O Apocalipse, como o próprio nome o significa, é uma revelação da história em que, peculiarmente, o revelador é o personagem central, o ponto de referência, sem o qual a história fica destituída de sentido. Daí a grande importância de que se reveste o livro em apreço nestes dias, quando a incerteza do futuro faz morada em cada coração, e mesmo os mais fiéis cristãos ameaçam vacilar. Conhecer a mensagem apocalíptica e manter um bom relacionamento com Cristo — o Revelador — é algo sumamente útil e necessário.

‘‘O Livro é para o cristão um estímulo de fé, um tônico nas provas da vida e uma segurança da salvação em Cristo”. (1)

  • II. A Cristologia do Apocalipse

O livro do Apocalipse começa com as palavras: “Revelação de Jesus Cristo”; que tanto em grego como em português podem significar uma revelação dada por Jesus Cristo, ou uma revelação acerca de Jesus.

Alguns comentadores têm optado pela segunda interpretação, justificando que o propósito de João era apresentar o papel de Jesus como o Chefe Invisível da Igreja, que já começava a suportar provações. De fato, o Apocalipse muito se prestaria para infundir confiança e ânimo nos aturdidos seguidores da seita nascente.

Outros, a maioria dos expositores, lembrando a frase mediana do verso 1: “.. . dar a conhecer aos seus servos o que vai acontecer em breve . . . ”, preferem entender que a visão veio da parte de Jesus para revelar fatos, profecias relacionadas com o desenvolvimento e problemas futuros da Igreja.

No entanto, ninguém que pensa assim pode negar que: “. . . de todos os escritos do Novo Testamento anteriores ao quarto Evangelho, o Apocalipse é o que contém a Cristologia mais desenvolvida”. (2)

Ainda, continuando a citar de Féret:

“O Livro é inteiramente dominado pela pessoa de Jesus, e de que qualquer outro ensinamento se prenderá a este como um raio a seu foco luminoso.

Na realidade, ele apresenta, quer explicitamente formulados, quer manifestamente pressupostos, os elementos de uma verdadeira síntese cristológica”. (3)

Curioso o emprego, por João, de cifras perfeitas nas referências a Jesus Cristo: Usa sete vezes o termo Cristo, sendo que três delas em oposição a Jesus, que é, coincidentemente, citado catorze vezes.

A seguir serão estudadas as menções cristológicas do livro em apreço sob três aspectos distintos. Primeiramente: Cristo como o “Cordeiro”; o Salvador, o antítipo dos holocaustos. Depois se destaca a assistência constante do Filho de Deus à Igreja em todos os tempos. Como último tópico aparece o Cristo Vencedor, o Rei dos reis para a eternidade.

Por quê? Porque estas três alusões de Jesus Cristo, propositadamente, quiseram ser destacadas na revelação apocalíptica — o Cristo Salvador, o Mantenedor e o Vencedor final. E entre estas alusões encontram-se todos os demais aspectos cristológicos do livro. Também, porque esta tríplice mensagem era o objetivo todo suficiente do Apocalipse: encorajar os crentes com a certeza da salvação, levantar a confiança num Deus Todo-poderoso, Protetor, e animá-los com vislumbres da glória futura.

  • III. O Cordeiro

Apenas na literatura joanina é empregado o termo “cordeiro” como referindo-se a Cristo. Só no Apocalipse ele aparece vinte e nove vezes. Por isso e porque os judeus viam tanto significado nessa metáfora, mereceu estudo à parte.

No velho Testamento o cordeiro simbolizava muitas coisas, tais como a mansidão, o sofrimento sem reclamos e o sacrifício expiatório. Também, os judeus costumavam ilustrar a proteção com a figura do “carneiro-guia” que protegia e defendia o rebanho dos animais ferozes.

Em qual destas imagens estaria pensando João, ao usar tão abundantemente o termo?

“Não nos parece sábio procurar determiná-los, quando estudamos essas passagens separadamente, pois a figura do cordeiro resulta de uma série riquíssima de imagens que convergem no NT. É provável que, conscientemente ou não, estejam todos presentes aí. (4)

Apesar dessa dificuldade pode ser notado um caráter duplo no Cordeiro Apocalíptico. Primeiramente é sacrifical, como o cordeiro morto desde a fundação do mundo, que com o seu sangue comprou para Deus todos os homens. São exemplos de ocorrências neste sentido: “Lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro”, (Apoc. 7:14); também: “Pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados” (Apoc. 1:5). Em segundo lugar é o cordeiro vencedor que se dispõe a lutar contra os inimigos do rebanho. Uma destas menções é: “Pelejarão eles contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis” (Apoc. 17:14).

Se mui cara e peculiar foi a João essa figura e com quanta fluidez a usou, nunca o fez com maior sublimidade que na descrição da grande apoteose do capítulo cinco.

Tão bem retratada é a obra, o poder e a glória de Jesus Cristo nesse capítulo que o Espírito de Profecia tem uma recomendação especial com respeito a ele:

“O quinto capítulo do Apocalipse necessita ser minuciosamente estudado. É de grande importância para aqueles que desempenham alguma função na obra de Deus para estes últimos dias”. (5)

Afora este capítulo, João continua usando intensamente sua figura favorita “por meio da qual o vidente, a seu modo, proclama a verdade do Cristo ressurreto e ascenso”. (6)

Que esse objetivo do apóstolo foi alcançado, e mais plenamente pelo uso feliz de imagem tão significativa, não o pode negar quem considerar atentamente a mensagem apocalíptica.

  • IV. O Eterno Assistente

Como ficou claro no argumento final do item anterior, havia a preocupação de assentar bem a verdade de que Cristo ressuscitou e está no Céu zelando pelo bem-estar do Seu “corpo” — a igreja, os cristãos de todas as épocas. De fato, este é um ponto básico, pois, como disse o apóstolo Paulo, “se Cristo não ressuscitou é vã a vossa fé” (I Cor. 15:17).

À recém-fundada igreja, que desde cedo começara a beber do cálice amargo da opressão, Cristo é apresentado como aquele por quem se realiza o triunfo do povo de Deus sobre as nações pagãs.

O eminente teólogo católico, H. M. Féret, comenta o assunto em questão nos seguintes termos:

“Nesse ponto, nenhum outro livro do Novo Testamento é tão evocador quanto o Apocalipse. Não há melhor comentário do que este livro à palavra do Senhor, encerrando o Evangelho de S. Mateus: ‘‘Eis que estou convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos” (S. Mat. 28: 20). Antes de pintar a apoteose de Jesus e de lembrar assim a Sua ascensão ao misterioso Céu da glória divina, a revelação de Patmos julgou necessário manifestar primeiro, em pleno relevo, a Sua presença operante no seio das igrejas perseguidas. Já se vê o que tal mensagem podia possuir de confortante. Fazer sentir a uma tropa que combate a presença do chefe invencível em suas fileiras, é infinitamente mais tônico do que evocar apenas, diante dela, a glória que o rodeia no seu longínquo palácio”. (7)

Logo na primeira carta (à igreja de Éfeso, ou, à primeira geração de cristãos) Cristo introduz-Se com a expressão: “Aquele que anda no meio dos sete candeeiros” (Apoc. 2:1), mostrando Sua presença entre os candelabros, que, sabe-se, simbolizam as sete igrejas.

Aliás, note-se a afirmação vigorosa de vida e presença eterna na frase: “Aquele que é, que era e que há de vir” (Apoc. 1:4), onde o presente vem em primeiro lugar, acentuando a vida e assistência presente de Cristo.

A insistência em apresentar-Se como operante entre as igrejas pode ser notada ainda nas expressões: “Estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” (Apoc. 1:18; 2:8), e “Filho do Flomem” (Apoc. 1:13; 14: 14), esta, que tanto Jesus gostava de usar para mostrar o Seu parentesco com a raça humana.

Quão valiosas terão sido estas menções do cuidado de Cristo — o Eterno Assistente — para cristãos primitivos! No entanto, o Espírito de Profecia, reiteradas vezes, tem procurado mostrar que a mesma Mão que amparou a Fé Cristã nos seus primeiros e vacilantes passos, está a atuar com igual desvelo neste arremate da História, não menos dramático que o início.

Quanta coragem, fé e santo temor não teriam os cristãos modernos, se se lembrassem que:

“Aquele que não tosqueneja, que opera continuamente pelo cumprimento de Seus desígnios, há de levar avante a Sua obra. Ele embargará os propósitos dos ímpios e confundirá os conselhos dos que tramam maldades contra o Seu povo. (8)

  • V. Rei dos Reis

Não seria completo um escrito apocalíptico, (como é o caso do livro em análise) que apresentasse o Messias apenas como o Salvador e Mantenedor do Seu povo, e olvidasse o final glorioso da História, quando Cristo magnificentemente será declarado o Rei dos reis e Senhor dos senhores.

O vidente de Patmos, tão felizmente se referiu à realeza de Cristo, que Féret julgou possível a seguinte comparação: “No Novo Testamento, é a epístola aos Hebreus o grande livro do sacerdócio de Cristo. O Apocalipse é o livro da sua realeza universal”. (9)

Segundo alguns, a expressão “Rei dos reis e Senhor dos senhores” foi extraída de Dan. 2:47, quando Nabucodonosor inclinou-se, antecipadamente, ante o grande Regedor do Universo.

A mesma idéia aparece, entretanto, em outros escritos do Novo Testamento, e mesmo entre as palavras de Jesus, quando na Terra. É o caso de “tende bom ânimo, eu venci o mundo” (S. João 16:33), “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu um nome que está acima de todo nome” (Fil. 2:9).

Aliás, essa verdade, apreendida e crida pelos cristãos, torna-se num dos motos mais incentivantes ao crente que, além de tudo que a salvação lhe possa oferecer, quer ter o prazer de ser súdito do maior Soberano.

Nem sempre João, ou qualquer outro profeta, acharam palavras suficientemente claras e precisas para tais descrições; mesmo assim, o que se. pode depreender é algo solenemente magnífico — a tomada de posse pelo Soberano Universal e a aceitação dos justos como herdeiros do reino da eternidade.

Ellen G. White, por inspiração divina, descreve o desfecho da história nas seguintes palavras:

“Como que extasiados, os ímpios contemplam a coroação do filho de Deus. Vêem em Suas mãos as tábuas da lei divina, os estatutos que desprezaram e transgrediram. Testemunham o irromper de admiração, transportes e adoração por parte dos salvos; e, ao propagar-se a onda de melodia sobre as multidões fora da cidade, todos, a uma, exclamam: “Grandes e maravilhosas são as Tuas obras, Senhor Deus Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os Teus caminhos! ó Rei dos Santos” (Apoc. 15:3); e, prostrando-se, adoram o Príncipe da vida.

Satanás parece paralisado ao contemplar a glória e majestade de Cristo”. (10)

“Tudo isto espera aqueles, nos quais, como disse Comenius, Cristo puder achar ‘o trono e o cetro” ’. (11)

  • VI. Conclusão

O presente estudo mostra que ao revelar a história dos santos em todas as épocas, Jesus Cristo — o pivô de toda a História — revelou muito de Si e de Sua obra.

Satanás tem estado interessado em obscurecer tal revelação, por isso tem procurado confundir as mentes humanas quanto à interpretação do Apocalipse. Hoje as opiniões são as mais desencontradas e fantasiosas.

Que cada crente tome tempo para uma investigação mais demorada e sincera da mensagem apocalíptica que traz tanto conforto nesta era de turbulência e esperança em tempos de tão acentuada desesperança.

O Cristo Salvador, o Cristo Mantenedor e o Cristo Rei, de Apocalipse, é pois, a mensagem para a hora, que deve ser vivida e pregada pelos que amam a Deus e buscam salvar-se. •

Bibliografia

  • 1. Araceli de Mello. A Verdade Sobre as Profecias de Apocalipse, p. 9.
  • 2. H. M. Féret. O Apocalipse de São João, p. 62.
  • 3. Ibid., pp. 61 e 62.
  • 4. Alan Richardson. Introdução à Teol. do Novo Testamento, p. 225.
  • 5. E. G. White, 9T, p. 267.
  • 6. Richardson, op. cit., p. 227.
  • 7. Féret. op. cit., p. 64.
  • 8. E. G. White. O Maior Discurso de Cristo, p. 105.
  • 9. Féret. op. cit., p. 74.
  • 10. E. G. White. O Conflito dos Séculos, Vol. IV, pp. 211, 212.
  • 11. John A. Comenius, citado por W. A. V. Hooft em A Realeza de Jesus Cristo, p. 18.