Havia entre os judeus um grupo de pessoas denominadas “Minim”. Esta palavra aparece no Talmude e na literatura rabínica para designar, em forma depreciativa certa classe ou setor que atuava na região da Galiléia e que se opunha à lei. Informa-nos o Dr. LeRoy Edwin Froom que esta seita — considerada verdadeira abominação pelos judeus ortodoxos — chegou a ser tão desprezada que se pensou provir dela o Anticristo, o qual haveria de nascer em Corazim, educar-se-ia em Betsaida e governaria em Cafarnaum. 1

E já no período da igreja cristã, temos que nos referir ao quarto Concilio de Laodicéia realizado na Frigia, Ásia Menor, nos anos 336, 364 e 365, segundo a data mais aceita, e que expediu um cânone contra os observadores do sábado, anatematizando-os. Foi um ataque direto dirigido ao quarto mandamento do Decálogo.

A resolução do Concilio de Laodicéia reza textualmente: “Os cristãos não judaizarão nem estarão ociosos no dia de sábado, mas trabalharão nesse dia; honrarão especialmente o dia do Senhor e, por serem cristãos, se possível, não trabalharão nesse dia. Caso sejam encontrados judaizando, sejam apartados da igreja.” (Kari Joseph Hefele, A History of the councils of the Church from the Original Documents, tomo II, pág. 316).2

O Exato Significado do Têrmo “ Antinominianismo”

A palavra grega nomos significa lei. Aparece 194 vêzes no Nôvo Testamento. São Paulo a emprega 135 vêzes. Nos evangelhos e no livro de Atos, surge 49 vêzes. Não aparece nas epístolas de Pedro, de João e Judas, nem tampouco no Apocalipse.

“Antinominianismo” significa literalmente “contra a lei”. Sem dúvida a palavra “antinomia” tem o sentido de “oposição direta de duas leis de dois princípios” em sua primitiva acepção. Em segunda acepção em forma figurada, significa “contrariedade de doutrinas, caracteres, etc.” 3 Fazemos esta ressalva a fim de evitar qualquer confusão entre os têrmos “antinomia” e “antinominianismo”. O segundo deriva do primeiro; etimològicamente têm a mesma raiz e, sem dúvida são duas coisas completamente diferentes em essência.

Ê indispensável também recordar que, historicamente, há duas espécies de antinominianismo:

1. Antes que surgisse o movimento adventista, empenhavam-se em reparar as roturas abertas na lei de Deus (Isa. 58:12), os que a defendiam, dentro das fileiras do protestantismo, e ao condenarem o “antinominianismo” faziam-no supondo que o domingo houvesse tomado o lugar do sábado do quarto mandamento.

Como exemplo de pastôres protestantes que lutaram contra o antinominianismo, mencionamos Tomás Shepard (1604-1649), pastor calvinista de Cambridge, Massachusetts. Êste ativo pregador lutou bravamente na defesa da lei divina. Contudo, não lhe passou pela mente que o sábado havia sido indevidamente eliminado do Decálogo.

O historiador Eduardo Johnson (1598-1672), que também atuou na colônia de Massachusetts (hoje parte dos EE. UU.), participou em debates provocados pelo antinominianismo. Êste escritor recebeu influência de Shepard.

Como exemplo dos que foram inimigos da vigência da lei e que, por conseguinte, embandeiraram-se com o antinominianismo, citaremos Guilherme Aspinwall (atuou entre 1630 e 1662). Por algum tempo lutou contra a validade da lei, e isso lhe valeu ser privado de seus direitos civis e foi expulso de Boston. Posteriormente submeteu-se à autoridade eclesiástica e mudou seu ponto de vista. 4

2. A partir dos dias em que Raquel Preston convenceu a alguns adventistas quanto a vigência do sábado dentro da imutável lei de Deus, e mais particularmente desde 1845, quando o capitão José Bates começou ativamente sua campanha em favor da observância do sábado bíblico, o antinominianismo assumiu nôvo aspecto que devemos estudar. Trata-se agora, bàsicamente, de uma luta decidida da parte de numerosos autôres protestantes que se opõem à observância do sábado.

Várias Tendências que se Devem Distinguir

Neste esfôrço por eliminar a vigência do dia blico, o antinominianismo assumiu nôvo aspecdes que devemos reconhecer. São as seguintes:

1. Há os que ensinam que o Decálogo caducou na cruz. Em lugar dêle, na nova dispensação, existiría um sistema denominado “a graça”, emanada do espírito do evangelho.

Alguns dos versículos empregados para sustentar esta posição antinominianista extremada são os seguintes: S. João 1:17; Rom. 3:20; 6:14; 10:4; II Cor. 3:6-11; Gál. 2:16-21; 3: 10-14, 17-19, 23-29; 4:4, 5, 10, 11; 5:1; Col. 2:16 e 17.

Por estas passagens chegam à conclusão de que o cristão dominado por novos sentimentos de amor a Deus e ao próximo, sem necessitar da tutela da lei (considerada um “aio” cuja missão terminou com Cristo), naturalmente fará o bem guiado pelo nôvo mandamento de Cristo “que vos ameis uns aos outros” (S. João 13:34), renovado pelo ensino de S. João: “Um nôvo mandamento vos escrevo” (I S. João 2: 8).

Os seguidores desta tendência consideram que não faz diferença dedicar a Deus qualquer dia da semana. Para isto dão ênfase especial em Rom. 14:5.

2. Outros consideram que o Decálogo permanece, com exceção da obrigatoriedade da observância do sábado. Segunda esta maneira de ver as coisas, o dedicar a Deus o sétimo dia da semana constituiría parte das cerimônias, ritos, sacrifícios e outras liturgias do sistema mosaico. Portanto, tal liturgia havia terminado na cruz.

Os que assumem esta atitude geralmente observam o domingo como uma antiga tradição da igreja cristã.

3. Finalmente, há outros credos religiosos que ensinam ser obrigatória a observância do domingo (por êles denominado “dia do Senhor”) e sustentam que há provas suficientes no Nôvo Testamento (Atos 20:7; I Cor. 16:1 e 2; Apoc. 1:10) para afirmar que desde os dias apostólicos o primeiro dia da semana foi considerado sagrado para os cristãos. Apoiam-se também em diversas citações que provêm dos albores da nascente igreja cristã.

Os porta-vozes destas interpretações sãos os os que advogam a promulgação das leis dominicais.

Base Bíblica Para a Posição Adventista

É indispensável recorrer a diversas passagens do Nôvo Testamento a fim de se provar que o Decálogo não terminou com o sacrifício de Cristo na cruz. Vale a pena enumerá-las embora sejam bem conhecidas: S. Mat. 5:17; S. Luc. 16:17; 23:56; Rom. 2:13; 7:12, 22, 23; 8:7; I Cor. 7:19; Efés. 6:1 e 2; S. Tiago 2: 10-12; Apoc. 12:17; 14:12.

Lei Moral e Lei Cerimonial

Para demonstrar que os adventistas não “inventaram” as expressões “lei moral” e “lei cerimonial” (como afirmam alguns evangélicos), é necessário recorrer ao testemunho de Mateus Henry, autor presbiteriano (1662-1714). Em seu Comentário das Escrituras diz:

“A outra Sara, porém, tinha o objetivo de prefigurar a Jerusalém de cima, ou seja o estado dos cristãos sob a nova e melhor dispensação, ou pacto, pelo qual são livres tanto da maldição da lei moral como do jugo da lei cerimonial” Comentário de Gál. 4:25; Volume IX, pág. 307, edição de 1887).

“Sob o Evangelho ficamos libertados, somos postos num estado de liberdade, libertos do jugo da lei cerimonial e da maldição da lei moral; de modo que já não estamos mais presos à observância da primeira nem a rigor da outra. .. . Devemos esta liberdade a Jesus Cristo. Êle é quem nos libertou; pelos Seus méritos satisfez as exigências da lei quebrantada e por Sua autoridade como Rei nos dispensou da obrigação daqueles ritos carnais que se impunham aos judeus” (Idem, comentário de Gál. 5:1, pág. 308).

“A liberdade que desfrutamos como cristãos não é uma liberdade licenciosa; embora Cristo nos haja liberto da maldição da lei, sem dúvida não nos livrou da sua obrigação; o Evangelho é ‘conforme a piedade’ (I Tim. 6:3), e está tão longe de apoiar o pecado, que nos coloca sob a mais firme obrigação de evitá-lo e dominá-lo” (Idem, comentário a Gál. 5:13, pág. 313).

“A lei moral não foi senão para a localização da ferida, e a lei cerimonial serviu como sombra precursora do remédio; Cristo, porém, é o fim de ambas. . .. Cristo é o fim da lei cerimonial; é o ponto final dela, porque é sua perfeição. Chegando a realidade, desaparece a sombra. Os sacrifícios e ofertas, e purificação indicados no Antigo Testamento prefiguravam a Cristo e O assinalavam; e sua incapacidade para tirar o pecado, tornou manifesta a necessidade de um sacrifício que removesse o pecado ao ser oferecido uma só vez. Cristo é o fim da lei moral no sentido de que fêz o que a lei não podia fazer (Cap. 8:3). O fim da lei era pôr o homem em perfeita obediência, e obter assim a justificação. Isto chegou a ser impossível devido ao poder do pecado e à corrupção da natuerza humana; Cristo, porém, é o fim da lei. A lei não é destruída nem fica frustrada a intenção do Legislador, mas, havendo sido obtida plena satisfação mediante a morte de Cristo de nossa violação da lei, alcança-se o fim e somos colocados sob outra forma de justificação. Cristo é assim o fim da lei para a justiça, isto é, para justificação, porém sòmente ‘a todo aquêle que crê’. Depende de crermos, isto é, de aceitarmos humildemente os têrmos do Evangelho .. . para que sejamos justificados pela redenção que é em Jesus” (Idem, comentário de Rom. 10:4, pág. 77).

Também João Wesley (1703-1791) diz o seguinte a respeito: “A lei ritual ou cerimonial, dada por Moisés aos filhos de Israel, que continha tôdas as exigências e ordenanças relacionadas com os antigos sacrifícios do templo, nosso Senhor certamente veio destruir, desfazer e abolir completamente. Disto dão testemunho todos os apóstolos. . . . Esta ‘célula de ordenanças’ nosso Senhor rasgou completamente, e a tirou de nosso meio e a cravou na cruz. A lei moral, porém, contida nos dez mandamentos e posta em vigor pelos profetas, Êle não anulou. Não era propósito de Sua vinda revogar nenhuma parte dela. Esta é uma lei que nunca pode ser quebrantada, que ‘será firme para sempre, e como testemunha fiel do Céu’ (Sal. 89:37). . . . Cada parte desta lei deve permanecer em vigência para tôda a humanidade em todos os séculos (João Wesley, Sermons on Several Occasions, sermão 25, Vol. 1, págs. 221 e 222).

Há outras citações, muitas delas extraídas do mesmo Comentário de Mateus Henry que seria fastidioso enumerar.

No livro Answers to Objections do pastor Francisco D. Nichol, no capítulo 5, intitulado “The Law of God in Church Creeds” (A Lei de Deus nos Credos das Igrejas), entre outras, há preciosas referências aos valdenses, citações do Catecismo de Lutero, Catecismo de Heidelberg, da Confissão de Fé Escocesa, Segunda Confissão Helvética, Trinta e Nove Artigos de Religião da Igreja da Inglaterra, Catecismo Anglicano, Confissão de Fé de Westminster, Confissão Batista de 1688, Confissão Batista de New Hampshire de 1833, dos Artigos de Religião Metodistas de 1784, Catecismo Maior da Igreja Católica Ortodoxa Oriental de 1839 e uma declaração de D. L. Moody. Tôdas estas declarações são acordes em rconhecer a vigência do Decálogo divino.

O livro Drama of the Ages do extinto pastor W. H. Branson, no capítulo “God’s Two Laws”, apresenta vários testemunhos, provindos de várias igrejas protestantes, pelos quais se vê claramente que essas confissões distinguiam claris-simamente a diferença entre o cerimonial e o moral dentro da vontade de Deus expressa em Sua Palavra. Nesse mesmo capítulo, há um testemunho notável de Dwight L. Moody, de seu livro Weighed and Wanting (Pesado e Achado em Falta), que ressalta a obrigatoriedade das “dez palavras” escritas pelo próprio Deus como um código imutável e perfeito.

  • 1. The Prophetic Faith of Ours Fathers, Vol. 1, pág. 584.
  • 2. É útil lembrar que êste Concilio de Laodicéia é considerado como mero sínodo local. Sem dúvida, o Concilio de Calcedônia (ano 451), em seu primeiro cânone, deu validade ecumênica a todos os sínodos anteriores.
  • 3. Enciclopédia Espasa, Volme 5, pág. 790.
  • 4. Esta informação procede do livro The Prophetic Faith of Our Fathers, de Dr. LeRoy Edwin Froom, Volume 3, págs. 43, 88 e 92.