S. H. HORN e L. H. WOOD

(Professores do Seminário Teológico Adventista)

O ARTAXERXES BÍBLICO

SUCESSÃO cronológica de Esdras e Neemias.

— Os livros de Esdras e Neemias, que até tempo muito recente constituíam um único livro na Bíblia hebraica (1), narram a história da restauração dos judeus, sob o govêrno de três dirigentes sucessivos: Zorababel, Esdras e Neemias. A veracidade histórica dessa ordem era geralmente aceita tanto entre os judeus como os cristãos, até fins do último século. Entretanto, desde 1890 a situação modificou-se notàvelmente. Foi justamente nesse ano que o erudito belga A. Van Hoonacker publicou seu primeiro trabalho sôbre a relação cronológica entre Esdras e Neemias; propunha êle uma modificação na ordem tradicional, apresentando Esdras como um dos sucessores de Neemias (2).

Não é êste o lugar para expor o pró e o contra desta teoria que durante os últimos sessenta anos foi aceita por um número cada vez maior de estudiosos. Deveria estabelecer-se, entretanto, que a maioria dos que se aprofundaram no tema ainda estão aferrados ao ponto de vista tradicional, segundo o qual Esdras chegou à Judéia treze anos antes de Neemias, relacionando-se mais tarde com o trabalho dêsse reformador (3). Isto revela que os argumentos apresentados em favor de uma ati-vidade posterior de Esdras em relação com Neemias não foram suficientemente fortes para convencer todos os eruditos, quanto à solidez da teoria, segundo a qual Esdras chegou à Palestina depois de Neemias, quer fôsse nos últimos anos de Artaxerxes I, quer no sétimo de Artaxerxes II.

Em face das alegações ocasionais de que “agora pode considerar-se virtualmente inequívoca” a data fornecida por Van Hoonacker para a chegada de Esdras (4), ou em face da afirmação de que “investigações recentes e confirmadas fixam a viagem de Esdras à Palestina” no “sétimo ano de Artaxerxes II” (5 6), dever-se-ia ter bem presente que esta teoria moderna não foi universalmente aceita.

O Artaxerxes de Neemias

A partir do descobrimento dos papiros elefantinos desapareceram quase totalmente tôdas as dúvidas quanto a. qual Artaxerxes se refere o livro de Neemias. As provas contidas em alguns, dêsses papiros estabelecem virtualmente o fato de que Neemias desempenhou sua função de governador da Judéia sob o reinado de Artaxerxes I.

Dos papiros elefantinos, AP 30 e 31, deduzimos que Joanã era sumo sacerdote em Jerusalém no ano 407 A.C. (6). Êle é citado em Nee. 12:22 e 23 (ver também Esd. 10:6). como filho do sumo sacerdote Eliasib, que oficiou no tempo em que Neemias governou (Nee. 3:1). Josefo, entretanto, afirma que Joanã era neto de Eliasib (7). Pouco interessa, para nosso estudo, determinar se o historiador judeu tem razão ou não, já que esta-mos empenhados em estabelecer que, em conformidade com ambas as fontes, a bíblica e a que Josefo nos fornece, o sumo sacerdote Eliasib do tempo de Neemias, precedeu o sumo sacerdote Joanã, que atuou no ano 407 A. C. Isto situa Neemias como um homem da geração anterior, da época do rei Artaxerxes I.

Colhe-se uma prova adicional da menção feita num dêsses documentos de “Delaías e Selemias, filhos de Sambalá, governador de Samaria” (AP 30, linha 29), mostrando que Sambalá, o mais acerbo inmigo de Neemias, ainda era governador da província vizinha da Judéia, Samaria, no ano 407 A.C. Embora a Bíblia não nos diga que exercia o pôsto de governador, mostra entretanto, claramente que era pessoa de influência e, de acôrdo com o relato, tal como o regista Neemias, não encontramos ali objeção sólida alguma para a suposição de que Sambalá haja sido governador. Parece, entretanto, que no ano 407 A.C. êle era pessoa idosa que transferira para os filhos o cargo do govêrno, pois, no Egito, os Judeus a êles apresentavam os seus pedidos. A época em que Sambalá decidia por si os assuntos do govêrno [sem a intromissão dos filhos] parece haver sido coisa do passado, e pôsto que a obra de Neemias se desenvolveu de forma indubitável no período em que Sambalá estêve ocupado ativamente com os assuntos de Estado de sua província, parece mais evidente que o único Artaxerxes sob cujo govêrno Neemias pôde haver atuado, foi Artaxerxes I, que morreu no ano 423 A.C.

Por essas e outras razões adicionais não tão sólidas, há poucos eruditos que durante os últimos quarenta anos tenham duvidado de que o Artaxerxes de Neemias haja sido outro que não Artaxerxes I (8).

O Artaxerxes de Esdras 7

O situar Neemias no tempo de Artaxerxes I resulta em engano absoluto. Se aceitamos a unidade dos livros de Esdras e Neemias, bem como a ordem cronológica do relato que nos apresentam, Artaxerxes I também deve ser tido como a pessoa que concedeu a Esdras permissão para voltar à Palestina e efetuar a reforma do sistema judicial, conforme está descrito em Esdras 7. Nesse caso, Esdras chegou à Palestina no 7o. ano de Artaxerxes I (Esd. 7:7-9) e atingiu o objetivo para que fôra enviado. A seguir encontramos na Bíblia silêncio absoluto quanto às suas atividades ulteriores, até que o encontramos participando da dedicação dos muros de Jerusalém, no tempo de Neemias, pelo menos uns treze anos mais tarde (Nee. 5:14), como um dos dirigentes nas procissões de ação de graças que percorriam os degraus da cidade e marchavam sôbre os muros (Nee. 12:36). Novamente aparece como um dos dirigentes quando foi lida a lei e feito pacto entre o povo de Deus, atendendo a instâncias de Esdras e Neemias (Nee. 8:9).

Estas considerações nos obrigam a aceitar a Artaxerxes I como o rei sob cujo govêrno, primeiramente Esdras, e depois Neemias, trabalharam em favor de sua nação. Tôda alteração nesta sucessão cronológica atenta contra a veracidade do relato dêstes livros, segundo nos foram transmitidos, e deve, portanto, ser recusada. Ao aceitar Artaxerxes I como o rei de Esdras 7, identificamo-nos com a maioria dos eruditos que até agora se manifestaram sôbre o assunto (9).

Os Anos Régios de Artaxerxes I

Esdras, tanto quanto seus predecessores do tempo posterior ao exílio, e quanto Neemias, que veio mais tarde, computava os acontecimentos em conformidade com os anos régios dos reis persas, sob cujo govêrno viveu. A maioria dos entendidos sustém que essas datas estão consignadas segundo o calendário babilônio, que era o empregado pelos persas. Portanto, a primeira tarefa será determinar os anos régios de Artaxerxes I, em conformidade com o cômputo persa.

Já foi mostrado que os egípcios, também sob o govêrno persa de então, enumeravam os anos do govêrno de seus dirigentes segundo o calendário egípcio; bem como que a prova extrabíblica para o calendário judaico e seu sistema de datar os anos régios dos governantes persas, encontra-se numa série de documentos egípcios. Vários dêles são portadores de datas judaicas e egípcias, e um possui a referência cronológica mais remota vinculada com o reinado de Artaxerxes I. Devemos, portanto, fixar também os anos de Artaxerxes, seguindo o método do cômputo egípcio.

Finalmente, devem ser verificados os anos de Artaxerxes, em conformidade com os cômputos hebraicos.

Determinação dos Anos Régios Persas

“Os descobrimentos feitos durante os últimos séculos na Mesopotâmia e Egito, forneceram muito material que pôs sôbre fundamentos sólidos a cronologia dos impérios neobabilônio e persa. Por exemplo, centenares de ladrilhos datados podem ser ordenados em séries quase completas de anos régios. Mas, conforme já foi explicado (10), uma fórmula cronológica como “no 1o. dia do 5o. mês do 16°. ano de Xerxes” é uma declaração que só tem validez relativa; adquire sentido diverso nos vários sistemas de cômputo, pois, para sua determinação, depende da data exata da ascensão ao trono, do uso do sistema que inclui o ano ascensional ou do que o elimina, e dos diferentes pontos de onde começam os diversos anos calendários ou civis. A fim de reduzir essas séries de anos régios a têrmos absolutamente cronológicos, devemos apelar para certos documentos específicos que nos forneçam referência cronológica adicional de tal índole que nos habilite a localizar exatamente datas da era pré-cristã; essa informação poderia ser uma sincronização com outros sistemas de cômputo ou uma referência astronômica que possa ser confirmada por cálculos precisos.

Um dos pontos básicos, a partir do qual podemos situar outras datas que tenham vinculação com o mesmo, é-nos fornecido por um ladrilho astronômico que inclui uma série de observações datadas do ano 37°. de Nabucodonozor. Com base nelas fixa-se o comêço dêsse ano nos dias 22/23 de abril do 568 A.C. e sua expiração nos dias 11/12 de abril de 567 A. C. (11). Outro ladrilho astronômico de igual importância estabeleceu que o ano 7o. de Cambises prolongou-se de 6/7 de abril do ano 523 A. C. até 25/26 de março de 522, da mesma era (11). Com a ajuda do cânon de Ptolomeu (12) e de centenares de documentos cuneiformes providos de datas e escritos sôbre ladrilhos de barro, elementos, todos, que concordam plena-mente no tocante ao total dos anos régios que correspondem a cada rei, é possível chegar a datas exatas para cada um dos reis que reinaram no período compreendido entre os dois ladrilhos astronômicos citados neste parágrafo.

Para os reis que sucederam a Cambises, e es-pecialmente para os do século V da era pré-cristã, nossa cronologia depende novamente do cânon de Ptolomeu e dos ladrilhos “Saros” (13), corroborados por numerosos documentos cuneiformes datados, aos quais podem acrescentar-se os papiros elefantinos de data dupla (14 15), cuja sincronização entre o conhecido calendário egípcio e o mês e dias lunares, fornece uma prova da mesma época dos anos régios dêste período que estamos comentando.

Por exemplo: um dêsses papiros, o AP 5, ajuda-nos a fixar o 15°. ano régio de Xerxes, no qual o papiro está datado, porque a referência cronológica dupla que possui revela que foi escrito entre o amanhecer do dia 12 de setembro de 471 A. C. e o amanhecer do dia 13 de setembro do mesmo ano. Visto sabermos que o ano civil persa se iniciava na primavera, o 15°. ano régio de Xerxes deve haver começado na primavera de 471 A. C. e expirado na mesma estação de 470 A. C. Outro papiro duplamente datado fornece em forma similar as datas da era pré-cristã correspondentes aos 14°., 16°., 19°., 25°., 28°., 31°., e 38°. anos régios de Artaxerxes I; o mesmo faz com o 13°. ano de Dario II e os 1o. e 3o. anos de Artaxerxes II. Visto que as datas obtidas dêstes papiros harmonizam com as do cânon de Ptolomeu, e estas, por sua vez, com as datas dos ladrilhos Saros, não existe dúvida alguma razoável quanto à validez das datas aceitas para os reis do século V da era pré-cristã, tal como nos são dadas, por exemplo, em Babylonian Chronology (A Cronologia Babilônia), de Parker e Dubberstein.

Os Anos de Artaxerxes I de Acôrdo com o Computo Persa

Artaxerxes I era o filho menor de Xerxes, assassinado no ano 21°. de seu reinado, por um dos principais cortesãos, chamado Artabano. Atirando a infâmia do crime sôbre o filho mais velho do rei, o assassino induziu o príncipe menor, Artaxerxes, a que matasse seu irmão e ascendesse ao trono, com o pensamento de que seria um títere a quem poderia dominar fàcilmente. Mais tarde, quando pretendeu eliminar Artaxerxes, possivelmente para ascender êle próprio ao trono, o jovem rei mandou matá-lo e tomou pleno domínio do govêrno (16). Alguns escritores da era cristã, considerando Artabano rei com um reinado de sete meses, computaram o princípio do reinado de Artaxerxes a partir da morte de Artabano (17), mas os historiadores gregos clássicos, que constituem nossa única autoridade em matéria de história, consideram Artabano um funcionário de hierarquia elevada, e nunca um rei (18). Os documentos da época não falam de Artabano, e o relato referente a seu breve reinado entre Xerxes e Artaxerxes, com base em alguns historiadores antigos, bem pode considerar-se uma lenda.

Devemos admitir, por conseguinte, que, em conformidade com os registos da época, o cômputo inicial do reinado. de Artaxerxes está determinado pela morte de seu pai, Xerxés. As provas do papiro com data dupla, do cânon de Ptolomeu e dos ladrilhos Saros, fornece de forma inequívoca os anos que reinaram ambos os governantes, tal como foi exposto no parágrafo anterior. Dêste modo se chega à conclusão de que o ano civil persa que começou ha primavera de 465 A.C. e terminou na primavera do ano. 464 da mesma era ao começar, era o 21°. ano do reinado de Xerxes, mas como êste morreu nesse ano, finalizou sendo o ano ascensional de Artaxerxes. Podemos concluir, outrossim, que imediatamente se seguiu o primeiro ano régio de Artaxerxes I, que começou com o dia 1o. de Nisã, na primavera do ano 464 A. C.

Da mesma maneira que para a data exata do comêço do reinado de Artaxerxes, a prova cuneiforme para a data final do reinado de Xerxes consiste num ladrilho que, conquanto não da mesma época, faz alusão a um documento anterior que situa êste evento em fins do ano 465 A. C., evidentemente em dezembro. Em verdade, de acôrdo com um dos papiros, êsse acontecimento ocorreu antes do dia 2 de janeiro de 464 A. C. Se bem que não é necessária a referência à cronologia exata do fim do reinado de Xerxes para determinar os anos régios persas de Artaxerxes, oportunamente êste ponto será abordado porque é importante para estabelecer o cômputo judaico do reinado.

As fontes já consideradas revelam que todo documento datado no ano 1o. de Artaxerxes deve haver sido escrito entre a primavera de 464 e a primavera de 463 A. C., se fôr seguido o método persa de computar o tempo. Daí que as ocorrências consignadas no 7o. ano de Artaxerxes ocorressem no período que se estende da primavera do ano 458 até à primavera de 457, A. C., se foram datadas de acôrdo com o sistema persa.

Os Anos de Artaxerxes I Segundo o Computo Egípcio

Durante todo o século V A. C., o dia 1o. de Toth, dia de Ano Novo do “calendário móvel” dos egípcios, caiu em dezembro, ao passo que o dia de Ano Novo do calendário lunar persa, que ocorria no dia 1o. de Nisã, caía na primavera, quer em março quer em abril (19). Em vista de os antigos cômputos dos anos régios de acôrdo com todos os anos calendários ou civis, e os calendários egípcios e persa se superpunham apenas durante oito ou nove meses cada ano, sempre havia três ou quatro meses em que a numeração dos anos de reinado de um rei persa diferia nos dois calendários.

Tôda vez que o cânon de Ptolomeu pode ser confrontado e verificado com documentos pertencentes a êste período persa (que compreende todos os governantes menos os três últimos) (20), uniformemente vai assinalando o comêço do ano régio egípcio de cada governante com 1o. de Toth que precede ao correspondente dia de Ano Novo persa, e com 1o. de Toth que o sucede. O comentário dos papiros aramaicos do século V da era pré-cristã, que será feito no apêndice dêste trabalho, mostrará que êste sistema não foi um artifício ideado por Ptolomeu, séculos depois da expiração do domínio persa, mas era o procedimento corrente utilizado no Egito, sem dúvida durante o século V, e provàvelmente também durante os demais séculos compreendidos pelo cânon de Ptolomeu.

Isto já foi exemplificado ao considerarmos um papiro provido de data dupla, o AP 28, que apresenta dois anos régios, o 13°. e o 14°. de Dario II. O documento foi escrito em fevereiro do ano 410 A.C., quando o 14°. ano egípcio de Dario já havia começado em dezembro, mas antes que o 13°. ano persa houvesse finalizado na primavera, ou seja o 13°. ano judeu, no outono seguinte (21).

Em resumo: se um documento, datado em um ano de um rei persa, de acôrdo com o sistema de cômputo egípcio, contém segunda data entre o dia 1°. de Toth egípcio e 1o. de Nisã babilônio da primavera seguinte, o número do ano egípcio que apresente será superior em um ao número do ano persa equivalente. Depois do dia 1o. de Nisã não existe diferença entre ambos os calendários na numeração dos anos régios até ao último dia do ano egípcio; daí em diante o seguinte ano régio egípcio de um rei persa novamente precedería seu equivalente persa por vários meses.

Dêste modo, de acôrdo com o sistema egípcio de computar os anos do reinado, o ano 1o. de Artaxerxes I se estendeu do dia 17 de dezembro de 465 A. C., até ao dia 16 de dezembro de 464, e, por conseguinte, seu 7o. ano egípcio ocorreu entre 16 de dezembro do ano 459 e 15 de dezembro de 458 da era pré-cristã. 19 20 21

Os Anos de Artaxerxes I Segundo o Computo Judaico

Em artigos anteriores evidenciou-se o fato de que no tempo do cativeiro babilônio estêve em uso no reinado de Judá, e também entre os judeus depois da restauração, um ano civil que vigorava de outono a outono. As crônicas de Neemias mostram que mesmo os anos régios de um rei estrangeiro eram computadas segundo o calendário judaico de outono a outono, tal como os egípcios contavam os anos do reinado dos reis persas, segundo seu próprio ano calendário.

Visto que em um acontecimento datado por Neemias no mês de Quisleú do 20°. ano do rei Artaxerxes fôra anterior a outro ocorrido no mês de Nisã do mesmo ano 20°., sem dúvida alguma Neemias datou os anos régios de Artaxerxes I de acôrdo com um calendário em que Quisleú precedia a Nisã, condição que se cumpre em um calendário de outono a outono, que começa com o mês de Tishri. Dêste modo os calendários persa e judaico coincidem apenas durante seis meses, e, como conseqüência, durante um semestre, a numeração dos anos de reinado de um rei em um dos dois sistemas de cômputo seria superior em um à numeração do outro sistema.

Entretanto, a prova bíblica não basta para saber precisamente se os anos régios de Artaxerxes, segundo o cômputo judaico de outono a outono, precediam ou sucediam aos anos persas correspondentes. Noutras palavras, necessitamos saber se o ano 20°. de Artaxerxes harmonizava com o cômputo judaico, ou se êste começava no outono do ano 20°. persa para ser, pelos judeus, considerado o 20°. ano durante os seis meses posteriores ao seguinte 1o. de Nisã, quando para os persas já se iniciara o ano 21°. do reinado do rei.

Felizmente êste problema pode solucionar-se graças à existência de dois documentos contemporâneos extrabíblicos, que estabelecem que a morte de Xerxes ocorreu em fins do ano 465 A. C., evidentemente em dezembro. Portanto, de acôrdo com o sistema judaico de computar os anos do reinado, os anos de Artaxerxes estão fixados meio ano mais tarde que no calendário persa. Que Xerxes foi morto em dezembro está provado por um ladrilho cuneiforme encontrado nas escavações feitas em Ur, em 1930/31; êsse ladrilho é um documento ou convênio em que se redistribuem certos terrenos entre quatro irmãos. O documento está datado do ano 13°. de Artaxerxes I, mas especifica que o documento original fôra firmado no mês de Quislimu, do ano 21°. de Xerxes (22).

Em Babilônia, o mês de Quislimu, dêsse ano, começou, segundo listas cronológicas de Parker-Dubberstein (23), em 17 de dezembro do ano 465 A. C., o dia mais antigo em que o documento poderia haver sido escrito. Nesse dia o escriba o redigiu em Ur, crendo que Xerxes ainda vivia; em caso contrário, teria datado o documento do ano ascensional de seu sucessor. Isto demonstra que a morte de Xerxes não pode haver ocorrido muito antes do dia 17 de dezembro, se reconhecermos que foram necessários vários dias para que a notícia chegasse a Ur. Não sabemos onde ocorreu o assassínio de Xerxes, mas cremos que os locais mais indicados são Susã ou Persépolis (24); em ambos os casos não teria sido necessário muito tempo para que fôssem conhecidas em todo o vale da Mesopotâmia as notícias da morte do rei.

Que a morte de Xerxes não ocorreu muito depois do dia 17 de dezembro de 465 da era pré-cristã está provado por um documento escrito no Egito em 2 de janeiro de 464 A. C., em que já se menciona a ascensão de Artaxerxes ao trono. Êste documento, AP 6, um dos papiros aramaicos que citamos anteriormente, tem o seguinte texto cronológico: “Em 18 de Quisleú, que é o dia 17 de Toth, no ano 21, e comêço do reinado em que o rei Artaxerxes se assentou em seu trono” (25): Não cabe dúvida de que êste documento foi escrito no ano ascensional de Artaxerxes I, e não de Artaxerxes II ou III, pois unicamente êste rei subiu ao trono no ano 21°. de seu predecessor, Xerxes (26). Infelizmente, a parte do ladrilho que consigna o número do dia do mês Toth está quebrada. Atendo-nos a fundamentos paleográficos (28), os restos dêsse número poderiam ser completados de acôrdo com três possibilidades igualmente verossímeis; que o número original seja um 7, um 14 ou um 17; mas unicamente o dia 17 de Toth concorda com 18 de Quisleú no ano da morte de Xerxes, que ao mesmo tempo era o ano ascensional de seu filho Artaxerxes; de modo que parece inequívoco que a data restaurada seja o “dia 17 de Toth”. 17 de Toth correspondeu a 2/3 de janeiro de 464 A. C., de nascer a nascer do Sol. Dêste modo, torna-se evidente que no dia 2 de janeiro do ano 464 da era pré-cristã, a notícia da ascensão de Artaxerxes já fôra levada ao Egito, se bem que tão recentemente que o escriba do papiro AP 6, havendo durante meses datado os documentos no ano 21°. de Xerxes, começou a fazê-lo como de costume, e em seguida terminou a referência cronológica acrescentando o ano da ascensão de Artaxerxes.

Os dois documentos se confirmam mutuamente em forma conclusiva, provando-se assim a veracidade da declaração feita pelo historiador Oslmtead, no sentido de que Xerxes foi assassinado “próximo do fim de 465” (27) embora então se baseasse somente em um dos documentos mencionados nos parágrafos anteriores. Conquanto provàvelmente jamais se haja de conhecer a data exata da morte de Xerxes, é pràticamente certo que tenha ocorrido no fim do ano 465 A. C., porque no dia 17 de dezembro ainda se supunha na Mesopotâmia que Xerxes vivia, e no dia 2 de janeiro as notícias da ascensão de seu filho já haviam chegado ao Egito.

Êste fato permite assegurar que os judeus, tal como Neemias, utilizando um calendário civil, de outono a outono, começaram a calcular o primeiro ano régio de Artaxerxes a partir de 1o. de Tishri do ano 464 da era pré-cristã, e não no ano 465, visto que Xerxes ainda vivia depois de 1o. de Tishri de 465 A. C., e sua morte ocorreu, apenas cêrca de dois meses depois desta data. Desde dezembro do ano 465, ou logo que os judeus se informaram da ascensão de Artaxerxes ao trono, teriam começado a computar os acontecimentos no primeiro ano deste rei. A figura 4 facultará melhor compreensão.

A Viagem de Esdras no Sétimo Ano de Artaxerxes

Conseqüentemente, se o primeiro ano de Artaxerxes se estendeu desde o outono do ano 464 até ao outono de 463 A. C., o 7o. ano de seu reinado corresponde ao período compreendido entre o outono de 458 e o outono do ano 457 da era pré-cristã, como se vê claramente na figura 4. Portanto, a viagem de Esdras, que, segundo Esdras 7:8 e 9, começou no mês de Nisã e terminou no de Abib do 7o. ano de Artaxerxes, se estendeu de fins de março até fins de julho do ano 457 A. C. ‘ As provas apresentadas num artigo anterior, não de Neemias, mas também provenientes dos papiros elefantinos, evidenciam que no Egito os judeus computavam os anos do reinado de um rei persa segundo o ano civil que vigorava de outono a outono, bem como o estabelecimento, neste capítulo, da data da ascensão de Artaxerxes em dezembro de 465 A.C., graças aos ladrilhos de Ur, coloca em bases sólidas as datas consignadas no parágrafo anterior. Êstes documentos, juntamente com as declarações bíblicas de Neemias e Esdras, levam à inevitável conclusão de que o decreto de Artaxerxes I foi promulgado depois da volta de Esdras a Babilônia, em fins do verão ou comêço do outono do ano 457 da era pré-cristã.