Conhecer Jesus é a experiência mais fascinante da vida. No entanto, não se trata de algo pontual ou momentâneo, mas de um processo de crescimento contínuo. Paulo definiu bem isso ao escrever: “Portanto, assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver Nele, estando enraizados e edificados Nele, e confirmados na fé, como foi ensinado a vocês, crescendo em ações de graças” (Cl 2:6, 7). Na expressão “enraizados” encontra-se a interessante metáfora da raiz.

A raiz é o órgão vegetal responsável pela sustentação da planta e pela absorção de água e
sais minerais, os quais são levados para as partes aéreas do vegetal. É interessante observar
que, quanto mais profunda for a raiz, mais firme e funcional será a planta. Essa metáfora é apropriada para nos ensinar a necessidade de um discipulado enraizado em Cristo, pois é Nele que todo o processo começa, cresce e se fundamenta.

Como podemos ter certeza de que nossa vida está enraizada em Jesus? No contexto imediato (Cl 2:2), Paulo usou a palavra grega epignōsis, que significa“compreensão plena” ou “conhecimento completo” de Cristo. Em sua segunda carta, Pedro usou a mesma palavra, com propósito semelhante (2Pe 1:2, 3, 8; 2Pe 2:20). Esses versos apresentam a chave para entendermos o que é uma vida enraizada em Cristo.

O termo epignōsis não significa apenas conhecimento teórico, mas também experimental. Por meio de ambos, as faculdades espirituais são vivificadas e tornam o adorador sensível às verdades espirituais. Trata-se de um conhecimento progressivo. Deus revela a cada dia novos aspectos de Seu caráter que comovem a pessoa e a inspiram a um viver santo.1

Com certeza, ter o conhecimento amplo não significa saber tudo sobre Jesus, mas sim, desenvolver um relacionamento profundo com Ele, o qual nos conduz a uma transformação espiritual gradativa. Esse processo se consolida com a mudança de nossa cosmovisão, e não apenas de nossas crenças, comportamento e valores. Paul Hiebert descreveu bem essa perspectiva: “A transformação espiritual é a obra de Deus na vida de um pecador, tornando-o filho de Deus e cidadão do reino de Deus. É também a obra de Deus na igreja, a comunidade dos seguidores de Cristo. Por ser a obra de Deus, não podemos compreendê-la plenamente. Só no Céu começaremos a entender sua magnitude e seu custo. Ainda assim, devemos procurar compreender, mesmo que através de um vidro escuro, a natureza divina da transformação.”2

Dentro desse contexto, Hiebert apresenta um panorama histórico interessante: A mudança de comportamento foi o foco do protestantismo inicial. A mudança de crenças, o foco do século 20. Já a transformação das cosmovisões deve ser central para a igreja e a missão no século 21.3

Diante dessa percepção, analisaremos a seguir duas dimensões desse processo transformador: o conhecimento cognitivo e o conhecimento relacional.

Conhecimento cognitivo

Na sua segunda carta a Timóteo, Paulo ratifica: “Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2:15). O apóstolo também destacou: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:16, 17).

Já o apóstolo Pedro escreveu: “Estando sempre preparados para responder a todo aquele que pedir razão da esperança que vocês têm” (1Pe 3:15). Nesse verso, a palavra “responder”, em grego, é apologia, cuja tradução poderia ser “defender”. Assim sendo, ninguém sabe defender a razão da esperança sem ter o conhecimento teórico da verdade que ensina.

Nesse panorama de defesa da fé, Paulo destaca que Jesus concedeu dons a Sua igreja para não ser levada “de um lado para o outro por qualquer vento de doutrina, pela artimanha das pessoas, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4:8-14). O apóstolo também exorta: “Tudo o que no passado foi escrito, para o nosso ensino foi escrito” (Rm 15:4).

Em face das mais variadas situações, Jesus sempre usou o conhecimento teórico das Escrituras para Se manter firme em Sua missão. Citou a Bíblia ao enfrentar o diabo, bem como para desmascarar os líderes judeus (Mt 4:6-10; Mt 12:1-7; Lc 4:16-21). Posteriormente, os apóstolos entenderam que o ensino das Escrituras deveria ser o fundamento para o avanço do evangelho. Foram coerentes em suas pregações, pois falavam de acordo com o conteúdo do Antigo Testamento (At 2:16-36; At 4:23-26; At 7:2-53; Tg 4:5-7; 1Pe 1:16, 23-25; 2Pe 3:1-9).

É inegável que a negligência do estudo das Escrituras tenha sido o principal motivo do surgimento de tantas heresias e controvérsias no seio da igreja apostólica, bem como na Idade Média. A despeito do esforço de uma minoria remanescente, foi apenas no contexto da Reforma Protestante que se deu o maior interesse pelo estudo cognitivo das Escrituras.

No livro O Grande Conflito, Ellen White destacou o papel de Lutero e dos demais reformadores como precursores dos adventistas.4 Na Igreja Adventista, o aspecto cognitivo foi muito mais enfatizado nas primeiras décadas do movimento. Após o Grande Desapontamento de 1844, Ellen White escreveu livros e cartas com foco no conhecimento intelectual das Escrituras. Sem dúvida, está no DNA da Igreja Adventista o compromisso em aprender e ensinar a Bíblia. Essa é uma marca que continua sendo importante para manter esse movimento profético firme em seu propósito.

Contudo, é perceptível na Bíblia e nos escritos de Ellen White que não basta ter o conhecimento teórico ou intelectual de Cristo e de Sua Palavra. A dimensão experimental ou relacional também é indispensável, conforme veremos a seguir.

Conhecimento relacional

O cientista norte-americano Roger Sperry ganhou o prêmio Nobel de Medicina por apresentar a teoria dos dois hemisférios do cérebro: o direito e o esquerdo. Ele afirmou que cada lado controla uma série de funções. Destacou que o hemisfério esquerdo se ocupa da linguagem e das operações lógicas (como fazer contas, estudar, escrever, etc.) e o direito controla as emoções e a criatividade. Ou seja, o lado esquerdo é o da razão e o hemisfério direito é o dos sentimentos.5

Embora essa teoria seja questionada entre os cientistas da atualidade, essa sugestão do funcionamento cerebral nos leva a pensar e admitir que o conhecimento não se limita ao aspecto cognitivo. O conhecimento intelectual é importante, mas há outro aspecto indispensável: o conhecimento ou a aprendizagem relacional. Várias personalidades bíblicas valorizaram muito essa habilidade com relação à amizade com Deus, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Dentre eles, destacamos: Enoque (Gn 5:22-24); Noé (Gn 6:7-9); Davi (Sl 27:8; Sl 31:1; Sl 42:1, 2; Sl 62:1, 2; Sl 139:1-24); Paulo (Gl 5:16; Cl 2:6, 7) e Pedro (2Pe 1:2-11).

Ao analisar o ministério de Cristo, percebemos que esse foi um grande legado do Mestre. Ele encarou Sua missão com muita oração e dependência do Pai (Mc 1:35; Lc 6:12). Vivendo como um ser humano, Cristo sabia que Seu relacionamento íntimo com o Pai seria imprescindível. Os primeiros discípulos perceberam e receberam essa influência positiva.

Certa vez, Jesus disse aos judeus que O perseguiam: “Vocês examinam as Escrituras, porque julgam ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de Mim. Contudo, vocês não querem vir a Mim para ter vida” (Jo 5:39, 40). Ou seja, aquelas pessoas buscavam o conhecimento cognitivo da Palavra de Deus, mas negligenciavam o conhecimento relacional com o Senhor da Palavra.

Essa mesma tendência foi uma realidade na primeira fase do movimento adventista. No entanto, a partir de 1890, Ellen White escreveu cinco livros que deram ênfase ao aspecto relacional com Deus: Caminho a Cristo, O Desejado de Todas as Nações, Parábolas de Jesus, O Maior Discurso de Cristo e as cem primeiras páginas do livro A Ciência do Bom Viver. O conteúdo dessas obras foi importante para a denominação que havia se tornado mais legalista em sua abordagem.6

Um dos muitos textos de Ellen White exemplifica bem essa nova ênfase: “Faria muito bem para nós se diariamente passássemos uma hora refletindo sobre a vida de Cristo. Devemos considerá-la ponto por ponto e deixar que a imaginação tome conta de cada cena, especialmente as finais. Ao meditar assim em Seu grande sacrifício por nós, nossa confiança Nele será mais constante, nosso amor será fortalecido, e seremos mais semelhantes a Ele.”7

Diante dessa compreensão das duas dimensões do conhecimento, como podemos colocá-las em prática com maior efetividade? A resposta mais objetiva tem que ver com ações diretas e indiretas. As ações diretas são o que podemos fazer, tais como: leitura da Bíblia, vida de oração, frequência à igreja e envolvimento missionário. Já as ações indiretas são o perdão, a transformação e a capacitação, as quais só Deus pode realizar.

Entretanto, essas ações só se efetivam a partir de hábitos espirituais, os quais se dividem em dois grupos: hábitos de envolvimento e hábitos de desenvolvimento. Os de envolvimento são: 1) leitura da Bíblia; 2) meditação/reflexão; e 3) oração com adoração e louvor. Já os hábitos de desenvolvimento são: 1) solitude – ficar à sós com Deus; 2) quietude – desconectar-se das influências ao redor; e 3) permanência – passar tempo à sós com Deus.8 Esses hábitos foram bem reais na vida de Cristo (Mc 1:35; Lc 6:12; Lc 11:1). Vale lembrar também que Ele os recomendou a Seus discípulos (Mt 26:41; Mc 6:30-34; Lc 21:36; Jo 15:5).

Sem dúvida, “o segredo do êxito está na união do poder divino com o esforço humano”.9 O Senhor deseja operar a transformação de que tanto precisamos, mas devemos fazer a nossa parte, mesmo sabendo que o milagre só pode ser realizado pelo Espírito Santo (Gl 5:16, 22, 23).

Que resultados podemos esperar quando alcançamos essas duas dimensões do conhecimento de Cristo e de Sua Palavra? É o que veremos a seguir.

Resultados

Como vimos, o conhecimento intelectual da Bíblia, aliado ao conhecimento relacional de Cristo, promove a verdadeira transformação. Trata-se de uma mudança não apenas de crenças, comportamento e valores, mas de maneira de pensar, ver e sentir as coisas de Deus e das pessoas. É uma nova cosmovisão, um conhecimento completo que leva a uma mudança plena.

Nas bem-aventuranças e na parábola dos dois fundamentos, o Mestre tratou sobre a dimensão relacional do Seu reino. Esta deve ser uma experiência que flui naturalmente na vida de quem “edificou a sua casa sobre a rocha” (Mt 7:24) e se tornou “o bom perfume de Cristo” (2Co 2:15).

Ellen White ratificou esse ideal nas seguintes palavras: “A não estudada, inconsciente influência de uma vida santa é o mais convincente sermão que se pode pregar em favor do cristianismo. O argumento, mesmo quando irrefutável, pode não provocar senão oposição; mas um exemplo piedoso possui um poder a que é impossível resistir inteiramente.”10

Talvez o maior desafio da igreja ou do cristão individualmente seja alcançar o equilíbrio na busca desse conhecimento no processo do discipulado. Culturalmente, estamos mais acostumados a compartilhar o evangelho a partir dos conceitos, das doutrinas e das crenças fundamentais do que a partir de uma abordagem relacional.

No entanto, precisamos estar mais atentos, pois as pessoas não se convencem apenas pelo que ensinamos cognitivamente, por mais persuasivos que sejam nossos argumentos. Ou, como escreveu Ellen White: “Às vezes homens e mulheres sem estarem convertidos, se decidem em favor da verdade devido ao peso das provas apresentadas. A obra do ministro não está completa enquanto não fizer sentir a seus ouvintes a necessidade de uma transformação de coração.”11

A vida de Cristo era uma demonstração muito clara desse nível ideal de discipulado. Ele experimentava um íntimo relacionamento com o Pai, estudava as Escrituras e as ensinava coerentemente. Por isso, as pessoas se maravilhavam pelo que ouviam e viam em Sua vida prática.

O apelo do apóstolo Paulo aos colossenses é também para nós hoje: “Portanto, assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver Nele” (Cl 2:6). Essa é a raiz do discipulado.

José Wilson, secretário ministerial para os estados de Bahia e Sergipe

Referências:

1 Francis D. Nichol (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), v.7, p. 1111.
2 Paul Hiebert, Transformando Cosmovisões (São Paulo, SP: Edições Vida Nova, 2016), p. 335.
3 Hiebert, Transformando Cosmovisões, p. 344.
4 Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), p. 143, 144.
5 “Os Dois Lados do Cérebro: Lógica X Criatividade”, Netscan Digital, disponível em , acesso em 9/10/2023.
6 Denis Fortin, Growing Up in Christ: Ellen G. White’s Concept of Discipleship (Berrien Spring, MI: Journal of Adventist Mission Studies, Fall 2016), v. 12, p. 60.
7 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), p. 58.
8 Anotações da classe “Fundamentos Bíblicos e Teológicos para o Ministério”, com o professor Allan Washe. Matéria do Doutorado em Ministério, pela University Andrews, em 02 de julho de 2019.
9 Ellen G. White, E Recebereis Poder (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1999), p. 260.
10 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 59.
11 White, Obreiros Evangélicos, p. 159.