Princípios cristãos para estabelecer relacionamentos saudáveis
A vida cristã é uma vida de relacionamentos. Se isso é verdade para todos os crentes, ela é muito mais para os líderes da igreja, porque dependendo dos tipos de relacionamento que são estabelecidos com os outros, o ministério será bom ou ruim. É correto dizer que o maior interesse de um pastor “deve ser as pessoas. Se você gosta mais de livros, de administração ou de pregação do que de pessoas, você nunca será um ministro bem-sucedido de Jesus. As pessoas devem ser sua especialidade”.1
Lembro-me de ter lido um artigo, tempos atrás, que apresentava o diálogo entre um jovem pastor que estava entrando no ministério e outro já aposentado. O jovem pastor perguntou ao pastor experiente: “Qual é o melhor conselho que você pode me dar agora que estou iniciando meu ministério?” Depois de pensar, o pastor aposentado disse: “Meu melhor conselho para você é: não machuque ninguém! Relacione-se bem com todos”. O artigo então apresentava diferentes casos em que líderes religiosos feriram membros com suas ações. Embora não me lembre dos exemplos mencionados na revista, recordo-me de situações em que ocorreram comportamentos semelhantes.
Certo pastor, contrariando todos os conselhos, pediu emprestado uma grande soma de dinheiro a uma família de sua igreja, dinheiro que nunca devolveu. Outro, diante de uma igreja dividida, favoreceu injustamente um grupo e piorou o conflito. Houve ainda um pastor que, em uma demonstração de autoritarismo, impôs sua vontade e se desentendeu com os que não concordavam com ele. Como era de se esperar, esses comportamentos apenas trouxeram decepção e dor às igrejas. Alguns desses líderes deixaram o ministério. Felizmente, ao longo dos anos, também vi que a maioria dos pastores desenvolveu relacionamentos de amor e respeito com suas igrejas. O testemunho desses obreiros tem deixado corações felizes, agradecidos e desejosos de imitar o bom comportamento de seu pastor (Hb 13:7).
A origem dos relacionamentos
Por que as relações interpessoais são tão importantes? Talvez porque o relacionamento teve origem em Deus, um Ser relacional. A expressão “façamos o ser humano à Nossa imagem” evidencia uma pluralidade na Divindade. O Pai, o Filho e o Espírito Santo participaram da Criação (1Co 8:6; Jo 1:1-3; Gn 1:2). Os três constituem uma comunidade relacional desde a eternidade. Se o Deus da Bíblia fosse um Ser solitário, não poderia ser amor (1Jo 4:8), porque o amor não surge na solidão. É por isso que a Bíblia diz que o Pai ama o Filho (Jo 5:20), o Filho ama o Pai (Jo 14:31) e o Espírito Santo também ama (Rm 15:30).2
Quando Deus criou a humanidade, Ele a fez segundo o Seu próprio modelo (Gn 1:26), o que implica, entre outras coisas, que o ser humano foi criado como um ser relacional. É por isso que “à Sua imagem […] Deus o criou; homem e mulher os criou” (v. 27). Desde Gênesis 1 está estabelecido que não era plano divino que o ser humano fosse solitário. De acordo com Gênesis 2, Adão primeiramente se relacionou com o próprio Deus (Gn 2:7). Sem esse primeiro ponto de referência, o homem não teria como entender a si mesmo nem compreender adequadamente tudo o mais. A segunda relação que se estabeleceu foi com o meio ambiente, onde devia se desenvolver plenamente (Gn 2:8-17, 19, 20). O terceiro relacionamento foi com alguém igual a ele, alguém com quem pudesse compartilhar a vida, amar e alcançar a plena satisfação de suas necessidades (Gn 2:18, 21-25).
Distorção e restauração
No mundo criado por Deus, os relacionamentos eram ótimos, mas a queda distorceu tudo. O pecado rompeu o vínculo com Deus (Gn 3:8-10), com o meio ambiente (v. 17-19) e com nossos semelhantes (v. 12). A partir daí, as relações humanas se tornaram complicadas. Tornamo-nos egoístas, rancorosos, mentirosos, invejosos e cheios de amargura (Gn 4:1-8; Sl 140:1-4; Jr 17:9; Rm 1:28-32; 3:13-17; 2Co 12:20).3 Felizmente, o plano de salvação nos oferece redenção e restauração em Cristo (Rm 3:24-26; 5:8-11; 6:1-12). É obra do Espírito Santo transformar o pecador à semelhança do caráter de Jesus (Gl 5:22, 23; Rm 8:29), mas é dever de cada cristão submeter sua vontade ao domínio do Senhor, para que essa transformação contínua possa ocorrer (Jo 15:1-8; 2Co 3:18; Gl 5:24, 25).
Quando o cristão não se rende inteiramente ao domínio do Espírito, as ações da natureza carnal serão evidentes em sua vida. Em contraste, Ellen White afirma que quando alguém se submete à “religião de Jesus”, isso “suaviza as maneiras rudes e violentas. Isso torna as palavras gentis e o porte atraente”.4
Cristãos e relações interpessoais
Nas Escrituras existem muitas referências que mostram Deus Se preocupando com as relações interpessoais de Seus filhos. No Antigo Testamento, o Senhor destacou que esperava relacionamentos justos e atenciosos da parte do Seu povo. Isso pode ser observado nos últimos seis mandamentos do Decálogo, que nos orientam quanto às relações com o próximo (Êx 20:12-17). Esses princípios estão ampliados ao longo do Pentateuco. Por exemplo, em Levítico 19, a maioria das orientações divinas para os israelitas tem que ver com a maneira de tratar os semelhantes.
Eles deviam respeitar os pais (v. 3); não deviam roubar, nem mentir nem oprimir o próximo (v. 11, 13); tampouco deviam fofocar, guardar rancor ou atentar contra a vida de outros (v. 16, 17). Eles deviam amar o próximo (v. 18). Esses preceitos também mostram a preocupação divina pelos mais vulneráveis, como os pobres, os estrangeiros, os órfãos, as viúvas e os deficientes (v. 9, 10, 14, 33, 34; Êx 22:21-23). Na época dos profetas, a injustiça social foi uma das causas da destruição de Israel e Judá (Jr 5-8; Am 2:1-7; Mq 2:1-13; 7:1-7).
O Novo Testamento também apresenta muitas lições sobre como lidar com os outros. Por exemplo, é dito que devemos amar ao próximo como a nós mesmos (Mt 22:39); amar nossos inimigos, e não amaldiçoar aqueles que nos amaldiçoam (Mt 5:44); e perdoar a quem nos ofende (Mt 18:21-35). Também somos encorajados a ter um mesmo sentimento e eliminar as diferenças na igreja (1Co 1:10; Fp 2:2; 4:2; 1Pe 3:8). Em Romanos 12:13 a 21, o apóstolo Paulo deixou um resumo do tipo de relacionamento que os cristãos devem manter e destacou: “Se possível, no que depender de vocês, vivam em paz com todas as pessoas” (v. 18).
A seguir, apresento alguns princípios práticos que podem contribuir para desenvolver relacionamentos saudáveis no ministério.
Trate a todos com respeito. O apóstolo Pedro exortou: “Tratem a todos com o devido respeito: amem os irmãos” (1Pe 2:17, NVI). Deus espera que demos a todos o devido valor, independentemente do gênero, da classe social, condição física, idade ou nacionalidade (Hb 13:7; Fp 2:3). Como líderes podemos ser tentados a tratar as pessoas ricas com grande respeito e sermos indiferentes para com os pobres (Tg 2:1-9). Não devemos tratar bem apenas os adultos e nos esquecer das crianças e dos adolescentes. Aqueles que pedem uma explicação de nossas crenças também devem ter nossa atenção e respeito (1Pe 3:15, NVI).
Procure manter comunicação apropriada. A comunicação é essencial em qualquer relacionamento.5 Trata-se de falar, ouvir e transmitir informações. Por meio do diálogo é possível construir ou destruir os outros. Por isso, Paulo escreveu: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Ef 4:29, ARC). No processo da comunicação, não devemos nos concentrar apenas em nossas ideias (Rm 12:16). É importante ouvir os outros e não somente falar (Tg 1:19). Espere o momento certo para falar, porque há momentos em que não é prudente fazê-lo (Pv 15:23). E como na comunicação as palavras são apenas 7%, e o restante se dá através das expressões não verbais,6 é preciso ter cautela com nosso modo de falar (Cl 4:6). Palavras apropriadas podem diminuir a tensão (Pv 15:1).
Desenvolva tolerância e disposição para perdoar. Tiago destacou que “todos nós cometemos muitos erros” (Tg 3:2, NVT). Por causa de nossa imperfeição, somos propensos a ofender, mesmo sem querer. Reconhecer essa realidade nos permite ter tolerância e disposição para perdoar quando as pessoas cometem falhas que nos incomodam. Paulo disse: “Suportem-se uns aos outros e perdoem-se mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outra pessoa. Assim como o Senhor perdoou vocês, perdoem também uns aos outros” (Cl 3:13).
Seja gentil e amável. Amabilidade é a demonstração de afeto e atenção que se dá a outras pessoas. Deve ser uma qualidade presente em todo líder espiritual. “O servo do Senhor não deve viver brigando, mas ser amável com todos” (2Tm 2:24, NVT). O pastor interage com pessoas fáceis e difíceis de lidar, mas não importa de quem se trata, ele deve ser gentil com todos. Ellen White declarou: “O cristão bondoso, cortês, é o mais poderoso argumento que se pode apresentar em favor do cristianismo.”7 Além disso, ela também destacou que a amabilidade é um poderoso recurso evangelístico: “Se nos humilhássemos perante Deus e fôssemos bondosos e corteses, compassivos e piedosos, haveria uma centena de conversões à verdade onde agora há apenas uma.”8
Seja empático. Cristo disse: “Façam aos outros o mesmo que vocês querem que eles façam a vocês” (Lc 6:31). Portanto, antes de dizer qualquer palavra ou realizar uma ação que possa afetar outra pessoa, pense por um momento como você se sentiria se estivesse no lugar dela. Refletir sobre isso nos ajuda a ser mais cuidadosos e a evitar magoar desnecessariamente as pessoas. É preciso lembrar que com a medida com que medimos seremos medidos (v. 38).
Tome a iniciativa. Quer ofendamos inadvertidamente ou sejamos ofendidos, a Bíblia nos ensina a tomar a iniciativa para curar a ferida (Mt 5:23, 24; 18:15). Não espere que o outro dê o primeiro passo nem deixe que o orgulho o impeça de se aproximar. Como líderes, somos chamados a imitar a Deus, pois foi Ele quem tomou a iniciativa e nos procurou quando nos rebelamos (Rm 5:6-8; 1Jo 4:19).
A essência do ministério está no relacionamento com Deus e com o próximo. Ambos os relacionamentos devem ser apropriadamente cultivados para que sejamos pastores de êxito. Se um deles for negligenciado, nosso ministério ficará desequilibrado e acabaremos fazendo mais mal do que bem. Que Deus nos ajude a manter esse equilíbrio essencial e refletir Cristo em todos os nossos relacionamentos interpessoais!
A essência do ministério está no relacionamento com Deus e com o próximo. Ambos os relacionamentos devem ser apropriadamente cultivados para que sejamos pastores de êxito.
Referências
1 Asociación Ministerial de la Asoc. Gen. de los Adv. del Séptimo Día, Guía de Procedimientos para Ministros (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1995), p. 38.
2 Cristhian Alvarez Zaldúa, ¿Doctrina Bíblica o Invento Humano? (Vinto, Cochabamba: Nuevo Tiempo, 2017), p. 47-57.
3 Fernando Canale, Elementos Básicos de la Teología Cristiana (Libertador San Martín, Entre Ríos: Editorial Universidad Adventista del Plata, 2017), p. 203-205.
4 Ellen G. White, Reflejemos a Jesús (Buenos Aires: Asociación Casa Editora Sudamericana, 1985), p. 22.
5 Jeanine Cannon Bozeman e Argile Smith (eds.), “Developing Communication Skills”, em Interpersonal Relationship Skills for Ministers (Gretna, LA: Pelican Publishing Company, 2004), p. 33.
6 Sergio Rullcki e Martín Cherny, CNV Comunicación no Verbal: Cómo la inteligencia se expresa a través de los gestos (Buenos Aires: Granica, 2007), p. 14.
7 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 122.
8 Ellen G. White, Testemunhos para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), v. 9, p. 189.