E. MAGALHÃES NORONHA

As penas da antiguidade revestiam-se de caráter acentuadamente cruel e, além disso, não se destinavam sòmente aos criminosos, mas aos escravos também, que, por mero capricho do senhor, eram executados.

A decapitação, o suplício da roda, o enforcamento, a crucifixão, a lapidação, os sacrifícios humanos, o afogamento, o fogo, o sepultamento em vida, o esquartejamento, a precipitação e outras, compunham o cortejo sinistro que acompanhava o homem naqueles tempos.

Hoje, finda a semana em que a cristandade se entrega à adoração do Senhor Morto, vem-nos à lembrança a pena que, em um simúlacro de processo, Lhe foi infligida por Pilatos, diante da imposição dos príncipes do Sinédrio: a crucifixão.

Remontando à sua origem, parece-nos que foi aplicada pela primeira vez na Asia Menor. A princípio não era usada a cruz, mas uma estaca, a que era amarrado o réu.

Roma conheceu-a também. Destinava-se aos escravos, considerados coisas, “res non persona.” Conta-se que o Sextertium, onde se costumava sacrificá-los, assemelhava-se, às vêzes, a um bosque, de tantas cruzes levantadas. Era uma pena infamante, e os juristas justinianos tinham-na como “summum supplicium”.

De fato, tratava-se do suplício, porque era das execuções que se destinavam a prolongar a agonia do condenado, advindo a morte geralmente pela sêde, a fome ou o ataque dos abutres. Narram-se casos de sentenciados que resistiram ao martírio durante três, quatro ou cinco dias. Não obs-tava mesmo que do alto do madeiro, o crucificado se dirigisse aos presentes — autoridades e multidão — ora pedindo-lhes graça, ora exprobando-lhes o comportamento, como sucedeu com certo general cartaginês, acusado de querer bandear-se para o inimigo, com seu exército.

Havia na crucifixão um ritual em que castigos corporais entravam. Primeiramente, fustigava-se o condenado; a seguir, depunha-se-lhe sôbre o ombro a cruz que tinha que levar até ao sítio da execução e ligavam-se àquela seus braços. Encetava-se, assim a caminhada lúgubre. Depois, já no local escolhido, erguia-se o lenho com o corpo crucificado. Novo açoitamento e, então … a espera da morte entre dores e tormentos atrozes. Mais tarde quebravam-se as pernas do cadáver e retiravam-no da cruz.

Com exceção da fratura dos membros, por tudo passou Jesus. Depois da farsa de Pilatos, mandando-O a Herodes, que O não julgou e O devolveu coberto de um manto branco, o manto dos loucos; depois da vacilação do governador da Judéia, que não achava culpa no Justo e por isso O não queria crucificar, lançando mão primeiro do indulto, que costumava conceder pela Páscoa, mas que redundou na soltura de Barrabás; após procurar a comutação da pena pela flagelação e vilipêndio, que de nada valeram, pois a turba continuava a exigir a crucifixão, cedeu aquêle juiz covarde, ante a frase bradada pela multidão que o fêz vacilar no alto do Litostropos: “Não temos outro rei, senão a César”.

Carregou o Salvador a cruz até ao Gólgota. Aí foi crucificado, tendo por companheiros Dimas e Gestas. Sofreu como qualquer mortal o suplício da pena. Teve sêde. Deram-Lhe vinagre numa esponja colocada num hissope. Depois o fim: “Está consumado” e “Pai, nas Tuas mãos deponho o Meu espírito”.

Ao contrário do que geralmente sucedia, a agonia de Jesus não foi das mais lentas: durou seis horas. Como narra S. Marcos, foi Êle crucificado à hora 3a. ou 9 horas, e morreu à hora 9a. ou 15 horas. A ciência tem procurado investigar qual a causa do exício relativamente rápido mas é óbvio que só hipóteses e conjeturas podem ser feitas; síncope facilitada por um derrame pleural; síncope de deglutição; rotura do coração; choque emotivo, etc. É o humano a querer perscrutar o divino. O Filho de Deus tinha cumprido Sua missão: dar testemunho da verdade. Nada mais havia, pois, que fazer entre os homens.

E hoje, passados vinte séculos, quando procuramos viver aquêle momento supremo para todos nós, não é possível espancar da imaginação o lenho onde Jesus foi martirizado e expirou. Dir-se-ia que vemos ainda aquela cruz ereta no outeiro do Calvário, para tôda a eternidade, a atestar que de suplício infamante de escravos tornou-se um símbolo sagrado: o da redenção da humanidade.

Meu Senhor – e Eu

O Dr. F. B. MEYER conta bela história de uma meninazinha residente num hotel de verão.

Estava ela nessa idade probante em que os dedos pequenos começam a deslisar sôbre o teclado do piano, tocando por vêzes notas erradas em lugar das certas, e não muito sensível à angústia que essas tentativas são capazes de infligir em outros, Um músico brilhante hospedou-se também no mesmo hotel. Êle a observou por algum tempo, e sentou-se afinal ao lado da pequena executante. Pôs-se, então, a acompanhá-la com as mais estranhas improvisações. Cada nota dela lhe dava novo motivo para acordes de surpreendente beleza, enquanto tôdas as pessoas presentes no salão escutavam, enlevadas. Terminada a execução, o grande músico tomou pela mão a menina, dizendo aos ouvintes que a ela eram devedores pela música que acabavam de ouvir. Os esforços dela é que o haviam levado ao magnífico acompanhamento, mas a sua atuação havia tomado memorável a ocasião.

A presença do Senhor com o cristão é que faz a diferença. Separados dÊle nada aceitável pode-mos realizar. Se chegamos a realizá-lo é porque Êle opera conosco e por nosso intermédio. A Êle seja a glória! — Illustrations for Preachers and Speakers, por Keith L. Brooks.