“Jesus, aproximando-Se, falhou-lhes, dizendo: Toda a autoridade Me foi dada no Céu e na Terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” (Mat. 28:18-20).

Embora a grande comissão evangélica enunciada por Cristo, no texto acima, não identifique como o evangelho deveria ser pregado, ela estabelece muito claramente o objetivo último do ministério cristão: fazer discípulos através da efetiva proclamação da mensagem de Cristo. Assim, toda pregação deve apontar para a conquista do objetivo de fazer discípulos cristãos.’

A pregação evangelística é a porta de entrada para essa qualidade de discipulado. A pregação pastoral busca amadurecer os ouvintes na “justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (II Tim. 3:16 e 17). Nos dois casos, a pregação deve convidar os ouvintes a experimentar vida em toda a sua plenitude: “O ladrão vem somente para roubar, matar, e destruir: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” (João 10:10); “Ide e, apresentando-vos no templo, dizei ao povo todas as palavras desta Vida.” (Atos 5:20).

Indubitavelmente, esse deve ser o desejo e objetivo de todo pregador cristão autêntico. Mas somente desejar não alcança o propósito. A metodologia a respeito de como construir o sermão, como executar a pregação, desempenha um papel vital na apresentação de uma mensagem efetiva. O pregador deve ter um domínio dos elementos metodológicos vitais envolvidos no desenvolvimento e apresentação de um sermão. Esses elementos incluem tanto componentes objetivos como subjetivos. Os componentes objetivos são o alvo homilético, o fundamento bíblico e cristocêntrico do sermão, e um balanceado cardápio de sermões durante determinado período, seis meses, um ano, ou mais, por exemplo. A dimensão subjetiva inclui a experiência do pregador.

Propósito homilético

Um professor de homilética poderia dizer que “a exegese enfatiza uma porção, às vezes muito pequena, selecionada do texto; a teologia traça os fios de pensamento através de toda a Escritura: e a homilética busca fabricar, tal como faz um alfaiate, as roupas e os adornos que caibam particularmente em cada ouvinte, no tempo e no cenário onde vivem.”

O modo como Deus procurou tornar-Se conhecido, nas Escrituras Sagradas, mostra que Ele Se revelou geralmente de um modo homilético, ao contrário da maneira exegética ou teológica, muito embora o significado teológico jamais estivesse ausente. Em outras palavras, Deus revelou informações a respeito de Si mesmo que foram mais necessárias naquele tempo particular. Por exemplo, o Senhor não enviou a mesma mensagem de Amós para Adão e Eva; Ele revelou apenas aquela dimensão de Sua natureza e Seu caráter que era pertinente ao primeiro casal em seu ambiente. O livro de Êxodo não contém a mesma ênfase de Jeremias. O ponto a ser destacado é o seguinte: através da História, Deus tem sido sensível aos Seus ouvintes.

O pregador cristão de hoje tem recebido séculos de revelação divina com vantagens e desafios. A vantagem é que ele possui um vasto cabedal de instrumentos exegéticos e teológicos. O desafio reside em tomar esse material e confeccionar uma mensagem que caiba no ouvinte. Dessa forma, os propósitos homiléticos afetam vitalmente a metodologia do pregador e a efetividade de sua pregação.

Entretanto, nada disso nega a importância crucial da exegese e da teologia. A homilética sem exegese e sem teologia falhará no cumprimento do seu objetivo último que, como já vimos, é o de fazer discípulos. Para compreender a ligação íntima existente entre exegese, teologia e homilética, podemos considerar o exemplo do preparo de uma receita culinária e o oferecimento da comida dela resultante. O preparo começa com a escolha, a lavagem, o ato de descascar, o corte de todos os ingredientes necessários para se fazer o respectivo prato. Esse é o trabalho do exegeta.

O homilético é o garçom que considera a individualidade do freguês e diz: “experimente este prato; é muito gostoso, nutritivo, e apropriado para você.” A homilética serve o que foi preparado anteriormente. Desse modo, o ministro deve ser um exegeta e um teólogo; mas, como um homilético, seu objetivo deve ser avaliar a situação dos ouvintes e então partilhar os recursos, provisões e propósitos de Deus para eles, da maneira mais apropriada possível.

Mensagem bíblica

Embora a homilética necessite ser sensível aos ouvintes, o pregador cristão sempre deve estar fundamentado na Bíblia. Isso quer dizer que um sermão sempre deve ter sua ênfase derivada das Escrituras. Essa ênfase demanda que todo o sermão harmonize com a compreensiva revelação do caráter e natureza de Deus, como evidenciados na Bíblia. Uma coleção de textos sem que estejam em conexão mútua não compreende necessariamente um sermão. As três conhecidas frases: “E Judas foi e enforcou-se”; “vai tu e faze o mesmo”; e “o que tens para fazer, faze-o depressa”; arranjadas dessa maneira contra-dizem o intento da mensagem do evangeIho, embora as três compartilhem a mesma origem bíblica.

Assim, a mensagem bíblica deve ser apropriadamente enraizada no texto imediato e no contexto mais amplo das Escrituras, desenvolvendo uma ênfase que represente autenticamente as qualidades de Deus.

Uma mensagem bíblica, entretanto, pode não requerer referências repetidas e explícitas à sua fonte escriturística. A pregação de Jesus Cristo, particularmente Suas parábolas, é um bom exemplo disso. Jesus foi contemporâneo e sensível aos Seus ouvintes. Quando Ele pregava, Seus ouvintes não tinham cópias das Escrituras em suas mãos. O Mestre simplesmente contava histórias para iluminar os princípios do caráter de Deus e Seus propósitos para a vida daquelas pessoas. Nessa prática, encontramos uma ilustração de pregação bíblica que pode não utilizar diretamente uma relação de textos bíblicos.

Assim sendo, enquanto os pregadores consideram o propósito e o contexto do evento da pregação, eles devem enfrentar a seguinte questão: “O que é necessário nesta ocasião, para alcançar os ouvintes com a mensagem de Deus, que biblicamente e autenticamente represente Seu caráter e propósito para suas vidas?”

Freqüentemente, os pregadores consideram, em primeiro lugar, a dimensão instrutiva de uma passagem ou de um tópico. Mas a melhor maneira de alcançar um objetivo instrutivo é uma aproximação indireta que focalize mais sobre os elementos afetivos dos ouvintes do que sobre os seus elementos cognitivos. Em outras palavras, permita que o sermão seja uma oportunidade na qual o pregador ajuda o ouvinte não apenas a conhecer o que Deus lhe diz, cognitivamente, mas também a experimentar emocionalmente a presença e o poder de Deus.1

Tal sermão pode ter elementos instrutivos (repreensão, encorajamento, celebração, etc.), mas o principal objetivo deveria ser facilitar um aspecto do Ser divino apropriado à ocasião.

Uma mensagem relevante, biblicamente fundamentada, dirige a mentalidade homilética a ter em mente seus ouvintes, durante o processo de desenvolvimento do sermão. Bryan Chapell oferece um valioso instrumento homilético ao qual ele chama de “foco induzido”. Esse instrumento consiste de três perguntas que o pregador apresenta ao texto e à pregação: I) O que este texto está dizendo? 2) Que preocupações ou inquietações ele está abordando em seu contexto? 3) O que têm em comum os ouvintes atuais com aqueles ouvintes para quem, a respeito de quem, ou por quem o texto foi escrito?2

O “foco induzido” livra o pregador de tornar-se excessivamente concentrado sobre a exegese e a teologia. Assim, quando o pregador fala, estará inclinado a apresentar um sermão em lugar de uma coleção de notas de comentários ou uma leitura de alguns aspectos de teologia sistemática.

Relacionado com o “foco induzido” está o paradigma de como a passagem bíblica, ou o tema, apresenta o status ou condição do ouvinte original e do contemporâneo. O contexto da situação bíblica pode olhar o ouvinte original como um rebelde, uma vítima, um ignorante, um inalcançável, um desiludido, ou como afetado por outros aspectos da condição humana. O sermão bíblico, dessa forma, aborda o ouvinte não apenas com informação apropriada à sua condição, mas de modo e tons harmoniosos com caráter e propósitos de Deus num contexto antigo e contemporâneo.3

Mensagem cristocêntrica

Os comentários de Chapell concernentes à estrutura cristocêntrica e ao foco do sermão são dignos de nota: “Entretanto, por mais bem-intencionado e biblicamente fundamentado que possa ser um sermão instrutivo, se sua mensagem não incorpora a motivação e capacitação inerente numa peculiar percepção da obra de Cristo, o pregador proclama mero farisaísmo.”4

Novamente, é indispensável lembrar que assim como uma coleção de textos estanques não necessariamente compreende uma mensagem bíblica, uma coleção de palavras isoladas de Jesus, ou retalhos de Sua vida e ministério, não faz necessariamente uma mensagem cristocêntrica. O conteúdo e o tom daquilo que focaliza sobre Jesus Cristo deve harmonizar com o Seu caráter manifestado em aceitação, perdão, fé, capacitação, compromisso, paciência, serviço e amor.

Chapell nota que toda passagem bíblica deve ser vista de pelo menos quatro perspectivas redentoras, relacionadas à pessoa e/ou à provisão de Cristo. Nesse sentido, a passagem bíblica deve ser: I) profética, 2) preparatória, 3) reflexiva, ou 4) resultante da pessoa e do ministério de Cristo? Com essas perspectivas redentoras e contextuais em mente, o pregador pode desenvolver mensagens que são bíblicas e cristocêntricas, as quais finalmente focalizarão sobre a graça perdoadora e restauradora de Deus.

Nutrição equilibrada

O apóstolo Paulo escreveu que “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (II Tim. 3:16). Por sua vez, Tiago afirmou que a Palavra de Deus “é poderosa para salvar as vossas almas” (Tia. 1:21). Essas declarações sublinham os múltiplos propósitos da Escritura, complementando a grande comissão que nos ordena ir e fazer discípulos.

A tarefa do pregador é servir um bem equilibrado cardápio escriturístico, providenciando repetidos convites para aceitação do senhorio de Jesus e contínuos encorajamento, instrução e celebração de um discipulado amadurecido. Isso requer que o pregador considere o imediato e longo alcance sentido e as necessidades educacionais da congregação. Também significa que o pregador deveria buscar uma ênfase equilibrada através de um calendário homilético. Por exemplo, o pregador poderia apresentar uma exposição progressiva de um determinado livro da Bíblia, balanceando-a com uma abordagem temática ou de tópico.

Outra forma de aproximação é considerar como as Escrituras referem-se aos temas contemporâneos. Ao apresentar uma dieta de sermões que abrange todo o conselho de Deus, o pregador pode buscar a colaboração de um grupo apropriado (representando uma parte da congregação) que possa ajudá-lo a avaliar as necessidades e tendências comuns da sua comunidade. Reuniões periódicas com esse grupo para troca de experiências e planejamento ajudam o pregador a permanecer em sintonia com as carências dos seus ouvintes e como elas podem ser satisfeitas através do evento da pregação.

Ser sensível aos ouvintes é vital à tarefa de proclamação cristã.

Embora a Bíblia deva ser sempre o fundamento do sermão, isso não exclui o pregador do trabalho de ler muito. A percepção e experiência de outros, em seu estudo e trabalho de proclamação da Palavra de Deus, pode ajudar a conhecer quantas mentalidades diferentes têm lutado com a compreensão dos propósitos de Deus. No entanto, os pregadores devem experimentar, primeiramente, a concepção da idéia central, planejar, esboçar, analisar e viver com o texto bíblico, com fervente oração, antes de se dar ao trabalho de consultar outros autores e obras.

O pregador deveria também estar desperto para os acontecimentos e tendências correntes, e ser capaz de mencioná-los direta ou indiretamente, de um modo relevante, conforme a demanda do tópico e da ocasião. Muito embora, freqüentemente, as melhores ilustrações sejam aquelas tiradas da própria experiência e da observação da vida, ilustrações efetivas também podem ainda ser captadas de histórias e da experiência de outras pessoas. Aqui, ó equilíbrio também é muito importante.

A apresentação do sermão deveria também ter como alvo conservar o ouvinte no propósito ou alvo último da mensagem. Essa é uma tarefa que requer sabedoria e prudência. Porque embora o pregador deva reconhecer as contribuições alheias à sua mensagem, a pregação não é a oportunidade para engrandecer a inteligência inata, a escolaridade ou a habilidade de pesquisador de alguém. Deixe o sermão ser autêntico em seu fundamento bíblico.

Tinta e sangue

As estratégias metodológicas que até aqui foram consideradas têm focalizado primariamente sobre os elementos objetivos da preparação do sermão. Mas a pregação efetiva também possui uma dimensão subjetiva: a experiência do pregador. T. S. Eliot uma vez falou de algo como “transformar sangue em tinta” e “tinta em sangue”.6 A Bíblia é um relatório de Deus causando impacto na experiência humana. É sangue registrado em tinta. O pregador é chamado para fazer com que a tinta, o relatório dos atos de Deus, seja transformada em sangue na vida dos ouvintes, de tal maneira que eles experimentem o impacto da presença divina e uma ação renovada.

Para que isso aconteça, a tinta do texto tem de ser primeiro transformada em sangue na vida do pregador, a fim de que ele possa ser um agente para a renovação da vida, através do sangue, para os ouvintes.

Warren Wiersbe comenta: “Nós partilhamos o que é pessoal e real para nós. O mensageiro é parte da mensagem porque ele é uma testemunha.”7 Para mim, essa experiência transformadora ocorre mais freqüentemente quando eu priorizo e mantenho inalterada a hora da leitura devocional pessoal, reflexão, oração e preparação de sermão. Em minha compreensão, a tinta torna-se sangue quando as duas coisas são vistas como separadas, todavia relacionadas. O foco distinto de cada um pode nutrir e elevar a outra.

A tinta torna-se sangue quando ao Espírito Santo é permitido acender o fogo do coração, como disse Jeremias: “Quando pensei: não me lembrarei dEle e não falarei no Seu nome, então isso me foi no coração como fogo ardente, encerrado nos meus ossos, já desfaleço de sofrer, e não posso mais.” (Jer. 20:9). Isso pode ocorrer em todos os estágios do processo de um sermão – concepção da sua idéia, desenvolvimento do sermão, cristalização de uma ilustração, ato de escrever o sermão, e por todos os meios durante a apresentação da mensagem como um ato de louvor e ministério.

Mas a transformação da tinta em sangue requer mais que uma moldura de tempo. Demanda atitude. Paulo aconselhou Timóteo a dar-se inteiramente ao chamado, à fonte, à tarefa e às habilidades do ministério: “Medita estas coisas, e nelas sê diligente, para que o teu progresso a todos seja manifesto.” (I Tim. 4:15). A fim de que a tinta das Escrituras seja transformada em sangue através de nossa vida e ministério, temos de dar muito mais do que aquilo que temos oferecido, na pregação da Palavra.

Além disso, a transformação ocorre através do ministério do Espírito Santo na vida do pregador, no estudo, preparação e apresentação do sermão. Jesus declarou que a presença e capacitação do Espírito Santo é um dom (Luc. 11:13). O Espírito Santo capacita a proclamação a respeito de Jesus (Atos 2). O Espírito Santo produz convicção e conversão na vida do pregador e seus ouvintes (João 16:8). Sem a capacitação do Espírito Santo, a metodologia pode ser perfeitamente amoldada pela excelência humana, mas resultará pouco ou nada na tarefa de fazer ou amadurecer discípulos.

Excelência no Espírito

Através da história cristã, o efetivo cumprimento da grande comissão tem sido acompanhado pela pregação poderosa. E, em muitos daqueles notáveis períodos, o impacto do evangelho foi percebido porque os pregadores, sob a direção e na capacitação do Espírito Santo, perseguiram a excelência em sua prática (metodologia) de apresentação da palavra de Deus à correspondente geração.

Ao identificar objetivos homiléticos e fundamentar sua mensagem na Bíblia: através de um ministério orientado pela graça de Cristo, por usar efetivamente a erudição e experiência de outros, e por depender humildemente da liderança do Espírito Santo na vida pessoal, pastoral e no púlpito, os pregadores de hoje podem experimentar a plenitude da realização vocacional, sabendo que foram chamados por Jesus e estão envolvidos na sagrada tarefa de fazer e amadurecer discípulos. ☆

BRYAN AALBORG, pastor associado da igreja adventista de Arlington, Texas, Estados Unidos

Referências:

1 Henry Mitchell, Celebration and Experience ín Preaching. Nashville; Abingdon Press. 1991.

2 Bryan Chapell. Christ-Centered Preaching: Redeeming the Expository Sermon. Grand Rapids; Baker Book House. 1994. pág. 43.

3 Mike Grave. The Sermon as Symphony: Preaching the Literary Forms of the New Testment. Valey Forge, Penn; The Judson Press. 1997.

4 Bryan Chapell, Op. Cit., pág. 12.

Ibidem, pág. 275.

6 Charles Bartow, God’s Human Speech. Grand Rapids; Eerdmans Publishing, 1997, págs. 63 e 64.

7 Warren Wiershe, “your preacing is unique”, in Changing Lives Through Preaching and Worship, editado por Marshall Shelley, Nashville; Leadership/Christianity Today, Random House, Inc. 1995, pág. 7.

Uma mensagem relevante, biblicamente fundamentada, é preparada tendo como alvo os ouvintes.

A tarefa do pregador é elaborar um equilibrado cardápio escriturístico e servi-lo de modo atraente.