Em reunião havida entre os teólogos adventistas do sétimo dia e representantes do Concilio Mundial de Igrejas, os representantes deste grupo pediram que se apresentasse uma afirmação clara e concisa por parte dos adventistas, quanto à posição de nossa igreja sobre a natureza e a missão da igreja. Os Drs. Raoul Dederen e Gottfried , do Seminário Teológico da Andrews University, receberam a incumbência de preparar cada um um documento de 15 páginas, o primeiro sobre a natureza da igreja, e o segundo sobre a missão da igreja. Esses documentos foram preparados e debatidos numa reunião especial em julho de 1971. Entendemos que nossos leitores estariam interessados em possuir esse material.

UMA INTERPRETAÇÃO ADVENTISTA

“PERTENCER à igreja de Deus é um privilégio único e que produz na alma grande satisfação. Deus tem o propósito de reunir um povo desde os distantes confins da Terra, a fim de constituí-lo em um único corpo, o corpo de Cristo, a igreja, da qual Ele é a Cabeça viva. Todos quantos são filhos de Deus em Cristo Jesus, são membros de Seu corpo, e dentro desta relação podem desfrutar o companheirismo mútuo e de companheirismo com seu Senhor e Mestre.”

Estes são os termos com que o Manual da Igreja, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, introduz o assunto da igreja de Deus.1 Eles vêm a propósito. quando se deseja uma definição do assunto. Não há, claro, nenhuma formal definição adventista de igreja que possa ser fonte de autoridade. O uso da palavra no Manual da Igreja não é uma tentativa de prover-nos com uma explicação abstrata. Precisamos antes retornar à realidade histórica da igreja do Novo Testamento, como comunidade religiosa que, sob o poder do Espírito Santo, reconheceu a soberania de Jesus de Nazaré.

A Igreja no Realismo do Concerto

O próprio uso da palavra grega ekklesía, para designar a gloriosa realidade a que pertencia a primitiva igreja cristã, parece sugerir de sua parte uma clara concepção do que o termo significa. Não era um termo novo, sem dúvida alguma. Usado para designar as assembléias populares no governo das cidades-estados da Grécia, havia adquirido significado religioso na Septuaginta como “congregação de Israel,” o povo teocrático judeu. Esta parece ser uma das idéias dominantes da primitiva igreja cristã, quando usa o termo ekklesía, considerado em si mesmo ser “o Israel de Deus” (Gál. 6:16), a verdadeira continuação dos eleitos de Deus. Os que viviam inteiramente pela fé em Deus, embora biologicamente não descendentes de Abraão como “filhos da carne,” haviam-se tornado descendentes espirituais de Abraão, “filhos da promessa.”2

A obra especial de Deus para salvação da humanidade caída e o início de Sua igreja, estão relacionados na história do concerto que Ele fez com

Abraão e sua posteridade, de que Israel seria posto em particular relação com Jeová, relação esta diferente da que existia entre Deus e os pagãos. Deus era ainda Senhor dos incircuncisos, mas era o Deus de Israel num sentido especialíssimo. A religião bíblica é claramente uma religião de concerto, que, no caso de Israel, encontra sua clássica expressão em Êxo. 19:3-6.

“Subiu Moisés a Deus e do monte o Senhor o chamou e lhe disse: Assim falarás à casa de Jacó, e anunciarás aos filhos de Israel: Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águia, e vos cheguei a Mim. Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a Minha voz, e guardardes o Meu concerto, então sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a Terra é Minha. Vós Me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel.”

Nesta passagem somos postos em face da noção bíblica de igreja, sua missão e tarefa. Deus escolhe Israel para salvação — não salvação dos descendentes de Abraão somente, mas salvação de todo o mundo. Israel deve ser um reino de sacerdotes, cuja tarefa é comunicar o conhecimento de Deus a toda a humanidade. Esta nação sacerdotal, a igreja do Êxodo e da Tora é, com efeito, a luz destinada a iluminar todos os homens (Isa. 43:10; Zac. 8:23). Quando terminou de ler os mandamentos de Deus e o povo respondeu: Faremos tudo que o Senhor tem dito (Êxo. 24:7), Moisés selou o concerto, derramando sangue da oferta de animal sobre o povo, declarando. “Eis aqui o sangue do concerto que o Senhor fez convosco a respeito de todas estas palavras” (Êxo. 24:8).

Uma Questão de Continuidade

A igreja cristã primitiva declarava ser a continuação de Israel, povo este a quem Deus escolhera antes da vinda de Jesus. Desde o princípio eles compreenderam sua existência cristã na perspectiva do anúncio messiânico e seu cumprimento, perspectiva visível no Velho Testamento. Isto implicava uma teologia muito definida de história: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o Universo” (Heb. 1:1 e 2). Os dias de expectativa haviam passado. O dia do Senhor tinho vindo. Por tudo isto, entretanto, o novo concerto inaugurado pelo Senhor Jesus e selado pelo Espírito Santo no dia do Pentecostes era apenas um concerto do passado, restaurado, cumprido, reassumido e renovado. A igreja cristã identifica-se claramente com o verdadeiro Israel de Deus, do qual era o remanescente.

Esta audaciosa reinterpretação do plano da salvação revelado no Velho Testamento é obviamente o resultado da própria afirmação de Jesus de que Sua vida e morte eram o cumprimento não apenas das profecias do Velho Testamento, mas também de todo o sistema sacrifical de Israel. “E disse-lhes,” escreve Marcos, “este é o Meu sangue, o sangue do novo concerto derramado em favor de muitos” (S. Marcos 14:24). A expressão “sangue do concerto” parece tirada diretamente de Êxo. 24:8. Segundo o relato paulíneo, Jesus declarou: “Este copo é o novo concerto em Meu sangue” (I Cor. 11:25), assim explicitamente referindo-se à profecia de Jeremias sobre o dia em que o Senhor haveria de fazer um novo concerto com a casa de Israel e a casa de Judá (ver Jer. 31:31-33). Assim, no Novo Testamento, a igreja de Jesus Cristo é descrita como o novo Israel, estabelecido por meio do concerto no sangue do Messias. A igreja cristã é a herdeira dos privilégios espirituais e responsabilidades que uma vez pertenceram ao Israel do passado. Sem dúvida, com Êxodo 19 em mente, Pedro podia es-crever: “Vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as maravilhas dAquele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz. Vós, que antes não éreis povo, mas agora sois povo de Deus”(I S. Pedro 2:9 e 10).

Uma Assembléia Congregada por Deus

Não há como, fora da fé, se possa afirmar a realidade da igreja. Somente a fé pode declarar que certos fatos procedem de divina intervenção na História e, significando a presença de Deus, são constitutivos de uma realidade específica que é chamada igreja. Fora da fé, a igreja é meramente uma associação baseada em algum instinto social, algum impulso de mútua afeição ou qualquer outra atração natural, reunindo pessoas e mantendo-as unidas.

A igreja é uma realidade sociológica, uma sociedade humana, temporal, naturalmente, visível, e ainda “neste mundo,” e nesse sentido comparável a outros grupamentos de homens. Mas ela é mais do que meramente uma comunidade humana, pois é antes de tudo uma assembléia congregada por Deus. Aqueles que ela congrega são crentes, pessoas que responderam ao chamado de Deus, e com quem Ele renova a relação de concerto, a associação original como de um Pai. O Senhor é quem atrai e congrega — Cristo habitando no crente, enxertando-o em Si, a fim de torná-lo participante de Suas riquezas. Esta excepcional conjunção pela qual Cristo Se une ao crente e o crente a Ele, expressa as convicções da primeira igreja de que a igreja cristã transcende de muito as dimensões de uma sociedade estritamente humana. Aí existe lado a lado, cremos, o elemento divino objetivo, e a subjetiva e humana dimensão, dois elementos que precisam, ambos, ser reconhecidos em sua relação, a fim de podermos ter uma correta compreensão da idéia de igreja segundo o Novo Testamento.

Imagens da Igreja

A inseparável conexão entre Cristo e a igreja é ostensivamente notória para o leitor cristão mediante as imagens usadas na Bíblia. Assim é a igreja descrita de formas várias, entre elas como rebanho, edifício, noiva, bem como o corpo de Cristo.

O primeiro símbolo, a imagem pastoral do rebanho do qual Cristo é o “Bom Pastor” (S. João 10:1-16; S. Lucas 12:32)3, ainda tem imediata relevância num século de industrialização. Ela nos lembra que os discípulos de Cristo são separados, vivendo individualmente, cada um necessitando do cuidado e proteção do pastor, o que eles só podem ter se seguirem a Cristo, com Ele unidos.

Quando o Novo Testamento retrata a igreja como casa de Deus, construída “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo Ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular, no qual todo edifício bem ajustado cresce para santuário dedicado ao Senhor” (Efés. 2:19-21)4, há pouca dúvida quanto ao propósito do significado da metáfora. A igreja deve ser única, o sinal da presença de Deus na História. Sempre em edificação, pois jamais será concluída na terra até que o final propósito de Deus seja consumado — Cristo mantém-na unida e a modela.

Poucas figuras podem sobrepujar a da noiva e o noivo, metáfora que muito adequadamente ilustra aquela relação entre Cristo e Sua ekklesía, que encontramos em Efés. 5:21-33. A frase espontaneamente chama-nos a atenção para a intimidade do casamento tantas vezes usado como ilustração no velho Testamento, a fim de representar a relação existente entre Deus e o Seu povo,5 e que Jesus adotou quando Se referiu a Si mesmo como o noivo (S. Marcos 2:20). Ela dá ênfase ao amor de Cristo por Sua igreja, o amor de Cristo que Se sacrificou por Seu povo, de modo que pudesse ser “uma carne” com Ele. De importância pelo menos igual, por outro lado, estão as implicações de obediência, pureza e respondência ao amor que a noiva de Cristo deve possuir. Incondicionalmente sujeita a seu Senhor, a igreja tira o seu sustento de Cristo somente.

Permanece, porém, o fato de que o conceito da igreja como corpo de Cristo, provavelmente mais do que qualquer outro símbolo, salienta o grau a que Cristo enche Sua ekklesía com as riquezas de Sua glória (Efés. l:18-23).6 Ele de contínuo distribui em Seu corpo dons de ministração, a fim de que seus membros possam refletir os Seus traços de caráter em sua própria vida e pôr em ação os Seus propósitos de graça (Efés. 4:11-16). Cristo é a cabeça da igreja, da mesma forma como é a fonte de seu nutrimento, crescimento, direção e união. Visto que Cristo é o espírito animador, a vida da igreja, todos os membros devem ser modelados nEle, até que Cristo seja neles formado. (Ver Gál. 4:19). Não há lugar aqui para divisão ou seccionamento, visto que se trata de “um só corpo” (Col. 3:15), do qual todos os crentes são membros.

Essas diferentes imagens significativas para a instrução da comunidade cristã, indicam que para os escritores do Novo Testamento, a igreja não é mais separável de Cristo do que Cristo é separável de Deus.

A Igreja e o Espírito

Separada de Cristo a ekklesía cristã não é mais a igreja em qualquer verdadeiro sentido. Nem pode ela existir sem o Espírito Santo. A presença eficaz do Espírito não é menos essencial à vida da igreja do que a contínua presença de Cristo. A própria fé que caracteriza o crente é, segundo o Novo Testamento, obra do dom do Espírito. “Ninguém pode dizer: Senhor Jesus! senão pelo Espírito Santo” (I Cor. 12:3). Como o Senhor prometeu, o Espírito guiaria “em toda a verdade” (S. João 16:13). Sem a presença e operação do Espírito Santo a igreja é inconcebível.

Esta inseparabilidade da igreja e o Espírito é sublinhada com particular força no acontecimento do Pentecostes. O dia em que ficou marcada a real constituição da igreja, foi também o dia em que os discípulos “foram todos cheios do Espírito Santo,” quando o Espírito foi derramado sobre eles (Atos 2:4). Não que não tivesse existido o testemunho da operação do Espírito Santo em tempos pré-cristãos, mas ambos, o testemunho de Jesus e a convicção dos apóstolos, dizem-nos no Novo Testamento que nesse dia começou um nova espécie de vida, que são os dons espirituais (S. João 14:16 e 17; Atos, cap. 2). Este foi um verdadeiro encontro entre o homem e o Espírito divino.

A obra do Espírito, como efetuada na comunidade cristã, é de grande significação para a igreja. Sendo uma pessoa, Ele trata conosco como pessoas. Uma vez que o Seu ministério é a continuada seqüência da encarnação, Ele ilumina a mente do homem e o capacita a reconhecer a presença de Jesus. Por meio de Cristo não é mais a figura do passado, nem nosso conhecimento a Seu respeito meros dados biográficos, mas profundo e real companheirismo pessoal, uma relação entre Pessoa e pessoas. Cristo vem a nós diariamente no Espírito Santo, o qual nos chama não apenas para a fé, mas também para o discipulado. “Guiados pelo Espírito de Deus” (Rom. 8:14), a uma filial relação com Deus, somos também “chamados em um corpo’’ de Cristo (Col. 3:15), onde participamos na Koinonia do Espírito e de Cristo.7 É nesta unidade de pensamento e de mente que a vida do crente cheio do Espírito dá os “frutos dos Espírito” que, segundo o apóstolo é “caridade, gozo, paz, longanimidade, bondade, fé, mansidão, temperança” (Gál. 5:22 e 23).

Além desses atributos da vida cristã que são os “frutos” do Espírito operando em favor de todos aqueles que são por Ele guiados, há dons espirituais particulares, ou charismata que são dados a certos membros da igreja em graus variáveis até o fim do tempo. Essas são qualidades e faculdades concedidas aos crentes para o serviço da igreja (Rom. 12:6-8). Foram providos para a igreja quando Jesus subiu ao Céu (Efés. 4:8-14). Descritos como, dados por Cristo (verso 11), crê-se também que são distribuídos pelo Espírito, quando a chuva serôdia parecer mais necessária (I Cor. 12:11), para o propósito de corrigir e unir os santos, bem como para preparar a igreja para a vinda do Senhor.

A Igreja e a Palavra de Deus

A igreja não existe por amor de si mesma. Deus a adquiriu como Sua especial possessão, a fim de que ela anuncie as virtudes dAquele que a chamou das trevas para Sua maravilhosa luz (I S. Ped. 2:9). Ela existe a fim de levar a cabo a missão que lhes foi dada por Jesus Cristo. Assim como Cristo veio para fazer a obra que o Pai Lhe dera, a igreja, sendo “o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que perecem” (II Cor. 2:15), assume a responsabilidade de espalhar a fragrância do conhecimento de Deus em toda parte.

Constantemente posta em face do problema de sua autoridade no curso em que leva sua missão, a igreja cristã volta-se e busca em Cristo, sua Cabeça, a guia e direção. NEle, recebido como a Palavra de Deus encarnada e vivendo entre os homens, ela encontra a única fonte autorizada de suas decisões e escolha. Ser um cristão significa dizer Sim a Ele e aceitá-Lo sem reservas como sua autoridade.

A religião cristã não é, em primeiro lugar, a aceitação de um credo nem o seguimento de um código moral. Em sua mais íntima essência ela é, como no caso dos apóstolos, uma entrega a uma pessoa, a Jesus Cristo. Como com apóstolos, é também conosco. Ê o próprio Jesus Cristo, e não algum ensinamento sobre Ele, que é a Palavra de Deus para a igreja. A fim de nos ajudar, séculos mais tarde, a reconhecer o Espírito de Cristo e estabelecer com o Senhor aquela espécie de relação que os apóstolos experimentaram, a Palavra de Deus vem a nós em forma escrita, ou em linguagem falada. A palavra escrita dos apóstolos não é, naturalmente, idêntica à Palavra divina em Si, uma vez que a linguagem humana participa de nossas fraquezas. Mas ela é o meio escolhido pelo qual Deus nos fala. O único Cristo que conhecemos é o Cristo dos apóstolos e do testemunho deles. Isto explica, cremos, por que os escritores do Novo Testamento esperavam que os que recebessem suas mensagens as considerassem como “a Palavra de Deus” (I Tes. 2:13), e como “mandamento do Senhor” (I Cor. 14:37).

A pregação sincera da Palavra de Deus como encontrada nas Escrituras, portanto, não é certamente um aspecto secundário ou acidental da vida da igreja. Aqui está sua autoridade. A igreja firma-se e cai com a Palavra escrita, pois esses escritos são a forma legível do testemunho dos apóstolos para com a revelação de Deus em Jesus Cristo, como João frisa quando escreve: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, com respeito ao verbo da vida. .. anunciamos também a vós, para que vós igualmente mantenhais comunhão conosco” (I S. João 1:1 e 3). Pela fé e baseado no testemunho de Cristo e dos apóstolos, a igreja cristã aceita as Escrituras do Velho e do Novo Testamentos como Palavra autorizada de Deus. É aqui que ele pode, e precisa, em cada geração, de tal modo aprender a conhecer a Cristo que possa saber com que autoridade enfrenta um mundo que cada vez mais põe em dúvida o seu direito de falar.

A Santidade da Igreja de Deus

Em virtude da justiça mediadora de seu Senhor, a igreja cuja comunhão é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo” (I S. João 1:3), é considerada diante dEle como santa. Ela pode apropriadamente ser chamada uma comunidade de santos, pois seus membros, que pela fé se têm beneficiado do perdão de Deus, reentraram assim no divino concerto, a comunhão divina.

Esta santidade é antes de tudo uma santidade do homem interior, que encontra sua expressão em manifestação exterior de vida. Mas ela leva também a noção de separação, de pôr à parte. Este aspecto é definidamente salientado no Israel antigo e retido pelo Novo Testamento. O povo de Deus não pode ser confundido com outros. A fé sempre se manifesta só. A igreja é santa porque é separada do espírito do mundo, e é consagrada a Deus, e afirma a objetiva autoridade de Jesus Cristo sobre todos os seus membros.

A Igreja É Apostólica

Chamada por Deus, nutrida por Sua Palavra, e considerada santa por Ele, a igreja se contradiría a si mesma, entretanto, se se insulasse em contemplação, em ações de graças ou mesmo em intercessão. A igreja é também apostólica. Isto lembra que Jesus, como seu Senhor, chamou-a, e então enviou em missão os que aprenderam dEle a mensagem do evangelho. Eles se tornaram re

cipientes e depositários de Sua Palavra, bem como Seus mensageiros. Aonde quer que fossem eram enviados de Cristo, ou apóstolos, no sentido básico do termo no Novo Testamento, Seus representantes e embaixadores, levando Sua mensagem de reconciliação (II Cor. 5:17-21). “Quem vos der ouvidos, ouve-Me a Mim,” Jesus explicou (S. Luc. 10:16). A igreja, portanto, é apostólica, uma vez que é mensageira de Cristo à humanidade. Parece fútil elaborar o fato de que a frutificação para o evangelho de Cristo implica, concretamente, fidelidade aos escritos apostólicos. Ser “apóstolo” significa também “perseverar na doutrina dos apóstolos e na comunhão” (Atos 2:42). A igreja será apostólica até o ponto em que esteja dando ouvidos aos ensinos dos apóstolos como expostos nas Escrituras, começar com os quais é a condição sobre que a autoridade de Cristo se fará sentir.

A Igreja, Visível e Invisível

A condição de membro na igreja é sempre a resposta a um divino convite. Os homens são trazidos à igreja porque foram cativados pela figura de Jesus Cristo, que os convida a partilhar da tarefa de dar explícito testemunho do que aconteceu, está acontecendo e acontecerá na His-tória. Da mesma forma como somente Deus conhece os que têm respondido, Ele somente conhece os limites da igreja.

Nem todos os que são de Israel são israelitas, o apóstolo afirma, nem é circuncisão o que é somente na carne (ver Rom. 2:25-29). Todos sabiam que Natanael era israelita; mas somente o Senhor sabia que ele* era alguém em quem não havia dolo. Ao falar de uma igreja visível e uma igreja invisível, os adventistas do sétimo dia não se referem a duas igrejas diferentes, mas a dois aspectos da igreja de Cristo. Como existe sobre a Terra, a igreja é ao mesmo tempo visível e invisível. Diz-se que invisível porque sua natureza espiritual só é perceptível pela fé, e também porque é impossível determinar de modo infalível, quem a ela pertence e quem não pertence. A igreja invisível na Terra é esse grupo de pessoas que pertencem ao concerto da graça, receberam o Espírito Santo e são membros do corpo de Cristo.

A idéia de invisibilidade, portanto, conquanto expressando a transcendência e unidade da igreja, não é uma tentativa de nossa parte de descartar a realidade temporal e a vida da igreja. A igreja invisível assume forma visível numa organização externa por meio da qual ela se expressa. A igreja torna-se visível na profissão e conduta cristã, no ministério da Palavra e dos sacramentos, bem como na organização externa e no governo.

Os adventistas do sétimo dia reconhecem que Cristo está operando nas igrejas cristãs e por meio delas. Sustentam que Deus tem fervorosos seguidores em todas as comunhões cristãs, e até mesmo além dos muros do cristianismo. Ao mesmo tempo, entretanto, insistem em declarar que dentre as igrejas cristãs, a igreja adventista do sétimo dia ocupa posição única. Consideram-se povo da profecia. Crêem que Deus profeticamente ordenou — como se comprova de Apoc. 14:6-12 —que nos últimos dias haveria o despertamento de um movimento religioso que deveria advertir o mundo sobre a iminente volta de Cristo, e procuraria preparar os homens para o dia de Deus, fazendo-os retornar ao caminho da plena conformidade com os ensinos das Escrituras. Assim como o povo de Deus nos antigos tempos fora chamado para deixar a Babilônia literal (ver Isa. 48:20; Jer. 50:8; 51:6 e 45), e voltar para Jerusalém, o Seu povo hoje é chamado a sair da Babilônia mística, para que não receba das suas pragas (ver Apoc. 18:4), mas seja considerado digno de entrar na Nova Jerusalém. Pseudo-epígrafos e escritores do cristianismo nascente identificaram a Babilônia mística com a Roma dos Césares. Dois séculos antes da Reforma alguns começaram a aplicar a metáfora à Roma papal. Não é chegado o tempo ainda, mas os adventistas entendem que imediatamente antes dos acontecimentos finais, esta metáfora incluirá todas as denominações cristãs cujo apego a tradições humanas e ao mundo tem prioridade sobre seu apego a Cristo — o que se pode medir por seu modo de vida. A proclamação para deixar Babilônia porá a descoberto um grupo de cristãos responsáveis — algumas vezes mencionados como “a igreja remanescente” — dos quais se diz que “guardam os mandamentos de Deus, e a fé de Jesus” (Apoc. 14:12). Esta compreensão não significa que os adventistas do sétimo dia se considerem melhores cristãos do que outros. Isto tem que ver com a igreja adventista como um movimento profético ao qual se confiou uma mensagem profética para todo o mundo.

A Igreja e os Sacramentos

Do exposto deve ficar claro que os adventistas do sétimo dia consideram a igreja como uma comunhão de homens que, chamados pelo Espírito Santo, estão ligados em viva fé e obediência à Palavra d;vina. Esta igreja é universal, pois não é a igreja de um determinado país, de uma específica geração ou cultura. Ela transcende todas as suas realidades locais e temporais, que são apenas formas provisionais, até que chegue o dia glorioso de Sua volta.

O batismo é o sinal de entrada para a igreja, o qual confirma o nascimento espiritual da pessoa na família de Deus. O batismo cristão não é um batismo de água apenas, mas é também o batismo do Espírito. Há um vínculo indissolúvel entre o batismo cristão e o dom do Espírito. Ele é um sinal não apenas de arrependimento e perdão, de morte e ressurreição com Cristo (Rom. 6:3-11), mas também de recebimento do Espírito Santo (I Cor. 12: 3). Todo o que é batizado não mais pertence ao mundo e não está mais sujeito a ele. Deseja ser reconhecido como estando sob a autoridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Pertence a Cristo somente, e relaciona-se com o mundo apenas por meio de Cristo.

Se o batismo é o sinal visível de nossa entrada na família de Deus, a Santa Ceia, precedida pela lavagem dos pés, representa tudo que Deus tem feito por nós, está fazendo e fará até o fim dos séculos. A participação no pão e no cálice é nossa demonstração ou anúncio da morte do Senhor, até que venha (I Cor. 11:23-26).

Batismo, Ceia do Senhor e pregação da Palavra estão intimamente relacionados como expressões do verdadeiro culto cristão. O culto não é alguma coisa que o homem faz para Deus, mas é antes a resposta do homem ao que Deus já fez por ele. Aqui a família de Deus se reúne em Sua presença para glorificá-Lo. Embora a relação da pessoa com Cristo envolva decisão pessoal, todavia ser salvo significa ser salvo na comunidade e não isoladamente. Ser salvo significa pertencer ao grupo dos salvos, pertencer à igreja, onde, nos primeiros tempos do cristianismo, como diz o evangelista, “todos os que creram estavam juntos” (Atos 2:44).

União da Igreja

O culto cristão e os sacramentos são também sinais externos da redescoberta união do povo de Deus, uma união readquirida em Jesus Cristo. Dispersos e opostos uns aos outros por tudo que o pecado adiciona às naturais idiossincrasias do homem, que se converte em divisões e hostilidades, mediante sua fé em Cristo os homens recobram a unidade de sua origem e do seu destino. Pela fé eles são um, pois são agora participantes de um e único Filho de Deus, que a Si mesmo Se deu para salvá-los e fundar a igreja. Esta união é claramente manifestada pela intercessão sacerdotal de Jesus, com base na qual Ele orou: “Que sejam um, assim como nós . . . como és Tu, ó Pai, em Mim e Eu em Ti, para que o mundo creia que Tu Me enviaste” (S. João 17:11 e 21.) A própria natureza da igreja demanda isto, como Paulo o indica em sua epístola aos filipenses (Fil. 4:4-6).

Os adventistas do sétimo dia deploram as divisões na família de Deus. Não professam que a união da igreja é de natureza tão espiritual, tão indivisível, que as divisões que laceram o corpo de Cristo devam ser consideradas de nenhuma importância. A união cristã, naturalmente, não significa para nós uniformidade. A união cristã envolve diversificação, como variações no culto e na forma de governo. Esta própria diversificação acrescenta interesse e beleza à vida do corpo. Ao mesmo tempo, entretanto, sustentamos que a oração de Cristo, “assim como nós” pede uma comunhão em espírito, mente e caráter pela qual os cristãos devem ser um em suas crenças principais em suas verdades fundamentais da Palavra de Deus. Fé em Jesus Cristo somente não expressa a plenitude da união cristã que, entendemos, está conectada tanto com a fé como com o conhecimento (Efés. 4:13). Ninguém pode isolar a questão de união com a questão da verdade. Os dois estão inseparavelmente unidos, uma vez que a união cristã é essencial não somente para prover provas de convicção de que as declarações de Cristo com respeito a Si mesmo eram verdadeiras (S. João 17:21), mas para tornar possível o cumprimento da comissão evangélica “em todo o mundo” (S. Mat. 24:14).

Eclesiologia e Escatologia

A igreja de Deus não deriva de baixo, mas de cima. É uma divina criação. Formada na História, ao chamar Deus um remanescente, Israel, e entrar em comunhão com ele, por quem todas as pessoas da Terra deviam ser abençoadas, foi-lhe dada uma nova forma em Jesus Cristo. No poder do Espírito Santo, Ele congregou e reconstruiu o povo de Deus em Sua Pessoa, de modo que a comunhão cristã pudesse desempenhar um papel na história da salvação. Ela deve, porém, tomar uma final e eterna forma, quando Cristo vier outra vez para renovar Sua criação. Então Sua igreja será vista “gloriosa, sem mácula, nem ruga” (Efés. 5:27).

A iminente segunda vinda de Cristo é a mais preeminente crença da fé adventista, como o indica o nosso nome denominacional. Parece que o fato distintivo que tem posto os adventistas à parte de outros cristãos é sua convicção de que o entendimento cristão de redenção individual por meio de Cristo inclui o cumprimento e o aperfeiçoamento do povo de Deus dentro do reino escatológico. Este reino, naturalmente, é tanto presente como futuro: presente em Jesus e em Sua igreja onde está “começando” e futuro no ato final que representará o fim da História, quando estará “completo.” A vontade e a obra de Deus estarão consumadas.

A igreja surgiu como resultado da encarnação. Tem servido desde então como ponte, um elo vivo entre a ressurreição de Cristo e Sua volta. Ela vive entre o “já” do primeiro e o “ainda não” do segundo. Entre o tempo de semeadura e o tempo da colheita, entre o tempo do Messias sofredor e o dia do Seu glorioso aparecimento, a igreja é peregrina, nunca tudo que tem sido e nunca tudo que será. Ela abrange a realidade de as expressões do passado e do presente poderem nos dar apenas uma idéia imperfeita, sujeitada como está às limitações da criação. Ela está na rota para um reino real de união e amor em que “naquele dia” será plenamente compreendido o significado da vida que foi desvelado em Jesus de Nazaré. Entrementes, fraca e defeituosa como possa ser, ela é, na Terra, o objeto do supremo cuidado do Senhor, aguardando em esperança o final aperfeiçoamento, quando o propósito de Deus em elegê-la será plenamente manifesto.

  • 1. Editado pela Associação Geral e adotado em todo o mundo como normativo para a igreja adventista do sétimo dia.
  • 2. Ver Rom. 4:12; 9:8. Conf. com Fil. 3:3; I S. Pedro 2:9.
  • 3. Ver também Atos 20:28 e 29; Heb. 13:20; I S.

Pedro 5:2-4; Apoc. 7:17.

  • 4. Ver também S. Mat. 16:18; 21:42; I Cor. 3:9-14; I S. Pedro 2:6 e 7.
  • 5. Ver Isa. 54:5; Jer. 3:14; Eze. 16:8-14; Oséias 2:19.
  • 6. Ver Rom. 12:4 e 5; I Cor. 6:15; 12:12-27; Col. 1:18 e 24; 2:19.
  • 7. Ver II Cor. 13:14; Fil. 2:1; I Cor. 1:9.