Soberania por Tirania

O homem, um ser criado soberano e livre, renunciou a uma soberania entregando-se a uma tirania. O homem renunciou à amorosa soberania divina, entregando-se à escravizante tirania de Satanás.

Para ser reintegrado no plano divino de salvação, este mesmo homem deve renunciar à escravizante tirania de Satanás e voltar-se para a amorosa e paternal soberania do eterno Deus.

O cristianismo é, pois, uma filosofia de renúncia, e tem por base, por fundamento, a própria renúncia. O convite para que um membro da Igreja venha a tomar-se um ministro ou pregador exige uma renúncia bem maior.

A Primeira Renúncia

“Então disse Jesus a Seus discípulos: Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-Me.”1

A primeira renúncia é a renúncia de si mesmo. Um ministro deixa de ter vontade própria; a vontade de Cristo passa a ser a vontade do ministro. “Mas nós — diz Paulo — temos a mente de Cristo. ”2

Tendo a mente de Cristo, possuindo a mente de Cristo, o ministro passa a pensar como Cristo pensa, passa a amar como Cristo ama, passa a orar como Cristo orou. Perdoa como Ele perdoou, e trabalha como Ele trabalhou. De Jesus se diz o seguinte: “Tão plenamente estava Cristo submetido à vontade de Deus, que unicamente o Pai aparecia em Sua vida. ”3

Aí estava e nisso consistia o segredo da vida vitoriosa de nosso Senhor. Uma renúncia completa, uma entrega total. Quando tinha de tomar importantes decisões, Jesus dizia: “Seja feita a Tua vontade”; “Faça-se a Tua vontade”; “Porque Eu desci do Céu não para fazer a Minha vontade, mas a vontade do Pai que Me enviou.”4 Era uma submissão tão plena que somente a vontade do Pai aparecia. Uma renúncia que não dava lugar, não dava oportunidade à busca da vontade própria.

Quando como ministros vivermos a teologia da renúncia, quando renunciarmos como Ele renunciou, então poderemos dizer: “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim.”5

Existe dentro de cada um de nós um perverso e pecaminoso tirano chamado Eu, sempre clamando por atenção, e é a este tirano que devemos renunciar. A renúncia deve ser tão plena, a submissão deve ser tão completa, que apenas e somente Cristo apareça na vida do ministro.

Os sermões mais difíceis de pregar são os que falam de renúncia e abnegação. Toma-se difícil pregá-los porque é difícil vivê-los. Viu a serva de Deus o seguinte: “Sob o cabeçalho geral de egoísmo, vinha uma legião de pecados.”6 Disse Satanás: “Eu subirei ao Céu”; “Eu serei semelhante ao Altíssimo”; “Eu exaltarei o meu trono.”A renúncia é a pedra de esquina do edifício do caráter cristão.

A primeira renúncia: “Se alguém quiser vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. ”8 O chamado para o santo ministério é feito com base na renúncia. É feito com base em “negar-se a si mesmo”.

Negar-se a si mesmo é ocultar-se, é esconder-se. “Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus.”9 Um ministro escondido com Cristo em Deus é só Cristo aparecendo, é só o Pai aparecendo, é só o Espírito Santo falando. Negar-se a si mesmo é esconder-se, é ocultar-se. “E Ele morreu por todos, para que os que vivem, não vivam mais para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou. ”10 Um ministro que não vive para si é uma glória para a Igreja. “Para mim o viver é Cristo. ”11 “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim.”12

Negar-se é tomar posição contra si mesmo, contra o eu. É tratar-se como a um desconhecido, sem que isto signifique ódio contra si. É descrita aqui a mentalidade semita. Quando se apresenta um valor maior, o valor secundário é reduzido a nada. Jesus é o valor maior, a pérola de grande preço. O próprio eu é o valor secundário. Ele é negado, é reduzido a nada, para que apenas Cristo apareça na vida do ministro. A abnegação, a renúncia, o negar-se a si mesmo, longe de ser um ato de autodestruição irracional e a perda da personalidade e da vontade, é um ato de supremo amor para consigo mesmo. É um ato de máxima significação e valorização da personalidade humana. ‘Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim.” Então passamos a refletir a imagem de Deus.

“A entrega do próprio eu é a essência dos ensinos de Cristo.”13

Certa vez o grande compositor Rubinstein estava tocando piano para um grupo de músicos. Quando começaram a aplaudi-lo, ele parou e disse: “Amigos, não aplaudam. Vossos aplausos levam-me a voltar-me para mim mesmo e desviam minha atenção da música.” Infelizes aqueles que passam o tempo concentrados em si mesmos!

Somos Chamados a Renunciar

As maiores contribuições para a História e para a Igreja foram realizadas por homens que tiveram a grandeza de renunciar. Eles renunciaram a si mesmos. Quando Cristo chama, nada é maior que o chamado. Cristo honra aos que dizem “Não” à fama e à fortuna. Se Saulo de Tarso houvesse permanecido um fariseu orgulhoso e beato, seria de duvidar que a História tivesse recordado o seu nome. No entanto, quando voltou as costas aos desejos e ambições, decidindo servir a Deus e proclamar o evangelho de salvação por Cristo, foi chamado “o grande apóstolo dos gentios”, deixando um registro de ministério cristão tão grandioso, que foi superado apenas pelo ministério do próprio Cristo. O Senhor deseja sacrifícios vivos. Apresentai “os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.”14

Nosso Deus não tem interesse em doações posteriores à morte, como os que doam seu corpo à ciência médica. O Senhor não é ave de rapina para que Lhe entreguemos carcaças. O Senhor não está procurando homens e mulheres que Lhe dêem escassas noites ou alguns fins-de-semana ou alguns dos anos alquebrados de uma aposentadoria.

Nada menos que a submissão incondicional poderia ser uma adequada resposta ao sacrifício de Cristo no Calvário. Tão admirável e divino amor ja-mais poderia satisfazer-se com menos que nosso tempo, nossos talentos, nossos bens e todo o nosso ser. Quando os homens entregam o coração a Deus e a vida a Seu serviço, eles avançam mais rapidamente do que os que vivem para a ambição egoísta.

Renúncia e Cruz

Negar simplesmente ao próprio eu, sem seguir o resto das instruções do Mestre, daria origem a uma vida negativa e infrutífera. Por isso Ele disse: “Tome cada dia a sua cruz, e siga-Me.”

“Então disse Jesus a Seus discípulos: Se alguém quiser vir após Mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-Me. ”

Os assírios inventaram a cruz como instrumento de tortura. Morrer numa cruz era cruel e bárbaro, não só pelo sofrimento, mas também pela prolongada agonia. Dizia-se que morrer numa cruz era morrer mil vezes. Para os cristãos, a cruz se tomou um símbolo de glória. Proclamar a cruz e a salvação ali conquistadas é prestar serviço dos mais dignificantes.

As medalhas que mais honra conferem têm a forma de uma cruz. Aqui no Brasil, temos a ordem do Cruzeiro do Sul. No serviço militar americano, a medalha de distinção apresenta uma águia, um rolo com uma inscrição e uma cruz. A França tem a cruz de guerra, e a Alemanha, a cruz de ferro. O heroísmo é exaltado e condecorado quase sempre com ‘uma cruz. A maior organização humanitária do mundo colocou uma cruz vermelha em sua bandeira mundial. Trata-se da Cruz Vermelha Internacional.

A renúncia nos prepara para a condecoração divina. Devemos tomar a cruz e seguir ao Mestre. Ele também foi condecorado. Os seres por Ele criados deram-Lhe uma cruz como condecoração. Foi uma cruz pesada. Era pesada em extremo, porque nela estavam depositados os pecados de toda a humanidade, de todo um mundo. A cruz foi tão pesada que o condecorado Cordeiro de Deus sucumbiu ao peso físico da condecoração.

Ele se Dava aos Outros

Pouco depois da morte de Filipe Brooks, seu irmão de mais idade disse ao Dr. McVicker:

— Filipe poderia ter-se cuidado, e haveria, por certo, prolongado a vida. Outros trabalham, porém Filipe se dava aos que o buscavam.

A resposta do Dr. McVicker foi impressionante:

-— Efetivamente, Filipe poderia haver-se cuidado, mas se o tivesse feito nunca teria sido Filipe Brooks.

O maior elogio que Jesus recebeu veio dos lábios de Seus algozes. “Salvou os outros, a Si mesmo não pode salvar-Se.” Ele veio para dar-Se.

A renúncia de nossa vida ao Santo Ministério deve ser completa, total, sem nenhuma reserva. Muitos nunca se entregaram completamente: não viveram em profundidade a experiência da renúncia. Judas, diz o Espírito de Profecia, “não chegou ao ponto de render-se inteiramente a Cristo. Não renunciou as suas ambições terrenas.”15 É perigoso neste fim de tempo havei no seio da Igreja ministros que não fizeram total entrega, total renúncia! Judas aceitou o chamado sem renunciar-se a si mesmo. Sem haver renunciado o próprio eu, aceitou a imposição das mãos. Sem haver renunciado a si mesmo, aceitou a investidura e as boas-vindas às fileiras do santo ministério. Foi um eterno insatisfeito durante seus três anos de ministério.

O ministro deve “aprender diariamente o significado da entrega do eu. ” “ “Tome cada dia a sua cruz, é siga-Me.”17 “Para os discípulos, Suas palavras, conquanto imperfeitamente compreendidas, indicavam que se deviam submeter à mais acerba humilhação — submeter-se mesmo à mor-te por amor de Cristo”18.

O Homem da Cruz

A cruz é a condecoração divina aos que aceitam o chamado.

Estéfano era um converso à Mensa-gem do Advento, e vivia no Congo. Trabalhava como operário. Logo surgiu o problema da guarda do sábado. Ele filiou com seu chefe e explicou cuidadosamente a razão pela qual não podia trabalhar no sábado. O chefe mostrou-se compreensivo e condescendente, havendo, porém, um detalhe ao qual era preciso dar atenção. A firma mantinha uma lista onde eram anotadas as ausências e seus motivos. Se o ausente estava doente, o sinal era de um tipo. Se por motivos particulares, o sinal era outro. A ausência de Estefano, por motivos religiosos, os deixou perplexos. Que sinal seria posto cada sábado ao lado de seu nome?! O chefe meditou um pouco, e depois seu semblante iluminou-se ao dizer ele:

— Coloque uma cruz ao lado do nome de Estéfano. Ele é um homem da cruz.

Que formoso tributo: um homem da cruz!

Qualquer de nós que não renuncia a si mesmo, não pode ser discípulo de Cristo.

Os sermões mais difíceis de pregar são os que falam de renúncia e abnegação. Torna-se difícil pregá-los porque é difícil vivê-los.

Bibliografia

1. S. Mateus 16:24.

2. I Coríntios 2:16.

3. O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, pág. 372.

4. S. Mateus 6:10; 26:42; S. Joio 6:38; 5:30.

5. Gálatas 2:20.

6. Testemunhos Seletos, vol. 1, pág. 518.

7. Isaías 14:13 e 14.

8. S. Marcos 8:34.

9. Colossenses 3:3.

10. II Coríntios 5:15.

11. Filipenses 1:21.

12. Gálatas 2:20.

13. O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, pág. 500.

14. Romanos 12:1.

15. O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, pág. 686.

16. Atos dos Apóstolos, pág. 483.

17. S. Lucas 9.23.

18. O Desejado de Todas as Nações, ed. popular, pág. 404.