Quando habilidades intelectuais e técnicas são insuficientes para garantir o sucesso pastoral

O Pastor Alfa1 concluiu com louvor seu preparo teológico. Distinguiu-se em grego, hebraico e teologia. É versado em hermenêutica bíblica, podendo explicar profecias difíceis, pontos teológicos complicados, e ainda pode citar uma infinidade de textos decorados. Ele possui um vocabulário extenso, voz potente e melodiosa, habilidade para colorir cada palavra e prender a atenção da audiência através de gesticulações dramáticas no púlpito. Tem ótima aparência e é bem casado. Parece ser o pastor ideal, com futuro promissor.

Infelizmente, porém, o ministério do Pastor Alfa não deslancha. Atolado na mediocridade, ele é transferido de um pastorado a outro, deixando atrás de si um cordão de problemas, queixas e irmãos descontentes. Aonde quer que ele vá, o relatório é sempre o mesmo: possui talentos e habilidades técnicas, mas não consegue interagir bem com o povo.

Falta ao Pastor Alfa habilidade para tratar com suas próprias emoções e as emoções de outros. Embora ele seja intelectualmente brilhante, carece de habilidades emocionais necessárias para relacionar-se positivamente com outras pessoas. Como resultado, coleciona experiências de fracasso, uma após outra.

Espera-se que pastores e administradores da Igreja no século 21 possuam habilidades tais como proficiência no conhecimento bíblico, capacidade de liderança, facilidade de comunicação, excelência em formação espiritual, capacidade para motivar, destreza organizacional, sabedoria no gerenciamento de conflitos, competência para solucionar problemas, entre outras. Podemos nomeá-las habilidades rígidas. Entretanto, em décadas recentes, tem-se esperado cada vez mais que os líderes possuam o que algumas vezes é chamado de habilidades brandas. Essas facilitam as boas relações interpessoais, revelam sensibilidade e entendimento no trato com as diversas personalidades. A isso chamamos inteligência emocional.

Definindo de modo geral, inteligência emocional é “a capacidade de compreender e administrar nossos próprios sentimentos e responder aos sentimentos de outros, de tal modo a gerar resultados positivos”. Em um obreiro cristão, poucas habilidades são tão importantes como a capacidade, espiritualmente fundamentada, de compreender e relacionar-se com suas próprias emoções e as de outros.

Lamentavelmente, porém, muitos líderes cristãos não possuem inteligência emocional. E o problema é que eles, freqüentemente, não se dão conta dessa deficiência. Inteligência emocional é um dos instrumentos mais essenciais para o êxito de um pastor, seja no trabalho pessoal, na liderança de uma congregação, ou na estrutura administrativa denominacional. E apesar disso, em muitos círculos de treinamento ministerial, a inteligência emocional é pouco discutida ou mencionada.

Como cristãos, geralmente assumimos que o mandamento bíblico do amor (I Cor. 13; Efés. 5; I João 3) é bastante em si mesmo. Isto é, querer amar já seria algo como amar ou saber como o amor funciona. Semelhantemente, é crido que a inteligência emocional de um líder já existe automaticamente com seu desejo de amar. “Estamos sendo avaliados por novos critérios. Já não importa apenas o quanto somos inteligentes, nem a nossa formação ou o nosso grau de especialização, mas também a maneira como lidamos com nós mesmos e com os outros”, diz Daniel Coleman, em seu livro Trabalhando Com a Inteligência Emocional.2 A pesquisa de Goleman demonstra que, na estrutura de uma organização, ter inteligência emocional é tão importante para o desempenho de uma liderança competente como ter QI junto com habilidades técnicas.

Há esperança para qualquer um que tenha a síndrome do Pastor Alfa! A integração de princípios de inteligência emocional no contexto do evangelho, e mediada por valores bíblicos, pode facilitar uma verdadeira transformação na vida do líder cristão. Existem cinco passos que conduzirão a mudanças positivas no relacionamento da liderança pastoral. Vamos a eles.

Aceitação das pessoas

O ministério trata com pessoas. Amar e relacionar-se com diversas personalidades é o coração do pastorado efetivo. Cristo é o verdadeiro modelo de liderança e Seu ministério foi direcionado às pessoas, do início ao fim (Luc. 2:52). “Aquele que procura transformar a humanidade deve compreender ele próprio a humanidade. Unicamente pela simpatia, fé e amor podem os homens ser atingidos e enobrecidos.”3

A compreensão desse fato é crucial. Conhecimento e habilidades são importantes, mas não podem ser separados da inteligência emocional. Essa é uma necessidade real para o êxito da liderança do pastor. Paulo realçou a importância da inteligência emocional. Ele destacou as seguintes qualidades originadas pelo Espírito Santo, necessitando ser cultivadas e nutridas na vida do crente: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra essas coisas não há lei. E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne, com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito” (Gál. 5:22-25).

Mas o apóstolo identificou também qualidades emocionalmente desinteligentes, emoções e ações que necessitam ser evitadas: “Ora, as obras da carne são conhecidas, e são: prostitui18 ção, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como, já outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gál. 5:19-21).

A tarefa emocional dos pastores e líderes cristãos deve estar direcionada, primariamente, às pessoas. Essa primazia também é realçada pelo apóstolo Pedro, ao escrever sobre os princípios do desenvolvimento espiritual, relacionados em sua segunda carta (II Pedro 1:3-10). Bondade fraternal e amor são o cume na hierarquia das características espirituais vitais. A mesma ênfase é encontrada em I Coríntios 13, o bem conhecido “capítulo do amor”. Amar primeiramente a Deus, amar e relacionar-se de modo autêntico e sincero com as pessoas são as características mais importantes de um cristão.

Inteligência emocional, então, provê uma plataforma e um contexto para a demonstração do amor. Seus efeitos são óbvios. Quando um pastor exemplifica o amor e a autenticidade em seus relacionamentos e anima os membros em direção à espiritualidade, a igreja cresce e se desenvolve magnificamente. Inversamente falando, se o pastor exemplifica egoísmo e atitudes negativas, decaem a espiritualidade e a vitalidade da congregação.

Necessidade de mudar

Se uma pessoa enfrenta dificuldades na administração de suas emoções e trata desfavoravelmente outras pessoas, ela deve assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo em sua vida e ministério. Entretanto, o pensamento convencional indica que apenas aproximadamente 20% de um determinado grupo estão comprometidos com mudanças pessoais em algum momento. Não raro, é difícil levar um líder à compreensão de que ele tem problemas e necessita mudar. Mas essa é uma mudança que deve começar com o indivíduo. As pessoas aprendem o que e quando querem aprender. Para começar o processo de mudança, tipos como o Pastor Alfa devem ter interesse, motivação e compromisso para ver a necessidade e admitir o déficit em seu ministério.

Um desafio freqüente no campo da liderança é que as pessoas não dizem ao líder como ele está sendo observado, até que seja, às vezes, muito tarde. O líder sofre do que poderiamos chamar de miopia pastoral, ou seja, a incapacidade de ver-se claramente e, portanto, não perceber seus erros. Mas há indicadores que podem ajudar a entender a necessidade de mudanças: freqüentes discordâncias, falta de cooperação, tendência ao isolamento, ansiedade, rebaixamento dos padrões espirituais, entre outros. O que acontece é que eles sempre são minimizados ou descartados.

Feliz é O líder que pode discernir espiritualmente as áreas de perigo. Igualmente bem-aventurado é o líder que recebe e aceita conselhos de pessoas preocupadas com ele, de modo que possa fazer alguma coisa para corrigir os erros.

Uso do poder transformador

Uma vez que esteja claro que o líder necessita de ajuda, o que ele deve fazer? Embora o Espírito Santo seja a fonte e o catalisador de toda mudança genuína, a inteligência emocional é um instrumento fundamental para efetuar aperfeiçoamentos relacionais autênticos no líder. O desenvolvimento e prática da disciplina espiritual provê a necessária nutrição para a vida do crente (I Tim. 4:7 e 8). Oração, estudo da Bíblia, serviço, mordomia e companheirismo com outros crentes encorajam o crescimento em maturidade, força, desempenho, sabedoria e fidelidade. A disciplina espiritual proporciona energia e autenticidade para conquistar os efeitos positivos da inteligência emocional na própria vida.

Indiscutivelmente, nenhum conceito tem desempenhado um papel maior no desenvolvimento da liderança nas últimas duas décadas do que o conceito de inteligência emocional. Os psicólogos John D. Mayer e Peter Salovey desenvolveram e definiram a inteligência emocional, nos anos 80; e a pesquisa de Daniel Coleman popularizou o assunto nos anos 90. Entretanto, os conceitos e princípios envolvidos são nossos conhecidos há muito tempo.

A inteligência emocional reconhece que todos os líderes experimentam emoções tais como felicidade, tristeza, ira, êxtase, terror, desespero e medo. Tais sentimentos geralmente são úteis na medida em que sinalizam informações a respeito de relacionamentos. Por exemplo, felicidade assinala a presença de relacionamento harmonioso; ao passo que temor indica um estado de ameaça. As emoções, então, ligam pensamentos, sentimentos e ações. Elas se tomam problemáticas quando dominam e controlam a pessoa.

Não raro, esse domínio é vagaroso em seu desenvolvimento e, portanto, ocorre sem que percebamos. Quando isso ocorre com um líder, há uma forte inclinação para desenvolver atitudes e comportamentos destrutivos da confiança nos relacionamentos, e complica o processo de tomar decisões. Entretanto, uma realidade complicadora adicional é que a inteligência emocional leva tempo para ser desenvolvida, porque o sistema emocional não é mudado facilmente nem rapidamente. Além disso, o processo de tais mudanças depende muito da interação social. Mudanças significativas raramente têm lugar no isolamento, fora de relacionamentos saudáveis.

Desse modo, a inteligência emocional é adquirida através da experiência em relacionamentos. Ela requer tempo e diligência, mas os benefícios são óbvios e altamente compensadores. Emoções e ações são controladas, os níveis de estresse permanecem baixos. O líder fica mais habilitado a evitar dizer ou fazer algo de que se arrependería mais tarde; comunica mais efetivamente e influencia outros sem conflitos indevidos. Crescem os relacionamentos com irmãos de fé, colegas e familiares.

As emoções desempenham um papel central em modelar pensamento e lógica. Novos avanços na área de neurofisiologia têm verificado esse relacionamento crucial entre valores, intelecto e emoções. Quando são experimentadas emoções tais como ira, tristeza ou temor, o cérebro humano é programado a responder à ameaça, ativando uma resposta emocional. É aí que se toma tempo para refletir sobre a situação. Com oração e ajuda do Espírito Santo, essa resposta pode ser racional e intencional. A dinâmica da inteligência emocional é colocada em ação. O pensamento claro, sob a influência do Espírito Santo, direciona positivamente as ações subsequentes.

Expansão do horizonte

Daniel Goleman sugere duas amplas competências necessárias para a inteligência emocional: “competência pessoal”, capacidade que determina como nós nos gerenciamos, que consiste de autoconsciência e autogerenciamento; e “competência social”, capacidade que determina como administramos relacionamentos, que inclui conscientização social e administração de relacionamentos. Essas categorias oferecem aos líderes oportunidades infindáveis para avaliação e crescimento.

Autoconscientização. A primeira capacidade na categoria da competência pessoal é considerada uma das mais importantes coisas na vida de um líder. E estar consciente de suas emoções e seu impacto em outras pessoas. Essa categoria inclui autoconscientização emocional, auto-avaliação criteriosa e autoconfiança.

Autogerenciamento. É a habilidade de fazer com que nossas emoções trabalhem em nosso favor, não contra nós. Inclui autocontrole emocional, transparência, adaptabilidade, empreendimento, iniciativa e otimismo.

Conscientização social. Significa compreender, aceitar e ser sensível às emoções e perspectivas de outros. Essa categoria inclui empatia, conscientização organizacional e serviço.

Administração de relacionamentos. É a construção de relacionamentos cooperativos e satisfatórios com outros. Inclui liderança inspiradora, influência, desenvolvimento de outros, gerenciamento de conflitos, construção de laços, trabalho em equipe e colaboração.

Na verdade, embora o conhecimento dessa terminologia seja útil, os líderes podem trabalhar com inteligência emocional sem saber nada sobre as categorias relacionadas, suas características e seu vocabulário. O conhecimento e treinamento em áreas específicas de inteligência emocional pode ser um grande auxílio, mas não absoluto.

Um líder pode determinar, pela graça de Deus e com crescimento pessoal ou esforço interpessoal, ser mais inteligente no âmbito emocional. Estando mais cônscio das emoções e seu impacto – ao praticar as habilidades necessárias a compreender, administrar e relacionar-se melhor com as emoções – ele pode obter progressos.

É indispensável notar que os hábitos de saúde também exercem influência. Sono deficiente, hábitos dietéticos impróprios ou falta de exercício podem tornar mais difícil a conquista da inteligência emocional. Se essas áreas forem bem cuidadas, o desempenho da inteligência emocional no lar, igreja e nos círculos sociais pode ser positivo.

Estratégia de mudança

O Pastor Alfa está trabalhando para melhorar suas habilidades relacionais, determinado a fazer algo para mudar seu histórico de desinteligência emocional. Nesse ponto, ele necessita fazer um plano. Há três caminhos para quem desejar melhorar sua condição nessa área. Primeiro, avaliar honestamente sua presente condição de inteligência emocional. Isso pode ser feito particularmente ou com ajuda externa. Segundo, decidir o que você deseja como um ideal ou alvo de inteligência emocional. Finalmente, desenvolver um plano claro para chegar ao seu estado ideal. Avalie seu progresso, para detectar as possíveis necessidades de mudanças no processo. A ajuda de um especialista ou um amigo pode facilitar esse trabalho.

Uma coisa que o Pastor Alfa compreendeu foi que grande parte do problema era sua falta de conscientização sobre suas emoções e o impacto negativo causado sobre outros. Ele resolveu fazer algo a respeito: está orando sobre o problema e prestando mais atenção no modo como aborda as pessoas e a reação delas. Agora, ele focaliza mais sobre o momento e as pessoas com as quais interage, em vez de insistir em uma ideia ou um projeto pessoal. Interessa-se pelos que estão próximos dele; começou a ouvir. Resolveu melhorar sua autoconscientização emocional e seu autocontrole, através da avaliação feita por si mesmo e por outros.

Também decidiu construir laços e melhorar o nível do senso de equipe e cooperação. Manteve-se focalizado em seu projeto. Periodicamente, reúne-se com pessoas de confiança para refletir e avaliar como está indo. O plano está funcionando. O Pastor Alfa usou esses três pontos, com bons resultados. Avaliou-se para verificar sua condição, desafiou-se a perseguir um ideal específico, mensurável, e desenvolveu um plano para sair de onde estava e chegar onde deseja ir. E está feliz porque, com a ajuda de Deus e firme determinação, começa a ver progressos.

Crescimento constante

E assim termina a parábola do Pastor Alfa. O líder que sente sua necessidade nessa área é único. Isso é porque as pessoas, e freqüentemente os líderes, não sentem que lhes falta inteligência emocional. É preciso coragem para um pastor ou líder cristão admiti-lo. É preciso determinação para comprometer-se a desenvolver um plano. Enquanto os líderes expandem sua compreensão da natureza humana e seu impacto sobre todas as áreas da vida e interação, uma coisa é clara: mudanças podem e devem ocorrer, embora não aconteçam da noite para o dia. Alguns efeitos serão reais e imediatos; outros serão graduais e a longo prazo.

Nunca haverá uma formatura do nosso curso de crescimento em inteligência emocional. Esse é um trabalho da vida inteira. Mas, pela graça de Deus e o poder do Espírito Santo, junto com esforço pessoal, nosso ministério pode ser transformado. O desafio de ser autênticos, genuínos e líderes-servos amorosos pode nos levar a grandes alturas. Não desanimemos. O poder do evangelho, unido à determinação da vontade, pode realizar milagres. Nosso ministério e nossa vida podem ser transformados.

Referências:

1 Pseudônimo.

2 Ellen G. White, Educação, pág. 78.

3 Daniel Goleman, Trabalhando com a Inteligência Emocional (Rio de Janeiro, RJ: Editora Objetiva, 1999).

Delbert W. Beker, Diretor do Oakwood College, Estados Unidos

Treze hábitos pastorais emocionalmente desinteligentes

1. Criticismo

2. Autoritarismo

3. Indisposição para ouvir

4. Comunicação deficiente

5. Atitude inferior

6. Falha em delegar tarefas

7. Manipulação

8. Mente fechada a idiossincrasias

9. Inconsciência dos próprios erros

10. Negativismo

11. Colocação de coisas acima das pessoas

12. Rigidez

13. Atitude superior

Dez coisas que precisamos aprender uns com os outros

1. Comunicação (diga o que pensa, ouça com atenção)

2. Senso de comunidade (respeite a família, vizinhos, cidadãos)

3. Intimidade (conheça e deixe-se conhecer)

4. Bom humor (ponha a vida na perspectiva certa, iluminando-a)

5. Amor (genuína necessidade de dar e receber)

6. Entusiasmo (paixão, vitalidade, urgência natural, compaixão)

7. Partilha (valores, experiências comuns, coragem e força)

8. Apoio (encorajamento e reforço positivo)

9. Toque (abraço e contato físico são vitais)

10. Confiança (capacidade para ouvir e externar esperanças e temores)