Nenhum líder é insubstituível. Por isso, deve atuar como conselheiro e mestre, ensinando e conduzindo seus liderados na busca do crescimento, formando novos líderes

Segundo os dicionários, mentor é a pessoa que guia, ensina ou aconselha outra pessoa. Atua como conselheiro e mestre, ensinando e conduzindo o discípulo no caminho a ser trilhado, na busca do conhecimento e da consecução do mais alto nível de desenvolvimento.

No livro A Jornada do Escritor, Christopher Vogler amplia a com-preensão do papel do mentor: “A palavra mentor vem da Odisséia. Um personagem chamado mentor guia o jovem herói, Telêmaco, em sua jornada de herói. Na verdade, é a deusa Atenas quem ajuda Telêmaco, assumindo a forma de mentor. … Com freqüência, os mentores falam com a voz de um deus, ou são inspirados pela sabedoria divina. Os bons mestres e os mentores entusiasmam, no sentido original da palavra. Entusiasmo deriva do grego theos, isto é, em Deus, significando inspirado por Deus, tendo um deus em si, ou estando na presença de um deus.”1

Como Deus escolhe

Para os cristãos, a palavras de Vogler possuem um significado muito mais amplo, pois traduzem toda a teia de relações que mantemos com Deus, nosso mentor supremo. “A relação entre herói e mentor é um dos temas mais comuns da mitologia, e um dos mais ricos em valor simbólico. Representa o vínculo entre pais e filhos, entre mestre e discípulo, médico e paciente, Deus e o ser humano.”2

Tudo isso é demonstrado na forma como Deus escolhe, chama e prepara os Seus líderes. Quanto ao tipo de pessoa que Ele escolhe e usa, o escritor Howard Hendricks nos fornece as seguintes idéias:

  • 1. Deus usa aquele que está convencido de que o resultado da equação Deus + um é a maioria. A matemática divina é diferente da humana. Nós ficamos deslumbrados com números, mas Deus não Se limita nem Se deixa intimidar por eles. No caso de haver 850 contra 1, não há problema para Ele. No cálculo divino, são 850 contra 1 + Deus. O fator decisivo não é o número 1, mas o Deus que o capacita.3
  • 2. Deus usa aquele que enxerga as oportunidades e não os problemas. A esse respeito, Hendricks comenta: “Hoje, qualquer aluno de escola dominical conhece o nome de Calebe e Josué, mas será que alguém sabe o nome dos dez homens que constituíam a maioria? O nome deles está registrado no começo do capítulo 13 do livro de Números. Mas quem se interessa por eles? Eles foram o grupo que enxergou os problemas, que espiou a terra e viu obstáculos por toda a parte. Josué e Calebe também viram os gigantes. Mas enxergaram a oportunidade de vitória, porque o grande Deus do Universo lhes havia ordenado que subissem e se apossassem da terra. Deus usou Josué e Calebe. Os outros dez caíram no esquecimento.”4
  • 3. Deus usa aquele que se concentra mais em sua disponibilidade do que em sua própria habilidade. “Se nos preocuparmos demais com nossas habilidades, acabaremos ficando muito orgulhosos; e Deus, impossibilitado de usar-nos. Se nos preocuparmos com nossa incapacidade, tornamo-nos pessimistas. Dessa forma, Deus não poderá usar-nos. Paulo diz em I Cor. 4:2 que ‘o que se requer dos despenseiros é que cada um deles seja encontrado fiel’. A passagem refere-se a nós. Não temos que provar que somos inteligentes, talentosos ou ágeis. A única coisa que temos a fazer é ser fiéis.”5

Deus procura pessoas desse tipo em todo o tempo e em todos os lugares. Muitas vezes, Ele as encontra em locais inimagináveis e pouco recomendáveis: justamente entre os Seus inimigos. Foi o que aconteceu com Saulo de Tarso. Conhecemos a história de como esse homem se destacou como inimigo e perseguidor do povo de Deus: “Se qual-quer outro pensa que pode confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao zelo, perseguidor da Igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível”, ele dizia (Filip. 3:4-6).

Em Saulo de Tarso, vemos não um ímpio irreligioso, mas uma pessoa mal direcionada, sincera, cheia de zelo, disposta a consumir-se na obra que abraçara e a envidar todos os esforços para fazê-la avançar. Foram exatamente essas virtudes que Deus enxergou naquele jovem fariseu, ordenando a Ananias que fosse encontrá-lo na casa de Judas. Ananias relutou. “Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para Mim um instrumento escolhido para levar o Meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois Eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo Meu nome” (Atos 9:15 e 16).

O perseguidor tornou-se perseguido. Paulo enfrentou, de início, severa oposição entre os novos irmãos que não acreditavam numa transformação tão repentina e radical. Na opinião deles, Paulo continuava sendo seu inimigo e, quando ele retornou a Jerusalém, após a conversão, a Bíblia informa que “procurou juntar-se com os discípulos; todos, porém, o temiam, não acreditando que ele fosse discípulo” (Atos 9:26).

Não fosse a intervenção de Barnabé (v. 27), a aceitação do novo converso teria sido mais penosa e demorada. No entanto, nada disso desanimou Paulo. Ele conhecia o medo, mas também sabia que Deus não lhe dera “espírito de covardia”, mas de confiança e determinação (11 Tim. 1:7). “Vacilação ou indecisão eram elementos estranhos à sua natureza. Uma vez seguro dos fatos, ele passava uma decisão rápida. Concedida a luz, devia segui-la. Ver o dever, era executá-lo. Uma vez seguro da vontade de Deus, o líder eficiente entra em ação, sem levar em conta as conseqüências. Ele está pronto para queimar as pontes que ficaram para trás, e aceitar a responsabilidade pelo fracasso ou pelo sucesso.”6

Essência da verdadeira liderança

Paulo sabia que o verdadeiro líder é aquele que faz discípulos e, dessa forma, gera novos líderes. Por isso, ele transmitiu a Timóteo a seguinte orientação: “Tu, pois, filho meu, fortifica-te na graça que está em Cristo Jesus. E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros” (II Tim. 2:1 e 2).

Pobre do líder que não deixa para a posteridade um legado de fé, expresso nos filhos espirituais, ou seja, novos líderes que ficam para fazer avançar e crescer a causa de Deus. Tal líder é como uma árvore altaneira, bonita, com vistosa folhagem, mas infrutífera. Seu único benefício é a sombra. Sua contribuição é efêmera e limitada, ficando sempre aquém daquilo que é esperado e dos inúmeros benefícios que poderia conceder à humanidade.

Em essência, liderar é conduzir e preparar pessoas; não com vistas à simples realização de tarefas, mas com o objetivo de dar continuidade e fazer avançar uma obra significativa; perpetuar uma causa nobre. Como tal, o exercício da liderança pressupõe a arte de mentorear, preparando e formando novos líderes. “Sucesso sem sucessor”, lembra Hans Finzel, “é fracasso. Quem são os homens e mulheres que você está arrumando para um dia assumir o seu lugar? Mantenho uma lista consecutiva dos líderes ativos, em minha agenda, que, algum dia, poderão estar prontos para pegar o que eu largar. Observo-os de cima e penso: ‘Sim, ele poderia tornar-se diretor disso’, ‘ela estará pronta para aquele papel em poucos anos’. Na verdade, às vezes quando falo com nossos trabalhadores mais jovens, olho em seus rostos e penso: ‘um dia um de vocês me substituirá’. Esse pensamento me estimula e motiva a lhes abrir o caminho. Eles não são uma ameaça, mas o acabamento de minha liderança.”7

Finzel, empresário com vasta experiência, coloca a necessidade de mentorear como uma questão vital à sobrevivência da Igreja e outras instituições: “As organizações vivem e morrem no princípio fundamental de seu fluxo de talento de nova liderança. … a única maneira de garantir que seu grupo não escorregue para a institucionalização, calcificação e morte é a renovação constante, com sangue novo, na formação de novos líderes. Uma de minhas prioridades como líder é alimentar nosso reservatório de líderes emergentes. … Com muita freqüência, pergunto-me: ‘Quem são seus homens?’ ‘Quem são as pessoas que tenho como alvo e que tenho preparado para a futura liderança?” Isso não é ter favoritos, é estar preparando-se para o futuro.”8

“Às vezes”, diz Howard Hendricks, “me pergunto quantas obras fundadas sob a direção de Deus acabam ruindo por causa de um líder supostamente ‘indispensável’. … É importante que todo crente saiba que ninguém é indispensável para Deus. Somos instrumentos em Suas mãos. O Senhor deseja usar-nos. Mas o problema é que, quando Ele nos usa, ficamos inclinados a pensar que a vitória foi nossa. Talvez seja esse o motivo pelo qual vez por outra Deus remove um indivíduo do ministério, para manter vivo em nossa memória o fato de que o trabalho não é nosso, mas dEle.”9

Complexo de Elias

A razão pela qual muitos líderes não preparam e formam sucessores é porque se sentem na posição messiânica de “salvador da pátria”. Como Elias, lançam o seu brado aos Céus: “Só eu fiquei, Senhor, e procuram tirar-me a vida” (I Reis 19:14). Mas o Senhor lhes responde tal como ao profeta: “Também conservei em Israel sete mil, todos os joelhos que não se dobraram a Baal, e toda boca que o não beijou” (I Reis 19:18).

Felizmente, Elias teve humildade para mudar a sua perspectiva, aceitar a orientação divina e colocá-la em prática em seu ministério. Deus revelou que, entre as sete mil pessoas que se haviam recusado a adorar Baal, existia um jovem especial: “Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá”, e disse: “ungirás profeta em teu lugar” (I Reis 19:16). Como lembra Hendricks, nem todo líder recebería com alegria essa informação.

“Muitas pessoas, ao lerem essa passagem, têm a tendência de acreditar que a carreira de Elias estava encerrada. … Contudo, eu gostaria de oferecer uma interpretação diferente, uma que seja um pouco mais esperançosa. Ao nomear um sucessor para Elias, Deus estava provando Sua fidelidade. Estava dizendo a Elias que seus esforços não haviam sido em vão. O futuro estava às portas. Melhor ainda, que ele próprio teria o privilégio de abrir as portas daquele futuro passando a tocha a Eliseu.”10

Segundo Oswald Sanders, essa troca de comando jamais diminui a pessoa do líder que sai; apenas a situa dentro da sua real dimensão: “A remoção de um líder corta-o, reduzindo ao tamanho certo em relação à obra de Deus. Não importa quão grandes sejam suas realizações, ele não é insubstituível. Chega a hora em que sua contribuição especial não é a necessidade do momento. O líder mais talentoso tem limitações que se tomam aparentes somente depois que os dons complementares de seu sucessor façam com que a obra se desenvolva de forma que o líder anterior não conseguiría atingir. Freqüentemente acontece que um homem de menores capacidades, com dons diferentes, pode desenvolver uma obra mais eficiente do que o predecessor, que a iniciou. Talvez Moisés não fosse capaz de liderar a conquista e divisão de Canaã tão aptamente e com a mesma aceitação de Josué.”11

A fórmula

Na maneira como Elias se relacionou com Eliseu, encontramos a fórmula ideal de como mentorear. Segundo Hendricks, ela pode ser ressaltada por três pontos:

Elias tomou a iniciativa. O verso 19 diz: “Partiu, pois, Elias dali e achou a Eliseu, filho de Safate.” Num ato de obediência à instrução de Deus, o profeta foi procurar Eliseu e o encontrou lavrando o campo. Então Elias lançou seu manto sobre ele, um gesto que simbolizava que Eliseu o sucedería. Elias agiu. Não esperou que Eliseu o procurasse; foi atrás do seu sucessor. E, quando o encontrou, não escondeu suas intenções.12

Elias se mostrou disponível. Depois que ele depositou seu manto sobre Eliseu, o jovem lavrador deixou os bois e correu após o profeta (I Reis 19:20). Mais tarde, depois de despedir-se de seus pais, Eliseu seguiu Elias e o servia (I Reis 19:21). Dessa forma, Eliseu passou a caminhar com ele, e percebe-se que o experiente profeta investiu de si na preparação do jovem pupilo.13

A esta altura, seria relevante perguntar: Quantos anciãos de igreja estão buscando novos anciãos entre a juventude à qual servem? Quantos pastores experientes estão indo ao encontro dos mais jovens, aspirantes, procurando ajudá-los a se firmar no ministério e incutindo-lhes ânimo? Quantos obreiros bíblicos, peritos em levar pessoas à decisão por Jesus, estão partilhando essa experiência com os novos membros? Quantas irmãs veteranas, especialistas em lidar com crianças, estão fazendo discípulas entre as moças de sua igreja?

Essas não são apenas perguntas interessantes, mas situam-se naquele ponto divisor de águas, entre a alegria pelo cumprimento da missão e a frustração de ainda vê-la inacabada. É, também, o limiar da liderança eficaz e perene para a liderança fraca e efêmera.

Para influenciar Eliseu, Elias serviu-lhe de modelo. “Para mim”, diz Hendricks, “esse é o principal aspecto do processo. Como bem demonstrou o pesquisador Albert Bandura, a imitação é a forma de aprendizagem inconsciente de maior impacto. As pessoas com quem convivemos se esquecem daquilo que dizemos, mas raramente se esquecem do que fazemos.”14

Paulo conhecia as técnicas de mentorear e as aplicava em seu ministério. Por isso, deleitava-se em associar-se com os seus cooperadores, mesmo os iniciantes, sem barreiras. “Porque de Deus somos cooperadores”, dizia (I Cor. 3:9). Tinha uma auto-imagem equilibrada: “Quem é Paulo? Servo por meio de quem crestes” (I Cor. 3:5); “Não que, por nós mesmos sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós; pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus” (II Cor. 3:5). E, finalmente, incentivava a reprodução dos seus padrões de liderança: “Admoesto-vos, portanto, a que sejais meus imitadores” (I Cor. 4:16); “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (I Cor. 11:1).              

Referências:

  • 1. Christopher Vogler, A Jornada do Escritor, págs. 67 e 68.
  • 2. Idem, pág. 33.
  • 3. Howard Hendricks, Aprenda a Mentorear, pág. 47.
  • 4. Idem, pág. 48.
  • 5. J. Oswald Sanders, Paulo, o Líder, pág. 45.
  • 6. Hans Finzel, Dez Erros que um Líder não Pode Cometer, págs. 256 e 257.
  • 7. Idem, pág. 157.
  • 8. Howard Hendricks, Op. Cit., pág. 73.
  • 9. Idem, pág. 94.
  • 10. Ibidem.
  • 11. J. Oswald Sanders, Liderança Espiritual, pág. 130.
  • 12. Howard Hendricks, Op. Cit., pág. 97.
  • 13. Idem, pág. 99.
  • 14. Idem, pág. 100.