• 1. A igreja foi chamada à existência para propósito missionário. Toda a sua vida e liturgia, trabalho e culto, portanto, têm intenção missionária, senão dimensão missionária. Missão é a própria razão de ser da igreja. Os membros da igreja, isto é, as pessoas a quem Deus, por meio do Seu Espírito, chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz, são declarados por Deus propriedade Sua, para proclamar a Sua glória (I S. Pedro 2:9). A todos que aceitam a Cristo ordena-se que trabalhem pela salvação de seus semelhantes. Ao tomar sobre si os sagrados votos da igreja (sacramentum), os membros irrevogavelmente comprometem-se a ser coobreiros de Cristo. Missão é o sinal distintivo de quem é cristão, membro da família de Deus.

A missão da igreja é participar da própria missão de Deus. Fruto ela mesma da missão de amor de Deus, a igreja é a instrumentalidade de Deus para a salvação de homens, instrumento para levar o evangelho a todo o mundo e congregar a homens de toda nação numa só família de Deus, numa imagem viva de Deus, a qual reflete Sua plenitude e suficiência por meio de amor altruísta, de serviço, e de santo viver.

  • 2. Missão de Deus é Sua maneira de tratar com o problema do pecado e seu poder destrutivo. Antes que o pecado fizesse sua entrada no mundo surgiu uma rebelião no Céu contra o governo de Deus. Em oposição ao reino de Deus, suas leis e seus princípios, Satanás estabeleceu o seu próprio reino. Foi também ele quem enganou a nossos primeiros pais — em cuja queda todos os homens morrem (I Cor. 15: 22) — e que continua a levar os homens à desobediência a Deus (Gên. 3; Efés. 6:11; I S. Pedro 5:8). Coisa alguma na criação está a salvo de seu poder malévolo. Pecado e sofrimento, decadência e morte, eis os resultados. Mas Deus, que não deseja que ninguém sofra ou pereça (Êxo. 18:23; S. João 3:16 e 17; II S.

Pedro 3:9), enviou os Seus anjos e o Espírito Santo para proteger os homens e guiá-los. Ele envia auxílio e redenção (Sal. 20:2; 111:9); envia homens para que sejam uma bênção para outros, e Seus profetas para fazer-Se conhecido como realmente é. Nosso Deus é um Deus missionário, que de tal maneira amou o mundo que enviou o Seu Filho unigênito, a fim de restaurar a ligação quebrada e estabelecer sua paz (shalom). A igreja é ao mesmo tempo um sinal e um instrumento desta atividade de Deus.

  • 3. O alvo da missão de Deus, do qual é a igreja chamada a participar, deve promover a restauração de Seu reino. E mal e sua regra serão destruídos, pecado e morte abolidos. As forças do mal que separam o homem do seu Criador e que o desumaniza, serão vencidas. O homem será de novo criado à imagem de Deus, e por sua própria e livre escolha amá-Lo-á e O honrará. Os princípios e as leis do reino de Deus serão vindicados, e todo o Universo estará redimido “do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Rom. 8:21).

Este alvo da missão de Deus — a restauração de Seu reino — dificilmente pode ser superestimado. Precisamente para este fim Deus enviou a Jesus, cuja vida e missão é o modelo de toda missão. Para este mesmo propósito também Cristo trouxe a igreja à existência. Cada função, cada instituição, cada atividade de igreja tem significado — e o direito de existir — somente se levarem a este alvo. A nenhuma igreja, portanto, é permitido estabelecer alvos que centralize nela própria, ou em seus membros ou em suas doutrinas. O grande alvo de Deus e o papel da igreja como serva não admitem uma consideração eclesiocêntrica de missão. Isto nos deve também impedir de buscar os nossos alvos meramente em ação social: libertar o mundo da fome, das doenças, da pobreza e das injustiças sociais para estabelecer uma cultura cristã. O reino de Deus não se identifica com um mundo melhor. E mais, o pecado constantemente transforma os homens em rebeldes. Mas nem pode ser o nosso alvo encontrado meramente na recuperação de almas individuais e o planejamento de igrejas. Sem dúvida que a missão da igreja é sempre buscar e salvar o que se perdera (S. Lucas 19:10), mas o reino de Deus não se compadece com a soma de conversos; ele envolve muito mais do que esses atos de salvação. Em suma, missão centraliza-se em Deus, não no homem.

Ambos esses alvos — libertar os homens do pecado e a luta contra enfermidades, fome, injustiça e má estrutura da sociedade — são aspectos da grande controvérsia entre Cristo e Satanás, e são por isto mesmo um sinal da atividade missionária de Deus. Está em jogo, porém, muito mais. Todos esses diferentes alvos precisam ser vistos na vasta, na cósmica perspectiva da plena restauração do reino de Deus. “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.” S. Mat. 6:33.

  • 4. A missão de Deus foi cumprida no envio de Seu Filho, Jesus Cristo. Por meio de Sua vida e morte foi o reino estabelecido. “É chegado o reino” é a mensagem de todo o Novo Testamento. Durante o Seu ministério terrestre Cristo desmascarou a Satanás e revelou o seu caráter como de um mentiroso e assassino (S. João 8:44). Deus enviou Seu Filho para destruir as obras do diabo, e Ele decididamente o derrotou (S. Lucas 10:18). Nos sofrimentos de Cristo e em Sua morte ficou manifesta a verdadeira natureza do pecado. Mas ficou revelado também ao mesmo tempo o caráter de Deus, bem como os fundamentos do Seu reino: amor, liberdade, justiça e obediência. O relacionamento do homem para com Deus e para com os semelhantes foi restaurado. A igreja é chamada para ser uma evidência viva do grande shalom, esse novo relacionamento de paz e reconciliação, de inteireza, bem-estar e justiça (Rom. 14:7; II Cor. 5:19). Cristo sem dúvida trouxe um fim ao pecado e quebrou o seu poder, o próprio poder da morte. Ele expiou a iniqüidade, levou a culpa do homem (S. João 1:29; Rom. 8:3; cf. Isa. 53; Dan. 9:24). O acusador dos irmãos está derrotado. Agora é a hora da vitória de nosso Deus, a hora de Sua soberania e poder (Apoc. 12:7-10). Para a igreja nada é deixado para fazer exceto tornar esses acontecimentos conhecidos em todo o mundo, mediante a proclamação, serviço e associação, e a apelar a pessoas por quem Cristo morreu, isto é, o hindu, o budista, o maometano e os homens das crenças primitivas, as pessoas que nasceram cristãs, os secularistas e todos os outros istas, a que aceitem este evangelho e desfrutem de seus benefícios. Esta missão reclama decisão, a qual envolve o ser a pessoa batizada e ocupar um lugar na igreja de Deus. A menos, então, que estejamos apregoando a Palavra de Deus, a missão se torna “um cheiro de vida para a vida” para uns, e para outros “um cheiro de morte para morte” (II Cor. 2: 15-17; Rom. 1:16-24). Ninguém a quem o Senhor tenha trazido para a Sua maravilhosa luz está isento do dever de participar desta missão, seja como missionário de carreira, como missionário fabricante de tendas, ou como missionários não profissionais, que são a maior força da igreja de Deus no mundo hoje. O amor de Deus não nos deixa escolha (II Cor. 5:14). Quando este evangelho do reino tiver sido pregado em todo o mundo, virá o fim (S. Mat. 24:14). Missão, portanto, é sempre preparação para a volta de Cristo e plena compreensão de Seu reino.
  • 5. Em Sua atividade de enviar, Deus tem sempre como alvo o mundo todo. A missão da igreja, portanto, firma-se ou cai com a compreensão de que o mundo inteiro é o objeto do amor de Deus, e a igreja é escolhida como canal da graça de Deus aos homens em todo o mundo. Portanto, se Deus elege certas pessoas e lhes envia revelações especiais de Sua glória, verdades especiais e bênçãos de qualquer outra forma, é sempre uma eleição para serviço. A história da missão de Deus na Terra, entretanto, cheia de eleições humanamente forçadas, o que tem resultado em embaraçamento do reino de Deus. Foi esta a causa da queda de Israel. Eles acariciaram a idéia de eleição por amor a si mesmos e sua própria exaltação como igreja de Deus. Conseqüentemente Israel falhou porque deixou de cumprir o papel de servo de Deus em missão. Isolou-se do mundo — o objeto da missão de Deus. Deus chamou então outro povo à existência, como nação santa e sacerdócio real, para proclamar as virtudes dAquele que os chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz (I S. Pedro 2:9 e 10). Embora a missão da igreja difira em muitos aspectos daquela de Israel, o conceito de missão no Novo Testamento não pode ser entendido fora do contexto do mesmo conceito no Velho Testamento. E o que Deus propôs realizar pelo mundo por intermédio de Israel, Ele o fará por meio da igreja hoje. Mas nos ficaria bem lembrar que tudo que aconteceu no passado foi registrado para nossa instrução e advertência (Rom. 15:4; I Cor. 10:11). O perigo de a igreja seguir nos rastros do Israel do passado é muito real hoje.

A igreja é chamada para ser “o sal da Terra” (S. Mat. 5:13). Ela só pode cumprir esta função quando os seus membros se espalharem por todo o mundo, misturarem-se com as pessoas, envolverem-se em suas atividades, e por este ato dar sabor e salvar, julgar e purgar o mundo. Isto não significa que a igreja se torne como mundo como muitos afirmam, pois “se o sal perder a sua força,” para mais nada presta, mas significa que a missão de Deus é sempre realizada por meio da encarnação. Nenhum programa, instituição ou comunicação por meio de satélites fará muito bem, a menos que o mundo veja o evangelho de Cristo exemplificado na vida diária de seu próprio povo, no modo como têm eles resolvido os seus problemas, tanto os do próprio eu como os da sociedade, no serviço a seus semelhantes, e no genuíno companheirismo da comunhão da fé.

Também não significa que a missão seja cumprida quando ela meramente transpõe limites geográficos. O mundo é um colorido mosaico de diferentes agrupamentos: sociológico, econômico, político, cultural, lingüístico, religioso, consanguinal, racial e geográfico. Cada fronteira, seja de que espécie for, tem de ser cruzada no cumprimento da tarefa missionária. E a igreja precisa apresentar o evangelho aos homens na real situação em que vivem, lembrando-se em todo o tempo que esses agrupamentos e núcleos estão sempre se modificando.

  • 6. A missão de Cristo não termina na cruz. O próprio fato de que Cristo, depois de Sua ressurreição, e só então, enviou os Seus seguidores a todo o mundo para tornarem as boas-novas conhecidas, é uma prova de que. o reino de Deus não tem sido ainda completamente tornado real. E o envio do Espírito Santo após a ascensão de Cristo testifica do mesmo fato.

Alguns têm concluído, portanto, que Jesus falhou em Sua missão. Mas esta é uma compreensão errônea do evangelho. O reino veio; Cristo levou a termo a missão de Deus (S. João 17:4; 19:30). Outros têm arrazoado que o reino veio, sem dúvida, mas tem de tornar-se real agora no coração e nas atividades de todos os homens. A missão da igreja, na opinião desses, é a expansão do reino que foi estabelecido, à semelhança de uma pequena semente que cresce e se torna uma árvore adulta. Outro grupo sustenta que a missão mundial começou como uma reação da parte de um grupo de desapontados seguidores de Jesus após Sua morte. Entendem que a missão cristã e o papel da igreja é o resultado disto, começou como uma crise no movimento.

Um Contínuo Debate

O debate continua em termos amargos. Contrários aos que sustentam que o reino de Deus se completou (plenamente) em Cristo e no Pentecostes, há os que sustentam estar ele ainda no futuro. Uma escola de pensamento vê a missão cristã como o próprio fator que promoverá o reino de Deus, enquanto outra escola entende que a missão em si é a evidência desse reino. Ouvem-se vozes de que a missão deve ser desmitologizada, e não são poucos os que acham dever a missão inteiramente abandonada.

Todas essas escolas de pensamento são uma prova da tensão que é inerente ao Novo Testamento e aos ensinos de Jesus em particular. Não podemos escapar dessa tensão. É importante, então, que nos apeguemos ao Cristo inteiro e a Sua inteira obra de missão. As Escrituras tornam abundantemente claro que Cristo veio, uma vez e por todos, a fim de estabelecer o reino de Deus. Mas elas ensinam de modo igualmente claro que Cristo, depois de Sua ascensão, teve de cumprir outra parte de Sua missão antes que pudesse voltar e promover a realidade completa do reino, quando toda espécie de domínio, autoridade e poder seriam abolidos (I Cor. 15:12-27).

A compreensão da continuada missão de Cristo no período entre Sua ascensão e Sua volta é condição sine qua non do correto conceito da missão da igreja. Pois a missão da igreja outra não é senão imitar e participar na inteira missão de Jesus Cristo. Se baseada somente na concluída obra de Cristo, a missão da igreja perde sua direção e fica defraudada no seu sentido de urgência. No passado isto levou à inércia na obra de missão e tem conduzido a humanização das atividades da igreja. Mas, por outro lado, a missão cristã que enfoca os eventos futuros fica na falta dos fundamentos históricos que são a própria garantia de que nossas esperanças e expectativas serão cumpridas. Tal missão conduz muitas vezes ao entusiasmo fanático e antibíblico, e tensas expectações que põem a igreja em grande desespero. É somente quando nossa missão repousa na obra concluída de Cristo, e encontra sua força, visão e guia na própria atividade de Cristo no Céu hoje, por meio do Seu Espírito, é só então que a igreja será capaz de completar sua tarefa. Missão, portanto, torna-se um contínuo preparo para a segunda vinda de Cristo, sem ser agitada porque o reino de Deus não se está consumando imediatamente ou no dia de amanhã. Mas nós estaremos “esperando e apressando a vinda do dia de Deus” (II S. Pedro 3:12).

  • 7. Cristo está em atividade “nos lugares celestiais.” Essas atividades de Cristo “nos lugares celestiais” são a própria fonte e poder de nossa missão, e podem ser discriminadas em três títulos:
  • a. Cristo como Senhor e Dominador de todas as coisas.
  • b. Cristo ministrando como nosso mediador e sumo sacerdote.
  • c. A obra de juízo de Cristo.

Cristo como Senhor

  • a. Cristo conto Senhor (I Cor. 8:5 e 6; 12: 3; Efés. 1:19-23; Fil. 2:9-11; Apoc. 17:14). Plena autoridade foi-Lhe dada. É na base deste poder que Cristo nos envia a todo o mundo (S. Mat. 28:18 e 19). Sem Cristo como Senhor não haveria a missão da igreja. A contínua execução da soberania de Cristo no mundo, ponto focal da discussão teológica contemporânea, não deve ser definida de modo muito estreito.

Significa, por outro lado, a dominação de Cristo sobre os que crêem nEle. Ele vive neles e dá-lhes poder para permanecer como vencedores. Cristo Se levanta por Sua igreja e prepara o caminho para sua missão. Cortinas políticas, barreiras sociais e portas legislativas cerradas seriam intransponível obstáculo para missão se Cristo nosso Senhor não fosse nosso Missionário-Chefe. Ele ainda tem meios de passar por portas fechadas, e por Sua palavra acalma a tormenta e aquieta as ondas. E onde a igreja em seu arrojo missionário encontra oposição, Cristo está continuamente abrindo oportunidades para trabalho eficaz (I Cor. 16:9).

Por outro lado, a dominação de Cristo também se estende a todos os negócios deste mundo. A História toda está em Suas mãos. Sejam guerras ou revoluções, mudanças tecnológicas ou poder econômico, Cristo tem domínio sobre todos e a todos controla. É mostra da falta de fé e errônea compreensão da missão de Cristo no Céu o pensarmos que este mundo ainda tem de ser sujeito a outros poderes. Com efeito, é somente em virtude da misericórdia de Deus, mostrada em Sua soberania mediante a missão, que Ele ainda não pôs fim a esses poderes do mundo. Mas, a missão da igreja é irreversivelmente dirigida para esse fim.

Uma poderosa descrição dessas atividades de Cristo no santuário celestial é-nos dada no Apocalipse. João vê todo o poder de Cristo dirigido para o único e grande alvo: missão, isto é, a restauração do reino de Deus. É nesta grande missão de Cristo que a igreja é chamada a participar mediante a obediência, o fiel testemunho, o humilde serviço e o amor.

Cristo, Nosso Mediador e Sumo Sacerdote

  • b. Quando Cristo ascendeu ao Céu para ser coroado Senhor dos senhores e Rei dos reis, foi também ungido Sumo Sacerdote para comparecer por nós perante Deus (Heb. 4:14; 9:24). Estêvão viu a Cristo de pé como o Filho do homem (Atos 7:56), e João O viu como o Cordeiro (Apocalipse 5). Tudo isto nos ensina de novo que não há missão sem encarnação e sacrifício, humilhação e sofrimento.

Esta atividade de Cristo como sumo sacerdote é obra de reconciliação. É certo que Cristo realizou Sua missão de reconciliação na Terra pelo sacrifício de Si mesmo. Mas, a singularidade e finalidade deste sacrifício não é uma finalidade sem continuação, nem uma singularidade estática. Nosso grande Sumo Sacerdote vive continuamente para interceder por nós (Heb. 7:25); Ele, que morreu na cruz por todos os homens, continua a pleitear nossa causa (Rom. 8:27 e 34; I S. João 2:1). O livro de Hebreus aponta de modo muito enfático para o fato de que Cristo continua o Seu ministério no Céu, a fim de completar Sua missão de reconciliação. Isto é uma questão profundamente importante para nossa compreensão de missão, baseada na amplamente aceita doutrina da pessoa de Cristo.

O Sistema Sacrifical do Velho Testamento

Uma chave para a compreensão da missão de reconciliação de Cristo após Sua ascensão pode encontrar-se no Velho Testamento, no sistema sacrifical, figura, sombra e antítipo da realidade celestial. No Velho Testamento a expiação era feita pelo derramamento de sangue. Mas para completar a reconciliação entre o pecador e Deus, algo mais do que apenas a morte do sacrifício era necessária. Incluía sobre tudo a aplicação do sacrifício expiatório e a apropriação dos seus benefícios pela fé. Uma parte essencial do ritual, portanto, era que o sangue fosse levado para o lugar santo e aspergido no altar. O concerto tinha como seu alvo não meramente a expiação do pecado — realizada pela morte do sacrifício — mas o restabelecimento de uma união entre o homem pecador e Deus. (Uma clara ilustração deste duplo aspecto da reconciliação encontra-se em Deut. 21:1-9, onde se dá a lei com respeito à expiação de um assassínio desconhecido.) Assim é com a missão de Cristo: o alvo não é apenas a expiação dos pecados, mas a plena reconciliação entre Deus e cada indivíduo pecador. Na cruz Cristo removeu o obstáculo da reconciliação. Mas é igualmente necessário que Cristo, depois de haver derramado o Seu sangue, levasse-o perante o trono de Deus, para fazer aí aplicação de Seu sacrifício expiatório. (Ver o uso que faz o apóstolo Paulo dos termos katallage e hilasmos.)

É nesta missão de reconciliação que Cristo nos inscreveu (II Cor. 5:18), primeiro para proclamar a todo o mundo o grande evento do sacrifício realizado, pelo qual o obstáculo à reconciliação do homem foi removido, e segundo, mas igualmente importante, para apelar a pessoas de todas as nações, línguas, cultura e religiões, a que venham com ousadia ante o trono de Deus onde Cristo, nosso Sumo Sacerdote está agora fazendo aplicação de Seu sacrifício por nós (Heb. 10:19-22). A missão de reconciliação da igreja, portanto, jamais é completada só com a proclamação. Ela precisa reclamar decisão da parte do ouvinte, decisão essa de apropriar-se pela fé dos benefícios da obra de Cristo (II Cor. 6:1).

Conquanto não possamos explicar claramente a natureza da ministração sacerdotal de Cristo, temnos sido revelado o suficiente para estarmos seguros de que Ele é nosso intercessor (Rom. 8:34; Heb. 7:25). Certamente, esta obra intercessória de Cristo em favor do homem é tão essencial para realizar sua missão de restauração e reconciliação como foi Sua morte na cruz. A igreja não pode mostrar-se negligente com relação a este aspecto de sua missão, também. Missão, pois, inclui sempre o chamado para arrependimento (Atos 2:37-39), para andar em novidade de vida que vem como resultado de passar o homem a ter a mente de Cristo, assim que nos é possível estar diante de nosso Deus e Pai, como santos e incontaminados quando Jesus vier (I Tes. 1:9 e 10; 3:13; 4:16 etc). Isto torna o ensino de padrões de comportamento, disciplina e obediência à lei de Deus, parte essencial da missão da igreja. Esses padrões de comportamento devem ser elaborados e apresentados de tal maneira que possam ser aceitos como verdade e uma resposta cessária do evangelho de Cristo. Disciplina deve ser entendida como nutrimento do discipulado e obediência à santa lei de Deus como fruto do novo relacionamento com o Senhor. É Cristo operando em nós, de modo que não continuamos no pecado (I S. João 4:9-21; 5:1-5).

A Obra de Julgamento de Cristo

  • c. A missão de Cristo no santuário celestial — e por meio de Sua igreja — não durará para sempre (Atos 3:21). A missão da igreja conduz à volta de Cristo, quando o reino de Deus será completamente restaurado. Este é o terceiro e último ato de Cristo, no qual a igreja é chamada a participar: a obra do julgamento.

Nas Escrituras esta obra de julgamento não é um acontecimento novo ou sombrio, isolado das outras atividades missionárias de Cristo. Cristo não disse que fora enviado ao mundo para juízo (S. João 9:39)? O significado dessas palavras é claro: Cristo tinha vindo para restaurar a vista aos cegos, alimentar os famintos, libertar os cativos e fazer justiça aos oprimidos. Com Ele viera toda uma nova ordem, ordem que não era deste mundo. Mas naturalmente, Suas leis e princípios estão em grande desarmonia com a ordem existente, em que o egoísmo e a ilegalidade predominam, sendo que os ricos e os orgulhosos estão no controle. Para estas pessoas a restauração do divino reino é um acontecimento terrível (S. Lucas 1:52 e 53). Disse Jesus: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso” (S. João 12:31). E foi julgado o mundo e o seu príncipe — na cruz. Mas embora o juízo começasse na cruz, não terminou aí, como alguns crêem. A hora do juízo, quando a discriminação entre os que têm fé em Jesus e os que recusam obedecer a Sua Palavra, torna-se final, não o foi então (Atos 24:24; II Cor. 5: 10; Heb. 9:27; II S. Pedro 2:4). Mas, este final julgamento é a conseqüência direta da encarnação, morte e ressurreição de Cristo.

Por sua resposta à Luz, ao Caminho e à Verdade, os homens declaram e pronunciam o seu próprio julgamento (S. João 3:18-21). A missão cristã conduz sempre a tal discriminação (krisis) entre os que crêem em Cristo e guardam os Seus mandamentos e os que não o fazem. A missão da igreja não é cumprida quando ela meramente proclama e anuncia. Devemos instar com as pessoas a que se arrependam e se afastem de seus pecados e ponham sua fé em Cristo (II Cor. 5:10; Rom. 2:6; I S. Pedro 1:17). Quanto mais nos aproximamos do fim dos tempos, mais claro e mais definido se tornará este processo seletivo ou discriminatório (S. Mat. 13:36-43). A aceitação de Cristo ou a rejeição do Seu amor serão finais. É surpreendente quão pouca atenção se tem dado a este aspecto da missão de Cristo, seja no setor missionário seja na literatura teológica; e contudo a Escritura tem muito que dizer sobre isto. O julgamento final é um aspecto essencial e inalienável da missão de Cristo, e um dos mais fortes incentivos para nossa atividade missionária nestes últimos dias.

O Juízo no Novo e no Velho Testamentos

Tanto o Novo como o Velho Testamentos fazem referência à atividade do juízo por nosso Sumo Sacerdote no Céu. No livro de Hebreus encontra-se um relato detalhado do serviço de Cristo, que culmina na total purificação e consagração do povo de Deus. Depois deste “afastamento do pecado” Cristo aparecerá a segunda vez, para trazer salvação “a todos que esperam por Ele” (Heb. 9:26-28). Esta atividade de Cristo justo antes do Seu retorno, nominalmente a eliminação do pecado e a final discriminação entre os justos e os pecadores, é também atestada por Pedro em Atos 3:19-22, e pelas parábolas de Cristo (S. Mat. 18:23-25; 22:1-14). No ritual do dia da expiação outro quadro claro emerge da obra final de nosso Sumo Sacerdote (Ver Levíticos 16). O profeta Daniel descreve as atividades finais no Céu como uma cena de julgamento (Dan. 7:9 e 10), e outros profetas, como Joel e Zacarias, descrevem a cena a sua própria maneira. Mas isto é bastante claro: Há uma hora de juízo (Apoc. 14:7), o que está levando a missão de Cristo a um final, bem como ao final a missão da igreja. A sentença é tornada pública — o profeta diz que os livros foram abertos — para os milhares e milhares de seres. Isto significa que é um resultado final. Não mais pode ser mudado. Todos os que se arrependeram de seus pecados e pela fé reclamaram o sangue de Cristo como seu sacrifício expiatório, têm o perdão diante dos seus nomes nos livros do Céu. Ao se tornarem participantes da justiça de Cristo, e ser o seu caráter achado em harmonia com o caráter e propósito de Deus, seus pecados são apagados, e eles serão contados como dignos da vida eterna. Os que rejeitaram a Cristo morrerão em seus pecados, sendo destruídos juntamente com a morte e o diabo.

  • 8. Tempo profético indica que esta fase final da missão de Cristo já começou. Agora é o tempo em que a missão de Deus está sendo cumprida. Estamos vivendo em tempo emprestado. É a missão de Cristo por meio de Sua igreja na Terra que impede que as paredes da História caiam.

Esta última fase da obra de Cristo no santuário celestial propiciou um despertamento missionário na Terra como não se tem visto igual desde o início da igreja. Em toda parte do mundo cristão, novas sociedades missionárias vieram à existência; milhares e milhares de missionários deixaram as praias da América do Norte e da Europa, e passaram a relatar conversões em massa nos lugares para onde foram. Esta vasta e rápida expansão missionária é evidência de que o próprio Cristo é o Missionário-Chefe. Por intermédio de Seus delegados na Terra é Sua missão levada a cabo. Ora, não cometamos nenhum engano aqui; o tremendo reavivamento e despertamento evangélico, a expectação universal da breve vinda do Rei, e o súbito surgimento de sociedades missionárias — tudo característica da primeira metade do século dezenove — não foram meramente fruto, fatores econômicos ou psicológicos como muitos procuram crer. São o resultado direto da obra de Cristo. Toda missão tem nEle sua origem. Ele é Aquele que envia. Ele motiva as pessoas e opera nelas, inspirando tanto a vontade como a ação em Seu próprio povo escolhido (Fil. 2: 13). E este propósito é claro: levar a missão a um final e restaurar o reino.

Surgimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia

Foi a convicção de que Cristo havia entrado na Sua última fase de missão, para nominalmente promover a restauração de todas as coisas através de Sua obra de juízo, que trouxe à existência a igreja adventista do sétimo dia, agora o mais vasto movimento missionário protestante no mundo. Este povo crê que Deus o chamou para participar da própria missão de Cristo de preparar o mundo para Sua iminente volta. Sua missão é apresentar o evangelho de tal maneira, num enfoque tão compreensivo, que toda pessoa na Terra veja a Cristo como o seu Salvador, seu Senhor e seu Juiz, e então se prepare para Sua breve volta. Isto não quer dizer o ensino de um punhado de doutrinas, mas uma missão de restauração: a restauração da imagem de Deus no homem e o afastamento do pecado; a restauração da santa lei de Deus e de todo princípio do Seu reino; a vindicação da soberania de Deus e a derrota de todo mal, da rebelião e da impiedade.

Não há lugar aqui para trivialidades. Esta missão requer que a igreja vá a toda parte do mundo e impele os crentes a cruzar fronteiras: sociogeográficas, culturais, políticas e religiosas. A Igreja Adventista do Sétimo Dia não insiste que somente por meio de seu testemunho que Cristo pode fazer-Se conhecido, mas ela não pode deixar para outros o testemunho para o qual ela foi chamada. Os adventistas “reconhecem toda instrumentalidade que exalte a Cristo perante os homens como parte do plano divino para a evangelização do mundo,” mas desejam ao mesmo tempo dar livremente o seu testemunho, e abertamente, ao mundo.

Em sua missão a igreja deve evitar tanto um erroneamente concebido confessionalismo como um erroneamente concebido ecumenismo. Um erroneamente concebido ecumenismo, que procura unidade de testemunho sem clara afirmação da Palavra de Deus, como é proclamado presentemente, convida à confusão e posterior fragmentação. Leva a igreja à desobediência. Um erroneamente concebido confessionalismo apega-se a uma particular confissão por nenhuma outra razão que tradições humano-eclesiásticas, sem franqueamento para a sempre dinâmica Palavra de Deus, que é nossa única fonte de verdade. A igreja de Deus permanece em constante necessidade de exame crítico de si mesma, franqueamento da Palavra de Deus e para o mundo, a fim de assim cumprir o papel de serva de Cristo em missão. •