seriedade concedidos a esta verdade preciosa, as palavras frívolas, gracejos não condizentes com a ética cristã, falta de colaboração, respeito e amor.

Quantas vêzes os guias ficam abatidos ao comprovarem que, por desleixo nas coisas sagradas, pela negligência no cumprimento do dever, por causa da incredulidade e da frivolidade, por motivo do orgulho e da presunção, a obra não progride.

Além de todos êstes obstáculos e outros muitos que poderiamos mencionar, os guias são surpreendidos porque algum companheiro de trabalho caiu em pecado. Sei, por experiência própria, que o coração dos guias desfalece porque diante dêste quadro se lhes escoa o tempo precioso em solucionar problemas surgidos desnecessàriamente. Sei que muitas vêzes repetimos em nosso íntimo com Alfredo R. Buffano, em sua poesia “Balada da Humanidade”:

Ai, quantas vêzes nesta vida de cidadão

Trocar quisera pela existência das campinas

Trocar minha roupa por um humilde traje aldeão

E êstes afãs por um ser labrego de boas vinhas.

Não teríamos adiantado muito se sòmente esboçássemos êste quadro sem apresentar-lhe a solução. A êste artigo intitulamos “A Última Etapa”. Desde tenra idade, nosso Senhor, nosso Guia-Mor, Se propôs percorrer a estrada que o Pai Lhe traçara neste mundo, para salvar os pecadores. Para percorrê-la, tinha que apegar-Se à palavra do Pai e não desviar-Se nem para a direita nem para a esquerda. O caminho era escabroso e difícil, muito difícil. Os homens haviam-se alheado tanto, tanto do conhecimento do Deus do Sinai que até parecia impossível familiarizá-los novamente com os princípios de justiça e retidão do Pai Eterno. Não obstante, o Mestre começou a percorrer o caminho traçado, aferrando-Se às promessas do Pai. Momentos houve de muita angústia para o Salvador, ao ver não apenas a incredulidade de Seu povo, mas também a rudeza, incredulidade e falta de cooperação dos discípulos.

Não entrarei nos pormenores do escabroso que era o caminho para nosso Guia-Mor, pois bem conhecidos são de Seu povo; mas ao chegar à última etapa da estrada, a senda tornou-se tão escabrosa que o próprio Salvador pensou que Lhe não seria possível chegar ao fim.

“Ao aproximar-Se do jardim, os discípulos notaram a mudança que se operara em seu Mestre. Nunca dantes O tinham visto tão indizivelmente triste e silencioso. À medida que avançava, mais se aprofundava essa estranha tristeza; todavia, não ousavam interrogá-Lo quanto à causa da mesma. Seu corpo cambaleava como se estivesse prestes a cair. Ao chegarem ao jardim, os discípulos, ansiosos, procuraram o lugar habitual do retiro do Mestre, para que descançasse. Cada passo que dava agora, fazia-o com extremo esfôrço. Gemia alto, como sob a opressão de terrível fardo. Por duas vêzes os companheiros O sustiveram, do con-trário teria tombado por terra. . . Sentindo quão terrível é a ira de Deus contra a transgressão, exclama: ‘A Minha alma está profundamente triste até à morte,.” —O Desejado de Tôdas as Nações,pág. 513.

Nosso Guia-Mor estava triste até à morte por saber que a última etapa era quase impossível de percorrer-se. Para o Senhor não era surprêsa o que O esperava nessa última etapa. Orando e gemendo até que o sangue Lhe brotou dos poros, foi buscar alívio entre Seus amigos, entre Seus discípulos, entre os companheiros que Êle próprio buscara para realizar a obra de que o Pai O incumbira. Foi buscar consolo entre aquêles a quem garantira que tinham o nome escrito nos livros do Céu. Quando os humanos sofremos por alguma causa, sentimos consôlo quando alguém participa de nossa dor; mas, que estavam fazendo os amigos de nosso Guia-Mor? Dormiam; não se preocupavam muito de colaborar no obra do Mestre. Eram negligentes, incrédulos, egoístas, orgulhosos; a glória dêste mundo interessava-lhes mais do que os interêsses sagrados e eternos: faziam o que nós mesmos fazemos.

Por terceira vez o Salvador caiu por terra; “sozinho teve que pisar o lagar”. Nenhum de Seus amigos, nem um único de Seus discípulos e companheiros de trabalho participou da dor do Mestre. Um anjo teve que ser enviado do Céu a fim de consolar o Filho de Deus e animá-Lo para percorrer a última etapa. “Quando o misterioso cálice tremia nas mãos do Sofredor, abriu-se o Céu, refulgiu uma luz por entre a tempestuosa treva da hora da crise, e o poderoso anjo que se acha na presença de Deus, . . . veio para ao pé de Cris-to. O anjo não veio para tomar-Lhe o cálice das mãos, mas para fortalecê-Lo a fim de que o bebesse, com a certeza do amor do Pai. Veio para dar fôrça ao divino-humano Suplicante. Êle Lhe apontou os Céus abertos, falando-Lhe das almas que seriam salvas em resultado de Seus sofrimentos. . . . Disse-Lhe que Êle veria o trabalho de Sua alma, e ficaria satisfeito, pois contemplaria uma multidão de membros da família humana salvos, eternamente salvos.”

“A agonia de Cristo não cessou, mas Sua depressão e desânimo O deixaram. A tempestade não amainou de maneira alguma mas Aquêle que dela era objeto estava fortalecido para lhe enfrentar a fúria. Saiu calmo e sereno. Uma paz celes-tial pairava-Lhe no rosto manchado de sangue. Suportara aquilo que criatura humana alguma jamais poderia sofrer; pois provara os sofrimentos da morte por todos os homens.” — Idem, pág. 518.

Jesus sabia o que O esperava: seria abandonado de Seus amigos e traído por um dêles. “Então todos os discípulos, deixando-O, fugiram.” Mais tarde, um discípulo, amigo do Senhor, disse: “Não conheço tal homem.” Que coisas tremendas teve que suportar nosso Mestre e Senhor! Traição, abandono, negação. Tudo isto da parte de Seus discípulos e amigos, de Seus companheiros de trabalho. Daqueles homens que havia tirado do lodaçal do pecado, dos que ensinara a louvar a Deus, em lugar de blasfemar, daqueles homens a quem dissera: “Alegrai-vos. . . . por estarem os vossos nomes escritos nos Céus.” Comentando o que aconteceu ao Salvador com Seus amigos, uma alma agradecida escreveu um hino que diz:

Para o Gólgota cruel

Sob o látego infiel

Ao cume do monte chegou.

Até o Sol se apagou.

E a terra estremeceu,

Seus temerosos amigos perdeu.

A dor dos cravos, estóico, sofreu

Pois Sua angustia era tal como ninguém sentiu.

Os pecados do mundo em seus ombros levou, 

Pela senda de fel ao Gólgota cruel,

O Gólgota cruel, o Gólgota cruel.

Embora Seus amigos O tenham abandonado e Seu povo dÊle escarnecido e O ultrajado, simulando um julgamento que foi uma trama de assassínio para entregá-Lo à soldadesca romana para que O açoitassem, nÊle cuspissem, O esbofeteassem e finalmente O crucificassem; nosso Guia-Mor prosseguiu até percorrer a última etapa, e suspenso entre o Céu e a Terra, disse: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?. . . Nenhuma mão piedosa a enxugar-Lhe do rosto o suor da morte, nem palavras de simpatia e inabalável fidelidade para Lhe confortar o coração humano.” — Idem, pág. 555. A missão de Cristo parecia haver findado em derrota completa. Não obstante, hoje, milhões de almas dariam a vida por seu Salvador e milhões e milhões gozarão na eternidade pelo sacrifício de Jesus na cruz.

“Como Redentor do mundo, Cristo foi constantemente confrontado por aparentes fracassos. Êle, o mensageiro da misericórdia ao nosso mundo, pouco parecia fazer da obra que anelava realizar em erguer e salvar. Satânicas influências estavam sempre operando para Lhe obstar o caminho. Mas Êle não desanimava. . . Cristo não fracassou, nem Lhe desfaleceu o ânimo, e Seus seguidores têm de manifestar uma fé de natureza assim resistente. Cumpre-lhes viver como Êle viveu, e trabalhar como Êle trabalhou, pois nÊle confiam como o grande Obreiromestre. Valor, energia e perseverança devem êles possuir. Conquanto aparentes impossibilidades lhes entravem o caminho, por Sua graça hão de ir avante. Em lugar de deplorar as dificuldades, são convidados a transpô-las. Não devem desesperar de coisa alguma, mas esperar tudo.” — Idem, págs. 507 e 508.