Não sei, com absoluta certeza, qual a maior causa de apostasia na Igreja. No entanto, depois de milhares de visitas e entrevistas pastorais, começo a vislumbrar claramente qual o maior motivo de amargura entre aqueles que se afastaram do redil.

As pessoas que deixaram a Igreja, em geral, conhecem muito bem a razão pela qual deixaram os caminhos do Senhor. Inclusive, a maioria delas é capaz de reconhecer abertamente e sem rodeios o “pecado aberto” que foi responsável pela separação. E muitas dentre essas pessoas guardam más lembranças do tratamento que receberam, no momento em que foram descobertas em seu erro.

Parece que é mais fácil constatar o pecado do que remediá-lo; assim como é mais simples denunciá-lo do que curar suas conseqüências.

A Igreja precisa entender que não foi estabelecida no mundo para julgar o pecador (Mat. 7:1; Rom. 2:1), mas para condenar o pecado. Existe uma linha divisória tão sutil entre uma e outra atitude, que facilmente nos esquecemos de que precisamos salvar o pecador e manifestarmo-nos somente contra o pecado. “Odiar e repreender o pecado, e ao mesmo tempo demonstrar compaixão e ternura pelo pecador é uma tarefa difícil”,1 reconhece Ellen White. Por outro lado, tal como afirma o psiquiatra Viktor Frankl, “ninguém pode julgar, ninguém, a menos que com toda honestidade possa garantir que em uma situação semelhante não faria o mesmo”.2

Hospital

Todo aquele que comete pecado que traz opróbrio à Igreja simplesmente evidencia em sua vida, de uma maneira terrivelmente crua, um problema comum a todos os seres humanos: todos somos pecadores (Rom. 6:23). Estamos maculados pela nódoa indelével do mal (Rom. 3:9 a 12). Não existe esperança para ninguém, a menos que renuncie a si mesmo e se submeta ao poder onipotente do único Ser que pode nos livrar – Cristo Jesus.

A Igreja é um hospital, e nele todos estão enfermos, inclusive os médicos. Em alguns a enfermidade está mais evidente do que em outros. A linha de separação entre saúde e doença é tão terrivelmente etérea, que basta tão somente um momento de descuido para que alguém apareça engrossando as fileiras dos enfermos, e, em muitas ocasiões, dos mortos. Como disse o Pastor Robert Folkenberg, “a igreja deveria ser um hospital para pecadores, não uma exibição de santos”. Isso nos obriga a admitir que o povo vem à igreja para ser curado de seu mal, não para ser criticado por sua maldade. O citado pastor ainda sustenta que as pessoas buscam a igreja pela mesma razão pela qual procuram um hospital: “Foram feridas pelo pecado e desejam livrar-se da dor.”

Juízo sem misericórdia

Se não entendermos isso corretamente, corremos o risco de realizar entre nós verdadeiros juízos inquisitoriais, onde abundam ausências de provas, testemunhas anônimas, impossibilidade de defesa e lembranças de erros passado. Tudo isso, fazendo lembrar as práticas habituais da antiga Inquisição, tão vilipendiada, porém tão potencialmente similiar a algumas de nossas práticas eclesiásticas.3

Embora não enviemos a ninguém literalmente para uma fogueira, colocamos em muitos a capa de “desviado” ou “apostatado”, que lhes traz muitos prejuízos, tal como nos séculos passados quando muitas pessoas que eram julgadas pela Inquisição, apesar da inocência comprovada, eram obrigadas a levar uma cruz desenhada nas costas e outra no peito. Essa marca significava sinal de desprezo, incapacidade para encontrar trabalho e, finalmente, alienação da comunidade.* 1 2 * 4 1 2 3 5

Conheço bem de perto o caso de alguém que foi “julgado” e disciplinado, sob acusação de adultério. Posteriomente, ficou provado, inclusive judicialmente, que a acusação era falsa. Mas os que protagonizaram o incidente negam-se a fazer qualquer retratação bem como restituir à pessoa seus direitos na igreja, para que esta não seja vista como uma comunidade passível de engano. Nesse contexto, tem razão o escritor Harold Kushner quando afirma que “nossas igrejas traem seu mandato de dar for-ma à comunidade e curar a sociedade, quando criamos nela uma atmosfera de julgamento de seus participantes”.6

Passos bíblicos

O fato de pertencer a alguma comissão, em quaisquer níveis, não autoriza a ninguém lançar sombras sobre a honorabilidade de uma pessoa.

Se o pecador não reage ao apelo anterior, é necessário que seja abordado nova-mente, de modo privado, desta vez com duas ou três testemunhas, com o mesmo propósito anterior: salvar o irmão. Até aqui, ainda não esta-mos autorizados a relatar o pecado. Se, apesar disso, o faltoso ainda não reage positivamente, a Bíblia sugere um terceiro passo que, acredito honestamente, dificilmente será necessário quando os dois passos anteriores forem cumpridos conscientemente e com amor cristão. Cristo afirma que a situação deve ser comunicada à igreja, não para que essa julgue ou declare o tal como pecador, ou realize uma execração pública, mas, seguindo o que diz o evangelho, para salvar o irmão. Mesmo nessa última parte do processo, não há elementos que autorize a divulgação do pecado, por parte da igreja.

Finalmente, o evangelho nos recomenda que se o tal errante não atende ao irmão, nem as testemunhas, nem a igreja, então deve ser tido como “gentio e publicano”. É nesse ponto final onde muitos se sentem autorizados para menosprezar o pecador e divulgar sua falta. Porém, o evangelho não aprova tal conduta. Pelo contrário, Cristo nos convida a imitá-Lo, e a pergunta que vem à tona é: Que tratamento dispensava Jesus aos gentios e publicanos, e àqueles que em Seu tempo eram considerados os párias da sociedade? Indiscutivelmente, lhes dispensava bondade, misericórdia e paciência infinitas.

Cristo e os errantes

Cristo realizava milagres na vida das pessoas que haviam caído, pela forma como as tratava. “Em cada ser humano percebia possibilidades infinitas … Ao olhá-los com esperança, inspirava esperança … Em Sua presença, as almas desprezadas e caídas se apercebiam de que ainda eram seres humanos e anelavam demonstrar que eram dignas de Sua consideração.”7 Não admira que se aproximassem dEle, confiantemente, prostitutas, ladrões, fariseus, assassinos, e toda classe de pessoas que eram rejeitadas pela sociedade na qual viviam. A todos esses indivíduos, Ele tinha uma palavra de consolo e um caudal de esperança em Deus.

Nada existe nos evangelhos, nem nas palavras de Cristo, que nos autorize a convertermo-nos em juizes das faltas alheias. Nada nos faculta a divulgação dos pecados de outras pessoas.

Às vezes, ouço o argumento de que é preciso agir com firmeza para dar exemplo. Novamente me pergunto: Como agiu Cristo em relação a Judas? Quando o expôs? Em que parte da Bíblia está escrito que Jesus usou o pecado de Pedro como exemplo? Em que lugar das Escrituras está registrado que a mulher adúltera, mencionada em João 8, foi usada como protótipo do que não se deve fazer? Em que momento o Mestre humilhou alguma pessoa, ao divulgar seu pecado?

Não condenar mas salvar minhos do Senhor, e, na maioria dos casos, há outra conjunção de fatores dramáticos: impaciência, intolerância, rancor, incompreensão, covardia para enfrentar a restituição, e desconfiança.

Prostitutas, ladrões, assassinos e demais rejeitados pela sociedade aproximavam-se confiantemente de Cristo. E a todos esses indivíduos, Ele tinha uma palavra de consolo e um caudal de esperança em Deus.

Como igreja, lembremo-nos de que “não é a posição mundanal, nem o nascimento, nem a nacionalidade, nem os privilégios religiosos, o que prova que somos membros da família de Deus; é o amor, um amor que abrange toda a humanidade. … O ser bondoso com os ingratos e os maus, o fazer o bem sem esperar recompensa, é a insígnia da realeza do Céu, o sinal seguro mediante o qual os filhos do Altíssimo revelam sua elevada vocação”.8

Ellen White ainda assegura que “o Salvador deu Sua preciosa vida para estabelecer uma igreja capaz de atender aos que sofrem, aos tristes e aos tentados”.9 Não é outra a tarefa da congregação eclesiástica. Não somos juizes. Não somos parte de um tribunal. A igreja não é um reformatório no qual os resultados são conseguidos por meio do castigo e da humilhação. E uma comunidade de encontro com o Senhor, onde o poder do Espírito Santo deve atuar para suscitar mudanças inimagináveis, se o permitirmos.

É muito difícil aprender a repreender sem prejudicar ou ferir. Todavia, nada é mais necessário num mundo onde o erro cada dia adquire maior relevância. O poder do Espírito Santo é o mesmo ontem e hoje. Por que não nos atrevemos a crer que o Espírito pode restaurar o pecador?

Referências:

  • 1. Ellen White, Obreiros Evangélicos, pág. 30.
  • 2. Viktor Frankl, El Hombre en Busca de Sentido, Barcelona, pág. 54.
  • 3. Salim Japas, Herejia, Colón y la Inquisición, págs. 38 a 50.
  • 4. Edward Burman, Los Secretos de la Inquisición, Barcelona, págs. 67 e 149.
  • 5. Harold Kushner, Quién Necesita a Dios? Buenos Ai-res, pág. 113.
  • 6. Ellen White, Educação, pág. 80.
  • 7. __________, O Maior Discurso de Cristo, pág. 66.
  • 8. __________, A Ciência do Bom Viver, pág. 73.