A justificaação pela fé é, para muitas pessoas, um tema familiar, e assim deve ser. É-nos dito que êste assunto deve ser a medula e o coração de todos os sermões. Constitui realmente o centro do ensino de Paulo. Nos versículos finais do capítulo terceiro de Romanos, Paulo apresenta várias verdades importantes: (1) O propósito da lei, (2) o caráter universal do pecado, e (3) o remédio para o pecado.
A Idéia de Paulo Sôbre o Propósito da Lei. A Sra. White acentua o fato de que o inimigo do homem sempre trabalhou para desligar a lei do evangelho, mas no plano de Deus ambos vão de mãos dadas. Alexandre Maclaren, o grande pregador e comentarista bíblico escocês, observa que tôda a Palavra de Deus, seja ordem, doutrina ou promessa, contém em si algum elemento que trata da conduta do homem; que Êle não revela simplesmente o que carecemos conhecer, mas que, conhecendo, possamos fazer o que é direito. A lei é uma testemunha ativa a impressionar a consciência do homem com a convicção de pecado. Argumentam alguns que constitui ato cruel da parte de Deus atormentar a consciência humana; que o homem, assim, é levado ao desespêro, à insanidade, e mesmo à morte em conseqüência dos tormentos de uma consciência culpada. Pelo contrário, embora o remorso sem arrependimento possa, na verdade, ser uma experiência crucial e desesperançada, a consciência é um dom misericordioso, um requisito necessário à fé que salva.
Na nação judaica do Velho Testamento, havia uma convicção mais sólida, muito mais pro-funda de pecado do que nas nações pagãs. Não precisamos senão contrastar os lamentos consternados dos salmos com o tono das literaturas grega e romana; no entanto somos informados de que certos pregadores insculpidos em tijolos assírios e babilônios podiam quase ombrear-se à espiritualidade do Salmo 51, eis que há uma lei escrita no coração do homem, a qual desperta a medida da convicção do pecado. De um modo geral, porém, o profundo senso de pecado em Israel era predominantemente resultado da lei revelada. Portanto, o propósito da lei, quer no Velho Testamento, quer escrita no coração, é trazer o homem a Cristo, o qual proverá o poder que habilita o homem a guardar a lei de Deus. “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei” (Rom. 3:31).
A Idéia de Paulo Sôbre o Caráter Universal do Pecado. Paralelamente ao ensino paulino concernente ao propósito da lei está o fato do caráter universal do pecado. No versículo 20 há a declaração negativa: “Nenhuma carne será justificada . . . pelas obras da lei.” E no verso 23 segue-se a asserção positiva de que “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.”
Não há uma tão grande diferença entre os membros da raça humana como às vêzes gostamos de supor. Os homens são iguais pelo menos num ponto: a nódoa fatal do pecado está sôbre todos. Não importa em que direção possamos viajar, quão longe possamos estar, nem quão degradado possa ser um membro da humanidade que possamos encontrar, somos todos iguais no fato de sermos pecadores. Todos são fundamentalmente iguais nas necessidades físicas, nos instintos comuns, e — o que é mais trágico — na experiência comum do pecado. Jeremias fala do coração humano — não de alguns corações — ao afirmar: “Enganoso é o coração, mas do que tôdas as coisas, e perverso” (Jer. 17:9). O evangelho seria melhor compreendido se, de fato, o caráter universal do pecado fôsse mais intensamente sentido.
Em Romanos 3:22, Paulo faz uma declaração bem positiva: Diz êle: “Não há diferença.” Não pude encontrar uma tradução que dissesse não haver muita diferença. Os característicos pelos quais os homens se igualam são muitíssimos mais importantes do que aquêles pelos quais se diferenciam. As diversidades podem ser superficiais, porém as identidades são tão profundas como a vida. O cristianismo cuida das semelhanças fundamentais, e põe de lado como de secundária importância as diversidades subordinadas. Trata dos característicos e fatos comuns à humanidade.
O evangelho não assevera que não há diferença alguma quanto ao grau de pecado. Não se trata de questão de grau mas de direção — não quanto à distância que o navio atingiu em seu curso, mas que caminho tomou. Isto é o “jôgo das velas.” O Novo Testamento não ensina que tôdas as trevas têm a mesma forma — que o homem que tenta fazer o bem de acordo com a luz que tem acha-se no mesmo nível do homem que negligencia tôdas as obrigações. Procura justificar falhas e notórias fraquezas; contudo estas e outras maneiras pelas quais procura suavizar a fealdade de uma coisa feia não altera sua natureza. A despeito dos têrmos convencionais que empregue para designar seus maus traços de caráter, êles permanecem definidos como pecado quando o holofote da lei de Deus lhes revelar o verdadeiro caráter.
Com o estado da moléstia não a diferencia de outro caso da mesma enfermidade, assim não há diferença no fato do pecado. E por sinal não há diferença alguma no fato de Deus amar ao homem. Deus não o ama pelo que êle é. Tampouco deixa de amá-lo por ser o que é. Não temos que abastecer a inexaurível fonte do amor de Deus com os nossos méritos. Contudo, o pecado pode tornar-nos incapazes de receber as mais ricas bênçãos dêsse amor. O homem não pode impedir o Sol de brilhar, mas pode cerrar as cortinas. Não pode impedir ao riacho de fluir, mas pode impedir que a bilha se encha da água da vida, e o faz.
Não há diferença alguma na maneira em que o homem deve receber a salvação. A única coisa que o une a Cristo é a fé (Rom. 3:22). Precisa confiar em Deus, em Seu sacrifício, no poder de Seu amor vivo. O homem precisa confiar nÊle com uma confiança que é a desconfiança de si mesmo. Quase todos têm, pelo menos, um amigo em cujas mãos confiaria a própria vida sem hesitação. Por que não confiarmos em Cristo, nosso Redentor infalível?
As pessoas com quem Paulo argumenta neste capítulo estavam dispostas a admitir que a fé era essencial ao cristianismo, mas queriam acrescentar alguma coisa mais à sua própria moralidade. Contudo não pendiam metade para Cristo e metade para êles mesmos. Tampouco nós o podemos fazer. O banquete provido por Cristo não é uma ceia trivial para a qual cada um leva um prato. Quando vamos a Cristo podemos sòmente levar unicamente as mãos vazias e um coração e mente receptivos. Não é fácil livrar-se da idéia do mérito pessoal. O comentário de Ellen G. White sôbre a parábola de S. Mateus 25 diz que “aquêles a quem Cristo louva, não sabem que O tinham servido a Êle.” — O Desejado de Tôdas as Nações,pág. 637. Ao ouvirem as palavras encomiásticas do Salvador, fazem inquirições perplexas.
Não há nenhuma diferença no poder de Cristo em favor de todos. Naamã era um nobre e esperava ser tratado como tal; no entanto ofendeu-se por Elias tê-lo tratado como leproso. Porém na causa que o trouxe a Elias, não era êle diferente do mais humilde leproso mendigo da Samaria.
Na presença de Cristo não há incuráveis. Quando Êle curava não havia diferença entre lepra, amigdalite ou resfriado comum. O registo sacro nos diz que Êle curava a todos. O mesmo ocorre hoje.
A Idéia de Paulo Quanto ao Remédio Para o Pecado. A mensagem contida neste terceiro capítulo de Romanos nos é tão familiar que corremos o risco de perder o sentido de sua grandeza e maravilha essenciais. “Mesmo a justiça de Deus, a qual é pela fé de Jesus Cristo.” Que Deus confere Sua justiça não sòmente como provinda dÊle por meio de Jesus Cristo mas como uma parte de Sua própria perfeição, é uma verdade que a familiaridade tem, em grande parte, subtraído sua maravilha. Necessitamos meditar mais neste precioso tema até que êle readquira, em nossa experiência, a luz celestial que lhe pertence.
Nesta mesma passagem (cap. 3:21-4:25) verificamos que a fé é a condição de justiça — Cristo é o canal. Contudo o ponto essencial da confiança em Cristo é apresentado nos versículos 24 a 26. Há aí algumas palavras de grande valor! “Justificados.” “Propiciação.” “Redenção.” “Justiça” de Deus. Ser justificado significa ser declarado justo por um ato judicial. A justificação tem sua origem suprema na graça de Deus. E esta graça tem sido definida como amorosa disposição de Sua parte. É ilustrada como a mão de Deus estendendo-se para baixo a fim de agarrar a mão do homem. A redenção — meio da outorga da graça divina — implica um cativeiro e uma liberação por determinado preço. O verso 25 nos diz que êste preço de resgate foi o sangue de Cristo — Sua morte. Há pouco tempo, um professor dirigiu-se a mim, exibindo um distintivo na lapela, o qual indicava haver êle doado dois e meio litros de seu sangue, num período de anos. Blasonam os homens, de modo sem dúvida justificável, em serem doadores de sangue para que vidas alheias sejam mantidas. Cristo, porém, deu não umas gramas, ou litros aos poucos, aqui e ali através de Sua existência terrena de trinta e três anos; deu sim tôdas as gotas de Seu sangue, deu-o completamente, e êsse sangue foi poderosamente suficiente para salvar da morte para a vida eterna todos os sêres humanos que nasceram e que hão de nascer.
Talvez não haja em português palavra que possa com justeza retratar tudo que implica o têrmo “propiciação.” O sentido, contudo, é claro: Cristo em Sua morte sacrifical satisfez a penalidade do pecado, e tornou possível o perdão e a reconciliação de todos os que têm fé nÊle. Temos que experimentar a fé em Jesus Cristo, e precisa ser fé em Sua propiciação, para manter-nos em contato com Seu poder redentor. Que maravilhosa provisão é esta! Jesus Se agrada em que vamos a Êle exatamente como estamos. Aqui muitos falham, porque desejam primeiramente tornarem-se melhores. Alguns querem esperar até que se tornem mais idosos, não entendendo que os dias e os anos não tornam automaticamente o homem melhor. Êles unicamente o tornam mais fraco. A redenção por meio de Cristo é a operação mais sublime da história do universo. O Santo cobre o pecador com Sua própria justiça. “Estas vestes de Sua própria justiça, Cristo dará a tôda alma arrependida e crente. . . . Êste vestido fiado nos teares do Céu não tem um fio de origem humana.” — Parábolas de Jesus, pág. 311.
Por um ato de fé simples ao pecador, contaminado e perdido, é dado pleno crédito para as vitórias terrenas e os atos corretos de Jesus. A redenção do homem é assegurada por esta aceitação. Ela se torna, na verdade, o negócio mais desigual que se pode conceber. Todo o meu passivo em troca de todo o Seu ativo! Não admira que o inimigo de Deus e do homem não se agrada de que esta verdade da Palavra de Deus seja apresentada com clareza. Sabe êle que, sendo ela recebida plenamente, seu poder será minado.
Observamos duas fases no transferir da justiça de Cristo. Primeira, ela é imputada ao pecador arrependido e, a seguir, na realidade comunicada ao cristão. “Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos salvos pela Sua vida (Rom. 5:10). Tão simples, no entanto tão incompreensivelmente maravilhoso! Paulo chama a isto um mistério. É na verdade o mistério dos séculos, sòmente compreendido por aquêles que o experimentam; e experimentado sòmente pelos que aceitam a Cristo e Lhe demonstram fé no poder salvador. O aceitar o Senhor Jesus na alma requer fé que seja simples em seu operar e maravilhosa nos resultados. Muitos professos cristãos que têm o conhecimento da Palavra Sagrada e crêem na sua veracidade falham em confiar como meninos, isto é, numa fé infantil, o que é essencial à religião de Jesus Cristo.
No capítulo quarto de Romanos, Paulo se serve da experiência de Abraão para demonstrar que o programa de Deus para a raça humana pode efetivamente ser levado a bom êxito. No versículo 20 lemos que Abraão “não duvidou da promessa de Deus por incredulidade, mas foi fortificado na fé, dando glória a Deus.” Lutero assim traduziu êste passo: “Êle creu na esperança quando nada havia por que esperar.” A cada um de nós é dada certa porção de fé, talvez tão pequena como um grão de mostarda, mas se é exercitada poderá crescer a ponto de tornar-se fé igual à de Abraão. Dessa forma cumpriremos o propósito da lei: tendo fé simples no derramamento de Seu sangue, e crendo que êle nos pode purificar do pecado. Somos então justificados, e permanecemos justos enquanto mantivermos o apêgo àquela fé que se apodera da mão de Deus em toda emergência.
Cerimônia e Ostentação
“A forma e a cerimônia não constituem o reino de Deus. As cerimônias tornam-se numerosas e extravagantes, quando se perdem os princípios vitais do reino de Deus. Mas não é forma e cerimônia o que Cristo requer. Êle almeja receber de Sua vinha frutos de santificação e altruísmo, atos de bondade, misericórdia e verdade.
“Aparelhamento faustoso, ótimo canto e música instrumental na igreja não convidam o côro angélico a cantar também. À vista de Deus estas coisas são como galhos da figueira infrutífera, que só mostrava coisas pretensiosas. . . . Pode uma congregação ser a mais pobre da Terra, sem música nem ostentação exterior, mas se ela possuir êsses princípios, os membros poderão cantar, pois o gôzo de Cristo está em sua alma, e êsse canto podem oferecer como oblação a Deus.” — Manuscrito123, 1899.