“Confessamos que esta Palavra de Deus não foi enviada nem transmitida pela vontade do homem, mas santos homens de Deus falaram ao serem movidos pelo Espírito Santo, segundo disse o apóstolo Pedro. E que, posteriormente, Deus, pelo especial cuidado que Ele tem por nós e nossa salvação, ordenou que Seus servos, os profetas e apóstolos, pusessem Sua Palavra revelada por escrito; e Ele mesmo escreveu com Seu próprio dedo as duas tábuas da lei. Chamamos, portanto, tais escritos de santas e divinas Escrituras.” “Cremos que essas Escrituras Sagradas contêm plenamente a vontade de Deus e que tudo quanto o homem deve crer para a salvação é suficientemente ensinado nelas. Pois, visto que toda a forma de adoração que Deus requer de nós é consignada nelas em geral, é ilícito que alguém, mesmo que seja um apóstolo, ensine diferentemente do que agora somos ensinados nas Escrituras Sagradas.” — The Belgic Confession, 1561 A.D., Artigos III, VII. 16
É nossa convicção que a Bíblia, composta do Velho e Novo Testamentos, é a revelação escrita da vontade e do caráter de Deus, e que ela chegou à humanidade, em sua forma final, mediante um processo de inspiração. A revelação, que denota o ato de Deus desvendar-Se à raça humana, ocorreu por diversos meios. ”Antigamente Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados.” Heb. 1:1, A Bíblia na Linguagem de Hoje. Portanto, o meio de revelação para uma geração pode não ter sido, necessariamente, o mesmo que foi usado para uma geração posterior.
Para Adão e Eva, em seu estado de perfeição moral antes da Queda, o modo de revelação de Deus era a comunicação face a face, livre de toda e qualquer deturpação. O próprio Deus foi o primeiro professor do homem. Adão e Eva eram os alunos, a Natureza era o compêndio, e o Jardim do Éden, a sala de aula. Não havia necessidade de que a Divindade usasse um intermediário, como um anjo ou um profeta, para revelar-Se à humanidade naquele tempo. Depois, porém, do primeiro ato de desobediência do homem, sua natureza tornou-se corrupta e sua mente, deturpada, e assim Deus não pôde usar mais o mesmo meio de comunicação. O pecado produziu obscuridade entre Deus e o homem (ver Isa. 59:2) e lançou um véu deformador sobre a face da Natureza (ver Rom. 1:20-23). O desígnio original do Criador era que o mundo natural provesse uma revelação de Sua glória, de Sua bondade, de Seu poder e de Sua divindade (ver Sal. 19:1; Atos 14:17; Rom. 1:18-20). Essa revelação, às vezes chamada revelação geral, tem sido deturpada e diminuída pelos efeitos do pecado tanto sobre a mente do homem como sobre a face da Natureza. Hoje é impossível que o homem não regenerado chegue a uma correta compreensão da Divindade sem o auxílio de uma revelação especial. Portanto Deus oferece ao homem as Escrituras Sagradas como o meio para compreender corretamente a origem, o propósito e o destino do mundo natural e também do gênero humano.
Além da revelação geral da Natureza e da revelação especial da Palavra de Deus, outros meios de revelação divinamente escolhidos são tipos e simbolismos, sonhos, orações atendidas e a Providência Divina. Deus está constantemente Se revelando por Sua intervenção providencial nos negócios humanos. Mas, embora esteja Se interpondo assim em todos os momentos no fluxo e refluxo dos acontecimentos humanos, Ele intervém em determinadas ocasiões de modo especial (como no êxodo da servidão egípcia) para revelar-Se de maneira acentuada. Tais intervenções são chamadas “poderosos feitos” (Sal. 145:12).
O homem também não é deixado meramente em conjeturas acerca da interpretação desses poderosos feitos. “Deus não somente agiu, Ele também falou.” — “Documentos Para Estudo Sobre a Inspiração e a Criação”, Adventist Review, 17 de janeiro de 1980, pág. 8. Sem um comentário divinamente inspirado sobre essas intervenções, o homem, com sua razão desajudada, jamais poderia interpretá-las corretamente. Por exemplo, a concisa declaração: “Cristo morreu pelos nossos pecados” (I Cor. 15:3) apresenta tanto o próprio ato (“Cristo morreu”) como o seu significado (“pelos nossos pecados”). Semelhantemente, a revelação dada por meio de sonhos, pelos tipos e simbolismos do ritual do santuário e pela oração atendida precisa ser acompanhada pela interpretação, a fim de que alcance seu supremo valor.
A Revelação Suprema
Muito superior à revelação de Deus em tipos e símbolos, em sonhos e visões ou pela voz dos profetas, é a revelação de Sua Pessoa em forma humana. Por preceito e exemplo, Jesus Cristo, a revelação encarnada de Deus, ensinou verdades sobre Seu Pai que não poderiam ser aprendidas de nenhum outro modo. A revelação centralizada na cruz é a mais elevada forma de revelação, e o conhecimento de “Jesus Cristo, e Este crucificado” (I Cor. 2:2) supera consideravelmente qualquer outra forma de conhecimento. As Escrituras declaram o seguinte no tocante a essa revelação suprema: “Em várias ocasiões no passado e de várias maneiras diferentes, Deus falou a nossos antepassados por meio dos profetas; mas em nosso próprio tempo, os últimos dias, Ele nos falou por meio de Seu Filho.” Heb. 1:1, Jerusalem Bible.
Para nós que vivemos no século vinte, a revelação de Deus em Seu Filho Jesus Cristo precisa ser comunicada por intermediários, e, neste caso, em grande parte por testemunhas oculares (Paulo é a notável exceção). Uma dessas testemunhas oculares declara que sua proclamação se baseia no “que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida.” I S. João 1:1. É declarado que a revelação de Deus na carne humana é muito superior a Sua revelação na lei mosaica (ver S. João 1:14-17; II Cor. 3:7-14), nos tipos e símbolos do ritual do santuário (ver Heb. 8:3-6) ou nas mensagens proféticas (ver S. Mar. 8:27-29; S. Luc. 16:16; Heb. 1:1).
O Papel do Profeta
De acordo com a definição e o uso mais antigo da palavra na Escritura, “profeta” é alguém que age como intermediário ou porta-voz, entre Deus e o homem (ver Gên. 20:7: Êxo. 4:10-16; 7:1). Um profeta não pode transmitir outra mensagem senão a que lhe foi dada por Deus, segundo é ilustrado na experiência de Balaão e no chamado de Jeremias (ver Núm. 22:38; Jer. 1:7). Ele fala com o respaldo de toda a autoridade de Deus, conforme denota a expressão “Assim diz o Senhor”. O profeta é alguém que tanto fala como dirige (ver Oséias 12:13), que tanto repreende como anima (ver II Sam. 12:7-14; Esd. 6:14) e que revela os mistérios da intervenção de Deus nos negócios humanos (ver Amós 3:7). A fonte da revelação sempre é Deus; o homem é meramente o instrumento ou meio de comunicação. Deus é sempre o iniciador; o profeta é o respondente. Se a ordem fosse invertida e o profeta tomasse a iniciativa, sua mensagem poderia incidir em erro, tendo de ser alterada mais tarde, como no caso do conselho de Natã a Davi (ver I Crôn. 17:1-4).
Deus escolheu vários métodos para revelar a Si mesmo e Sua vontade ao profeta: impressões inspiradas, sonhos, visões e, às vezes, anjos que transmitiram mensagens explícitas. Nalguns casos o escritor bíblico foi instruído pelo Espírito Santo a consignar suas mensagens para a edificação do povo de Deus em gerações sucessivas, mas nem tudo dessas mensagens escritas foi mais tarde incorporado à Escritura (ver Josué 10:13; II Sam. 1:18; I Crôn. 29:29; II Crôn. 9:29; 26:22). Às vezes os profetas incorporaram em suas mensagens materiais escritos ou proferidos anteriormente, segundo a orientação do Espírito Santo (ver S. Luc. 1:1-4; S. Jud. 14 e 15; I Cor. 15:3; Atos 17:28). Noutras ocasiões o profeta ou escritor bíblico recebia impressões divinas sem ter um sonho ou uma visão, enquanto estudava revelações anteriores ou meditava sobre elas. No entanto, o profeta era sempre totalmente dependente do Espírito Santo para escrever as suas mensagens.
É nossa crença “que a Bíblia adveio da atividade divina pela qual Deus Se revelou a instrumentos escolhidos de modo especial. Ele lhes transmitiu o conhecimento de Si mesmo, de Sua vontade, do mundo e do Universo, bem como a base e o meio de compreendê-los. Deus inspirou esses homens para receberem e comunicarem Sua revelação acurada e autorizadamente. ” — Idem, pág. 9.
A revelação diz respeito ao conteúdo da mensagem, bem como à exposição ao profeta ou escritor bíblico. A inspiração designa a fiel e fidedigna comunicação da mensagem às pessoas. A revelação transpõe a lacuna entre Deus e o profeta; a inspiração assegura que a revelação é fielmente transmitida do profeta às pessoas. Na realidade, tanto a revelação como a inspiração fazem parte de um processo contínuo, e por isso nem sempre é possível separá-las em duas experiências distintas ou sucessivas.
Encontramos um vislumbre da maneira como funciona esse processo no primeiro e no penúltimo capítulos do livro de Apocalipse: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus Lhe deu para mostrar aos Seus servos as coisas que em breve devem acontecer, e que Ele, enviando por intermédio do Seu anjo, notificou ao seu servo João, o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu.” Cap. 1:1 e 2. “Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras.” Cap. 21:5. A revelação foi recebida inicialmente pelo profeta João por meio de um anjo, bem como por meio de visões, e, por sua vez, sob a inspiração de Deus, ele devia transmiti-la por escrito às “sete igrejas”. Assim é mantida a veracidade e a exatidão da transmissão, mediante o aspecto da inspiração.
A Natureza da Inspiração
Ao considerar a natureza da inspiração, devemos ter grande cuidado e reverência, pois um erudito não inspirado não pode explorar plenamente as profundezas de um processo pelo qual só passou uma pessoa inspirada e que só ela pode compreender na íntegra. A inspiração deve ser definida mais sob o aspecto interno do que externo: isto é, a inspiração deve ser seu próprio intérprete. Escreve o apóstolo inspirado: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para correção, para a educação na justiça.” II Tim. 3:16. Os adventistas rejeitam a tradução deste versículo que se encontra na New English Bible: “Toda Escritura inspirada tem sua utilidade para ensinar a verdade e refutar o erro.” A inferência dessa tradução é que nem toda “escritura” é inspirada, e isso nós rejeitamos. Achamos que não compete ao intérprete humano escolher e indicar que partes da Escritura são inspiradas, e quais não o são. Ou toda a Escritura é inspirada, ou não o é.
De acordo com nossa compreensão da Escritura, cremos e ensinamos que a inspiração atua mais sobre a pessoa ou sobre o profeta do que sobre a pena. Rejeitamos toda forma da teoria do “ditado” para explicar a existência das Escrituras. Deus Se comunicou por meio de “santos homens de Deus”, cuja mensagem, embora moldada e motivada pelo Espírito Santo, foi expressada em palavras de sua própria escolha (ver II S. Ped. 1:21). O vocabulário e o estilo de cada escritor bíblico refletem sua própria personalidade, formação cultural, nível educacional, interesses e associações. Portanto, não se pode dizer que as próprias palavras foram ditadas pelo Espírito Santo.
Na ocasião em que lhe foi dada a mensagem, o profeta talvez não a tenha compreendido (ver Dan. 8:15, 17 e 27; 9:22 e 23; I S. Ped. 1:10 e 11. A Bíblia, que é a Palavra escrita, é análoga a Cristo, a Palavra encarnada; assim como houve uma fusão do humano e do divino no Deus encarnado, também há uma fusão do humano e do divino na Escritura. Exatamente como ocorreu essa fusão é um mistério (ver I Tim. 3:16). O produto final é uma revelação infalível da vontade de Deus ao homem, enunciada na finita linguagem da humanidade.
Conquanto reconheçamos que a bem fundada erudição bíblica tem notado diferenças de perspectiva entre diversos escritores da Bíblia (especialmente quando esses escritores lidam com o mesmo assunto) e embora possam ser percebidas pequenas discrepâncias entre os escritores sinópticos dos Evangelhos e entre os relatos paralelos que aparecem em Reis e Crônicas, essas diferenças insignificantes em alguns pormenores não afetam absolutamente o teor global da mensagem bíblica e sua completa fidedignidade. Segundo os padrões de erudição atuais, escritores do Novo Testamento plenamente inspirados podem ter citado ou interpretado “incorretamente” certos textos do Velho Testamento. (Ver S. Mat. 2:23; 27:9; Atos 7:4 e 14; e Gál. 3:17 para exemplos de passagens do Velho Testamento que são interpretadas por escritores do Novo Testamento de certos modos que muitos considerariam duvidosos de acordo com os padrões de erudição atuais.) No entanto, tal situação não afeta absolutamente nossa compreensão de algum importante ensino ou doutrina da Escritura, nem diminui nossa consideração pela Escritura como a Palavra de Deus. Sendo humanas, as palavras em si às vezes podem ser falíveis, mas a mensagem do imutável plano de Deus para a salvação do homem permanece infalível.
Certamente, a arqueologia bíblica, em vez de lançar dúvidas sobre as Escrituras, reiteradas vezes tem vindicado a autenticidade e exatidão do relato bíblico. Não cremos, porém, que a inspiração da Bíblia depende da pá dos arqueólogos. Concordamos com Francis L. Patton: ”É arriscado dizer que, sendo inspirada, a Bíblia deve estar livre de erro; pois nesse caso a descoberta de um só erro destruiría sua inspiração.” — Fundamental Christianity, pág. 163 (citado em Revelation and the Bible, pág. 238).
Embora procuremos usar a arqueologia para vindicar a surpreendente exatidão da Bíblia, se deixarmos que sua inspiração dependa de evidências desenterradas pela picareta dos arqueólogos corremos o risco de que a arqueologia demonstre que um pequeno detalhe bíblico não se harmoniza com os fatos conhecidos. A pá dos arqueólogos tem dois gumes!
A Bíblia autentica a si mesma, e a prova de sua inspiração não se encontra na arqueologia, mas em sua habilidade para transformar vidas humanas e realizar o milagre da regeneração (ver I S. Ped. 1:23).
A Autoridade da Escritura
Quando foram escritas suas Epístolas, Paulo estava ciente de que falava com autoridade do Senhor e de que seus escritos deviam ser usados como prova de fé: “Caso alguém não preste obediência à nossa palavra dada por esta epístola, notai-o; nem vos associeis com ele.” II Tess. 3:14. De acordo com Paulo, tanto suas mensagens orais como escritas vieram diretamente de Deus, sendo portanto autorizadas: “Outra razão ainda temos nós para incessantemente dar graças a Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e, sim, como, em verdade é, a palavra de Deus.” I Tess. 2:13. “Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo.” I Cor. 14:37.
Quando lemos que o propósito da Escritura é ser “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (II Tim. 3:16), damos a isso a interpretação de que a Escritura é o árbitro e padrão final para determinar o que é verdade. Todo escrito que não é canônico, quer seja inspirado, quer não, precisa ser avaliado pela prova suprema da Escritura, e todo ensino ou prática que não se harmoniza com essa prova deve ser rejeitado.
Cremos que o cânon inspirado se restringe aos sessenta e seis livros do Velho e do Novo Testamento. “Os adventistas do sétimo dia aceitam a Bíblia inteira, crendo que ela não somente contém a palavra de Deus, mas é a Palavra de Deus.” — Adventist Review, 17 de janeiro de 1980, pág. 10. Rejeitamos a idéia de que existe “um cânon dentro do cânon”, como também a possibilidade de que os escritos de algum reformador ou de algum escritor moderno sejam incluídos no cânon. Para nós, o cânon foi encerrado por volta do fim do primeiro século A.D., embora levasse dois ou três séculos para que a igreja cristã reconhecesse onde deviam ser traçados os limites do cânon. Rejeitamos a possibilidade de que os escritos intertestamentais, como os Apócrifos e os Pseudoepígrafos, sejam incluídos no cânon. Uma razão é que em parte alguma o Novo Testamento os considera como “Escritura” e nem uma vez apresenta uma citação desses escritos com as palavras: “Está escrito”.
A autoridade da Bíblia se estende além da prova de doutrina que ela é, para abranger o âmbito da Ciência, História, Saúde e Educação. Seus conselhos provêem um guia infalível para determinar a ética pessoal e estabelecer relações interpessoais. Na realidade, não há nenhum aspecto da vida diária que não seja abrangido por seus princípios fundamentais. A Bíblia provê total orientação para o viver cristão, e, se for seguida, conduzirá finalmente à vida eterna (ver S. João 5:39). Só com a ajuda do Espírito Santo pode o homem interpretar corretamente a Escritura e aplicar devidamente seus princípios à vida diária (ver S. João 16:13).
Depois da dádiva de Cristo e Sua morte sobre a cruz, o mais precioso dom concedido por Deus à humanidade é a dádiva de Sua Palavra. Não há instrumento mais poderoso à disposição dos que se entregaram a Cristo como Salvador, do que a Bíblia. Assim como a palavra proferida trouxe vida a nosso planeta, na Criação, a Palavra escrita produz nova vida na alma amortecida pelo pecado (ver Sal. 33:6; diz a Palavra que vive a respeito da Palavra escrita: “As palavras que Eu vos tenho dito, são espírito e são vida”; “E a vida eterna é esta:
que Te conheçam a Ti, … e a Jesus Cristo, a Quem enviaste”. S. João 6:63; 17:3). Como podemos conhecer a primeira sem conhecer a outra?