Um dos maiores problemas da humanidade é o da pobreza ou o pauperismo. Por que alguns são ricos e outros são pobres? Deve o rico partilhar seus bens com o pobre? Em caso afirmativo, até que ponto? Deve haver uma distribuição das riquezas de tal forma que todos possuam a mesma quantidade?
Ajudar os pobres pode ser considerado um dever prima facie, quer seja como beneficência, gratidão ou justiça. Isto, sobre o plano de motivos éticos. Mas como este dever pode ser posto em prática? Como podemos resolver o problema no nível casuístico? E aqui surge outro problema: a falta de acordo entre os indivíduos e os sistemas. Como exemplo notável, é muito interessante notar que no mesmo país e mais ou menos ao mesmo tempo, Tolstoy (+1910) e Lenin (+1924) propuseram soluções muito diferentes e opostas — tão opostas como a paz e a guerra.
Que pode dizer-se da Teologia? Há algum acordo entre os teólogos no tocante a este doloroso tema? Não resta dúvida de que os teólogos indicarão Isaías 58, o sermão da Montanha e talvez S. Mateus 19, acerca da conversação entre o jovem rico e Jesus. Estas passagens bíblicas parecem prescrever um tipo de socialismo ou comunismo. Será, porém, que é realmente assim? Quando estudamos diligentemente a experiência da Igreja Apostólica, é evidente que a experiência não produziu bons resultados. Bem, no nível espiritual foi muito bom, mas as igrejas da Judéia tornaram-se as mais pobres de todas as igrejas cristãs, e aquelas onde não se aplicou este sistema tiveram que prestar-lhes ajuda.
Nem as religiões orientais, nem o cristianismo com todas as suas divisões, parecem possuir uma solução real para o problema. Que diremos dos indivíduos? A experiência de pessoas como Pedro Waldo (+1217) e Tolstoy não nos oferece demasiado estímulo para fazer a mesma coisa. No entanto, se isso é na realidade um dever prima facie, temos de fazer algo. Quê? Quando? Como? Enquanto estadistas, sociólogos e clérigos estão sentados, em busca desesperada de respostas, o pauperismo cresce dia a dia neste pobre mundo.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia pretende ser a igreja de Deus, com uma mensagem divina e final para a humanidade. Que solução oferece esta Igreja? Somente a paciência?1 Somente uma postergação do remédio até o momento da Segunda Vinda de Cristo?2 A solução é um Fundo de Pobres ou a ação social mediante a Sociedade de Dorcas ou centros de beneficência?
São surpreendentes as instruções concisas e claras que esta Igreja possui a respeito da pobreza, não somente na Bíblia, mas também nos escritos do Espírito de Profecia. (No “Index” são dedicadas 14 páginas a este assunto.) A seguir é apresentada uma breve síntese desses conselhos inspirados e práticos.
Causas
1. “A razão de Deus permitir que alguns da família humana sejam tão ricos e outros tão pobres, permanecerá como um mistério para os homens até a eternidade, a não ser que entrem na devida relação para com Deus e executem Seus planos. ”3
2. “Há duas classes de pobres que temos sempre ao nosso alcance — os que se arruinam a si mesmos por sua maneira de agir independente e que continuam na transgressão, e os que por amor da verdade foram levados a circunstâncias difíceis. ”4
a) “A incapacidade para economizar nas coisas pequenas, é uma das razões de muitas famílias sofrerem a falta das coisas necessárias da vida. ”5
“Para muitos, a causa de sua pobreza e vicissitude é um desperdício de tempo, uma falta de esforço. ”6
“Muitos são pobres devido a sua própria falta de diligência e economia.”7 “Eles não calculam bem. ”8
“Alguns nada sabem do que seja renúncia e economia para se manterem livres de dívidas.”*
“Muitos que mal podem viver enquanto solteiros, decidem casar-se e constituir família, quando sabem que nada têm com que a sustentar. ”10 E por aumentar rapidamente sua família.11
“A indolência negligente”, o desejo de “obter recursos de maneira mais fácil que pelo trabalho paciente e perseverante.”12
b) “Todavia, há uma pobreza inevitável, e devemos manifestar ternura e compaixão para com os desafortunados. ”13
“Homens e mulheres tementes a Deus têm sido levados aos extremos da pobreza por doença ou infortúnio, muitas vezes causados pelos desonestos planos dos que vivem à custa dos semelhantes.”14
“Outros ainda são pobres por causa de doenças e infortúnios.”15
Razões Para a Existência dos Pobres
“Pois nunca deixará de haver pobres na Terra.”16 “Porque os pobres sempre os tendes convosco.”17
a) “Para se demonstrarem uma bênção” para a igreja.18 “[Nosso Redentor] manda os pobres como representantes Seus.”19 “Os pobres, os desafortunados, os doentes e sofredores . . . são o legado de Cristo a Sua igreja. ”20
b) “…a fim de provar a outros.”21 “Para que . .. fôssemos provados. ”22 “Ao colocar os pobres e sofredores entre nós, o Senhor está-nos provando a fim de revelar-nos o que está em nosso coração. ”23
“Por nosso amor e serviço a Seus necessitados filhos, provamos a genuinidade de nosso amor por Ele. Negligenciá-los, é declarar-nos falsos discípulos, estranhos a Cristo e Seu amor.”24
c) “Seu destino eterno será determinado pelo que houverem feito ou negligenciado fazer por Ele na pessoa dos pobres e sofredores. ”25
Ajudar os pobres pode ser considerado um dever prima facie, quer seja como beneficência, gratidão ou justiça.
Soluções
1. “Dessem os homens mais atenção aos ensinos da Palavra de Deus, e encontrariam uma solução a esses problemas que os desconcertam. Muito se poderia aprender do Velho Testamento quanto à questão do trabalho e do alívio aos pobres.”26
2. Algumas das instruções do Velho Testamento eram: deixar os rabiscos e os cantos dos campos, na colheita, para os pobres; também o que caía ao solo, o produto natural do campo durante o ano sabático, e a autorização de comer do pomar, ao passar por ele; convidá-los para as festas; dar um segundo dízimo para eles cada três anos; emprestar-lhes sem usura, etc.27
3. Ação da Igreja:
a) “É o dever de cada igreja sentir interesse em seus próprios pobres.”28
“É dever de cada igreja fazer arranjos cuidadosos e judiciosos para o cuidado dos pobres e enfermos.”29
“Homens e mulheres de Deus, pessoas de discernimento e sabedoria, devem ser designados para cuidar dos pobres e necessitados, dando o primeiro lugar aos domésticos da fé. Essas pessoas devem relatar à igreja, e aconselharem-se quanto ao que deve ser feito.”30
b) “Não há dúvidas quanto aos pobres do Senhor. Estes devem ser ajudados em todo caso em que isto seja para seu benefício. ”31
c) Algumas formas práticas:
Ensiná-los a trabalhar, ajudando-os a conseguir emprego; ajuda e fundos especiais para auxílio de famílias pobres, dignas.32
Prover-lhes trabalho, ensiná-los a cozinhar, a remendar e confeccionar suas próprias roupas.33 E “como utilizar sabiamente os produtos que podem colher ou prontamente obter em sua região”.34
“Quando prego o evangelho aos pobres, sou instruída a dizer-lhes que tomem os alimentos mais nutritivos. … Mas ainda não chegamos ao tempo em que deverá ser prescrito o regime dietético mais rigoroso. ’35
“.. . educação em assuntos industriais e higiênicos. ”36
“Deve-se dar atenção ao estabelecimento de várias indústrias, para que famílias pobres possam assim encontrar colocação. ”37
Ou em lugares para os pobres em algum país.
“Devem ser produzidos alimentos saudáveis que possam ser supridos a preços que estejam ao seu alcance [ao alcance dos pobres dentre o nosso povo]. É desígnio do Senhor que as pessoas mais pobres de cada lugar se supram de alimentos saudáveis e baratos. Em muitos lugares deverão ser instaladas indústrias para a confecção desses alimentos.”38
Também devem ser realizadas cruzadas e campanhas para promover a temperança e despertar a consciência do mundo quanto aos pobres.39
4. Ação dos membros individuais da igreja:
a) “Devemos fazer nossa a condição de nosso irmão desafortunado.”40
b) ”… uma responsabilidade pessoal quanto a cuidar deles.”41
c) “Lembrai-vos dos pobres. … Dai regularmente.”42 Uma oferta semanal ou mensal.43
d) Falando acerca do povo de Deus, a serva do Senhor diz que eles devem privar-se de adornos desnecessários para aliviar os sofrimentos dos pobres.44
e) Todo cristão que entenda de algum ofício deve procurar ensiná-lo aos pobres.45
f) Deveres dos ricos na igreja:
“Os ricos devem fazer uma diferença em seus preços e salários a favor dos desafortunados e das viúvas, e dos pobres merecedores entre eles. ”46
“Se [um irmão] está aflito ou pobre . . ., deve-se fazer-lhe uma concessão, e mesmo não se lhe deve exigir o inteiro valor das coisas que compre dos abastados. ”47
Importantíssimos Conselhos Acerca Dessa Obra:
1. “Podemos dar aos pobres, e prejudicá-los, ensinando-os a depender de outros. … A verdadeira caridade ajuda os homens a se ajudarem a si mesmos. ”48
2. “Não é sábio dar indiscriminadamente a todo aquele que solicite nosso auxílio; porque podemos assim encorajar a ociosidade, a intemperança e a extravagância. ”49
Se a indolência não é corrigida, “tudo que se fizer em seu auxílio será como pôr riquezas em surrão sem fundo”.50
3. “Ninguém que possa ganhar a subsistência tem direito a depender de outros.”51
“É seu dever confiar em suas próprias energias.”52
“Mediante trabalho diligente, fazendo sábio uso de toda capacidade e aprendendo a não perder tempo, terão êxito em melhorar-se.”53
4. “Não era o dever dos ricos ajudar aos que possuem saúde e podem ajudar-se a si mesmos. ”54
5. Depois de dar-lhes conselhos e ajuda, “deixá-los então combater o combate da vida”.55
6. “Se toda a nossa atenção se concentrasse em aliviar as necessidades dos pobres, seria negligenciada a Causa de Deus.”56
“É desígnio do Senhor que as pessoas mais pobres de cada lugar se supram de alimentos saudáveis e baratos. Em muitos lugares deverão ser instaladas indústrias para a confecção desses alimentos.
Para terminar, algumas declarações mais proporcionam um quadro equilibrado do problema e suas soluções:
1. “Não era o propósito de Deus que deixasse de existir a pobreza no mundo. As fileiras da sociedade nunca haveriam de igualar-se, porque a diversidade de condições que caracterizam nossa raça é um dos meios pelos quais Deus Se propõe a provar e desenvolver o caráter. Muitos têm defendido com grande entusiasmo a igualdade entre todos os homens no tocante às bênçãos temporais de Deus; mas este não era o propósito do Criador. ”57
2. “Deus não exige que nossos ir-mãos tomem a seu cargo toda família pobre que abraça a mensagem. Caso o fizessem, os ministros teriam de deixar de entrar em novos campos, pois os fundos ficariam exauridos.”58
Enquanto continua a situação atual do mundo, haverá pessoas pobres; faz parte do plano de Deus que elas estejam aqui, mas não na terrível condição em que a indiferença e o egoísmo as deixou, especialmente nas cidades.59 Nossa obra, como membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia, deve começar com os pobres que estão dentro da igreja, ajudando, ensinando e socorrendo-os, mas de maneira prudente. Talvez hoje não seja possível seguir literalmente todos os conselhos que temos, porque algumas condições são diferentes; mas esses princípios e normas gerais nos ajudam a cumprir este, dever ético e teológico. A ingratidão e aparentes fracassos não devem desanimar-nos; não é, porém, dever da Igreja promover grandes modificações no mundo, tal como pretendem alguns sistemas de distribuição de bens. Há uma responsabilidade individual e também uma da igreja em geral.
Que mais podemos fazer? Nada mais .. ., mas também nada menos. E nós, como Igreja, no momento atual não estamos cumprindo nossa responsabilidade para com os pobres de maneira completa. Há, no entanto, uma alternativa clara e solene:
“Em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes.”60
“Em verdade vos digo que sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a Mim o deixastes de fazer.”61
E assim se determinará o destino eterno individual.
“Se |um irmão] está aflito ou pobre .. deve-se fazer-lhe uma concessão, e mesmo não se lhe deve exigir o inteiro valor das coisas que compre dos abastados. ”
Bibliografia
1. S. Tiago 5:7 e 8.
2. S. Mateus 5:3 e 5.
3. Test. Para Ministros, pág. 280.
4. Test. Seletos, vol. 2, pág. 507.
5. Orientação da Criança, pág. 135.
6. Parábolas de Jesus, pág. 247.
7. Test. Seletos, vol. 1, pág. 92.
8. Ibidem.
9. Ibidem.
10. Idem, pág. 93.
11. Testimonies, vol. 2, pág. 94.
12. Ibidem.
13. Parábolas de Jesus, págs. 247 e 248.
14. A Ciência do Bom Viver, pág. 190.
15. Test. Seletos, vol. 2, págs. 508 e 509.
16. Deuteronômio 15:11.
17. S. Mateus 26:11.
18. Test. Seletos, vol. 1, pág. 93.
19. Idem, pág. 361.
20. Idem, vol. 2, pág. 499.
21. Idem, vol. 1, pág. 93.
22. Idem, pág. 370.
23. Idem, vol. 2, pág. 499.
24. A Ciência do Bom Viver, pág. 205.
25. O Desejado de Todas as Nações, ed. pop., pág. 613.
26. A Ciência do Bom Viver, pág. 183.
27. ITS, 547; ITS. 465; PP, 565-572, PR. 651; Êxodo 22:25; Deut. 23:19, etc.
28. Testimonies, vol. 4, pág. 509.
29. Beneficência Social, pág. 181.
30. Test. Seletos, vol. 2, pág. 516.
31. Idem, pág. 507.
32. Ibidem.
33. Ibidem.
34. Medicina e Salvação, pág. 262.
35. Test. Seletos, vol. 3, pág. 363.
36. A Ciência do Bom Viver, pág. 192.
37. Idem, pág. 193.
38. Test. Seletos, vol. 3, pág. 133.
39. A Ciência do Bom Viver, págs. 342 e 343.
40. Beneficência Social, pág. 210.
41. A Ciência do Bom Viver, pág. 201.
42. Test. Seletos, vol. 2, pág. 42.
43. Ibidem.
44. Beneficência Social, pág. 270.
45. A Ciência do Bom Viver, pág. 193.
46. Spiritual Gifts, vol. 2, pág. 235.
47. Test. Seletos, vol. 1, pág. 57.
48. Beneficência Social, pág. 199.
49. Mordomia e Prosperidade, pág. 163.
50. Parábolas de Jesus, pág. 247.
51. Test. Seletos, vol. 2, pág. 516.
52. Testimonies, vol. 1, pág. 535.
53. Idem, vol. 6, pág. 189.
54. Spiritual Gifts, vol. 2, pág. 120.
55. Beneficência Social, pág. 187.
56. Testimonies, vol. 4, pág. 551.
57. Idem, vol. 4, pág. 552.
58. Test. Seletos, vol. 1, pág. 92.
59. Idem, vol. 2, pág. 513; vol. 3, pág. 327; vol. 3, págs. 281-283, O Desejado, pág. 613; Profetas e Reis, pág. 650; Educação, pág. 224; A Ciência do Bom Viver, pág. 158; Obreiros Evangélicos, pág. 384; Temperança, pág. 230.
60. S. Mateus 25:40.
61. S. Mateus 25:45.