Eu jamais imaginei que pudesse ver a ocasião em que a Igreja Adventista do Sétimo Dia iria hesitar em afirmar sua posição com respeito ao uso do álcool. Mas, será mesmo que aconteceu exatamente o inconcebível? Quando o Departamento de Temperança da Associação Geral apresentou um documento reafirmando nosso histórico padrão de Temperança, no Concilio Anual realizado em Perth, na Austrália, em 1991, o pêndulo das opiniões oscilou. Este era o conteúdo da declaração:

“A Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia reafirma seu histórico padrão a respeito dos princípios de Temperança, conforme a orientação da Bíblia, do Espírito de Profecia e as ações da própria Associação Geral no passado, defendendo a abstinência como um compromisso de cada membro da Igreja.

“A não aceitação de auxílio financeiro proveniente da produção ou comercialização de bebida alcoólica, drogas ilícitas e fumo tem sido baseada nessa premissa, e tais fundos são considerados como estando ‘manchado com o sangue das almas’ (Temperança, pág. 231).

“Ninguém precisa ser informado de que o comércio de bebida é algo que liga suas vítimas à miséria, vergonha, degradação e morte, com a ruína eterna de suas almas. Os que ceifam lucro, direta ou indiretamente, desse comércio, estão colocando na gaveta dinheiro que vem através da perda de almas humanas’ (Idem).

“Portanto, nós reafirmamos tais princípios, apelando para um reavivamento neste sentido entre nosso povo, quer no plano congregacional, individual ou institucional, independentemente da sociedade ignorar ou contrariar esses padrões.

“Além disso, nós afirmamos que a aceitação de recursos provenientes da industrialização e comercialização de bebidas alcoólicas, drogas ilícitas e fumo é antiética e imoral, considerando suas consequências físicas, mentais e espirituais para o indivíduo, bem como sua devastação social.”

Na mesa de discussão

Quando o assunto veio à tona, a discussão girou em torno do recebimento de recursos provenientes do álcool. Ninguém hesitou em condenar a aceitação de ajuda financeira oriunda de drogas ilícitas e fumo, mas houve considerável relutância em aplicar os mesmos princípios para as bebidas alcoólicas.

Alguém tentou fazer uma proposta de emenda à declaração, adicionando a expressão “não solicitados” à palavra “recursos”, mas não obteve êxito. Um presidente de Divisão levantou-se e argumentou que em caso da aprovação daquela proposta, pelo menos um hospital em seu território passaria a enfrentar problemas. Esse hospital estava recebendo recursos não solicitados da comercialização de bebidas. Ele então propôs que a recomendação fosse posteriormente estudada pelo Departamento de Saúde e Temperança, o que foi aceito.

Por esse gesto, nós simplesmente mostramos para o mundo que o dinheiro pode superar princípios, abrir caminhos para conveniências, e que o pragmatismo substitui o idealismo. Se nós, como líderes da Igreja, não podemos estabelecer claramente os parâmetros sobre claros princípios morais, como poderemos esperar que nossas instituições correspondam? Os princípios de Temperança são parte dos fundamentos desta Igreja. A sociedade e o mundo, em grande parte, estão agora confirmando o que nós temos consistentemente declarado sobre os riscos do álcool. E agora nós parecemos estar rumando em direção oposta. Sei perfeitamente que nossos líderes são pessoas honestas, que se esforçarão para dar uma clara orientação através das águas turbulentas. Provavelmente eles ainda não se aperceberam das implicações de tal encaminhamento.

Influência nos hospitais

Recentemente, um de nossos hospitais deu início a uma campanha de levantamento de fundos. Seu diretor estabeleceu claramente que embora a Igreja não sancione o recebimento de recursos provenientes da comercialização de bebida alcoólica, a instituição por ele dirigida agiria independente. O dono de uma indústria de bebidas local foi escolhido como o gerente da campanha e já relacionou 26 doadores, do mesmo ramo de negócio, sob o cabeçalho “Vinho para o jantar”.

Evidentemente, o exemplo dado acima não é representativo da maioria de nossos hospitais. Muitos deles aparentam conservar bem clara a sua missão, ou seja, prover eficiente serviço médico para a comunidade e dar testemunho do estilo de vida adventista. Mas, algumas exceções me deixam preocupado. E são essas que acabam sendo lembradas pelo povo o qual, por sua vez, se surpreende imaginando que outros hospitais estejam fazendo o mesmo.

Nossos hospitais são uma parte vital na Missão da Igreja. Eu mesmo tenho presenciado algumas de suas reuniões administrativas e fico impressionado que, a despeito de tudo, eles estão tentando fazer o melhor que podem. Entretanto, é preciso deixar que princípios, não dinheiro ou conveniências, norteiem a agenda de tais reuniões.

É muito fácil transigir. Alguns hospitais fazem pouca ou nenhuma distinção entre o Sábado e outros dias da semana. Às vezes até parecem estar confusos quanto à sua identidade denominacional. Mas eles não são hospitais comuns. São hospitais adventistas que devem defender princípios, especialmente quando estes são ameaçados.

Não há nada errado com um hospital que estabelece sua própria agenda, seus próprios regulamentos, se ele é uma instituição independente. Mas enquanto fizer parte de uma Igreja, necessita pautar pelos princípios e regulamentos dessa Igreja. Isto requer líderes que “permaneçam firmes ao lado do que é reto ainda que caiam os céus”. Alguns argumentam que se não procurarem se adaptar às circunstâncias acabarão fechando as portas, mas se um hospital não está servindo como uma testemunha em favor da missão e da mensagem da Igreja, é melhor que seja independente.

Enquanto a manutenção de claros regulamentos e princípios padronizados sejam vitais, há alguma coisa mais básica: as pessoas que escolhemos para conduzir nossas instituições devem estar completamente de acordo com os princípios e padrões da Igreja. Do contrário encontrarão uma maneira de burlar os regulamentos.

O Dr. Walter Brown, antigo líder do Departamento de Educação da Associação Geral, cita um clássico exemplo colhido em seus dias de serviço missionário. Uma escola que ele liderara estabeleceu que todas as moças usassem meias compridas durante os cultos na capela. Um professor foi escolhido para fazer a checagem à entrada. Acontece que naquela época, uma costura visível marcava o lado posterior das meias femininas. Assim, algumas moças simplesmente desenhavam a tal costura em suas pernas. O professor vigilante, em meio à multidão que chegava, olhava rapidamente e as moças passavam sem serem importunadas. Elas haviam encontrado uma maneira de burlar o regulamento sem molestações.

Princípios versus conveniências

Jesus sempre agiu motivado por princípios, nunca por conveniência. Ellen White diz a respeito da aceitação do convite por Ele recebido para jantar na casa de Levi Mateus, que “a festa foi oferecida em honra de Jesus, e Este não hesitou em aceitar a gentileza. Bem sabia que isso daria motivo de escândalo ao partido dos fariseus, comprometendo-O também aos olhos do povo. Nenhuma questão de política, entretanto, podia influenciar-Lhe os movimentos. Para Ele, as distinções exteriores não tinham nenhum valor. O que Lhe falava ao coração era a sede da alma pela água da vida”. — O Desejado de Todas as Nações, pág. 274.

Os princípios jamais devem ser sacrificados por causa da unidade. “Jesus orou para que Seus seguidores fossem um; mas não

devemos sacrificar a verdade a fim de assegurar esta união, pois devemos ser santificados pela verdade. Aí está o fundamento de toda verdadeira paz. A sabedoria humana quer mudar tudo isso, declarando muito estreito o fundamento. Os homens querem efetuar a união mediante concessões à opinião popular, transigências com o mundo, sacrifício da piedade vital. Mas a verdade é o alicerce de Deus para a unidade de Seu povo.” — Nossa Alta Vocação, pág. 327.

Princípios versus compromisso

A Bíblia relata a história de um profeta desconhecido a quem Deus ordenou transmitir uma mensagem ao Rei Jeroboão e retornar à sua casa sem parar para comer ou beber. Em seu caminho de volta, entretanto, ele parou para descansar e um outro profeta chamou-o e o convidou para jantar. Quando o profeta de Deus replicou, dizendo que o Senhor lhe ordenara não comer nem beber, o falso profeta mentiu dizendo que Ele lhe tinha falado exatamente de outro modo.

Assim, este profeta sem nome cedeu e desobedeceu. Como resultado um leão matou-o naquele mesmo dia. Deus nos entregou uma clara mensagem de Temperança para ser dada ao mundo. Mas em nosso crescente cansaço, temos parado para repousar e então cedemos à pressão. Estamos famintos da aceitação da comunidade onde vivemos. Mas, à semelhança do profeta, sofreremos a mesma sorte. Também morreremos como uma igreja distintiva que recebeu uma mensagem para estes últimos dias, a menos que ignoremos o falso profeta cochichando em nossos ouvidos algo completamente diferente.

Agora é o tempo para nós, como líderes, obedecermos ao conselho da serva do Senhor: “Não devemos adular o mundo nem pedir-lhe perdão por ter que dizer-lhe a verdade; devemos desprezar toda dissimulação. Arvorai a vossa bandeira para pelejar pela causa dos homens e dos anjos. Entenda-se que os adventistas do sétimo dia não podem aceitar transigências. Em vossas opiniões e fé não deve haver a menor aparência de incertezas; o mundo tem direito a saber que esperar de nós.’’ — Evangelismo, pág. 179.

Ellen White desafia-nos a sermos líderes excepcionais: “A maior necessidade do mundo hoje é de homens que não se comprem nem se vendam. Homens que no íntimo sejam verdadeiros e honestos. Homens que não temam chamar o pecado pelo nome exato; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao pólo. Homens que permanecem ao lado do que é reto, ainda que caiam os céus.” — Educação, pág. 57.

Este não é o tempo para líderes vacilantes, ambíguos ou aparentemente indecisos. Em 1903, a Câmara dos Comuns, na Inglaterra debatia a respeito do protecionismo. O primeiro-ministro, Arthur Balfour, declarou-se como não tendo “segura convicção” a respeito do assunto. Isto instigou a oposição, que escreveu o seguinte poema de versos irregulares:

“Eu não sou pelo livre comércio nem pelo protecionismo.

Eu aprovo ambas as coisas e às duas sou contrário.

Indo pela vida, eu continuamente encontrei

Que é um terrível negócio construir o pensamento de alguém.

Assim, a despeito de todos os comentários, censuras e predições,

Eu firmemente aderi à insegura convicção.”

Como líderes da igreja, devemos ter “segura convicção” sobre Temperança. Em meio a tantos conflitos ao nosso redor, devemos corajosamente permanecer firmes nessa área. Estamos conduzindo vidas humanas e elas devem saber que a Igreja continua solidamente na direção. Não vamos vacilar.

J. DAVID NEWMAN, Editor da revista Ministry.