Não despreze esse item essencial para a eficácia da pregação bíblica

Uma das atividades mais comuns no ministério é a preparação e entrega de sermões. Quando um pregador escolhe preparar uma mensagem sobre determinado texto bíblico, é necessário que ele primeiro conheça sua interpretação e, depois, saiba como aplicá-la.

A interpretação do texto

Interpretar um texto significa descobrir o que ele significava para aquele que o escreveu – o que ele tinha em mente, qual era sua intenção. A correta interpretação é feita respeitando-se determinadas regras da hermenêutica e fazendo uso de ferramentas apropriadas. Uma dessas regras nos lembra de respeitar o contexto, outra nos adverte a levar em conta o gênero literário que foi utilizado, ainda outra, recomenda considerar o conjunto das Escrituras Sagradas sobre determinado assunto e não apenas um texto isolado. Enfim, há diversas regras que podem ser encontradas em livros que tratam desse assunto. As ferramentas, por sua vez, consistem nas obras preparadas para ajudar na compreensão do texto bíblico: dicionários bíblicos e teológicos, enciclopédias bíblicas, comentários bíblicos, concordância bíblica, etc.

Depois que se descobre o significado original do texto por meio da interpretação, ele precisa ser aplicado. Aplicar significa extrair dele a lição espiritual para a vida presente. O pregador deve perguntar: “Como este texto me ajuda, bem como os meus ouvintes, em meio às nossas lutas, necessidades e desafios?” É preciso notar que os relatos bíblicos que abordam o passado e o futuro visam ensinar princípios que devem ser adotados no presente.

O valor da interpretação jamais deve ser desprezado, pois, se ela não existir ou for incorreta, há o risco de se fazer uma aplicação que não condiz com a verdade, resultando assim, em pessoas e congregações distantes do que foi planejado por Deus.

É importante considerar também que, embora o verdadeiro sentido de um texto bíblico e o princípio nele contido não mudem com o passar do tempo, sua aplicação depende da época, da cultura, das circunstâncias e das necessidades dos ouvintes.1 Como exemplo, citamos 1 Coríntios 8. Nesse texto, o apóstolo Paulo apresenta um princípio e sua aplicação. O princípio declara: quando fazemos uso de nossa liberdade e saber, de maneira que nosso irmão fraco tenha sua consciência perturbada e, assim, tropece e pereça, estamos pecando contra esse irmão e contra Cristo, que por ele morreu. A aplicação, para aqueles que receberam essa carta apostólica, referia-se à comida sacrificada aos ídolos.

Nas cidades pagãs, a carne podia ser encontrada nos mercados e nos templos. A carne vendida nos templos era mais barata, por isso, alguns cristãos, para economizar, consumiam esse alimento sem maior preocupação. Eles consideravam que, embora a carne tivesse sido oferecida em sacrifício, de fato, os ídolos eram inexistentes (v. 4); portanto, o alimento não havia sido alterado. Além disso, quando eram convidados por algum amigo pagão para participar de uma refeição na qual era servido esse tipo de comida, eles aceitavam. Outros, porém, que haviam sido pagãos, viam nisso um comportamento pecaminoso e ficavam escandalizados (v. 7).2 Paulo, então, recomendou àqueles que consumiam carne sacrificada a ídolos, que abrissem mão de sua liberdade, por amor daqueles que não a consumiam (v. 13). De modo geral, não temos nenhuma dificuldade com esse assunto, pois o alimento que compramos não foi oferecido a algum ídolo antes de ser enviado ao mercado. Contudo, o princípio permanece, exigindo que consideremos o bem-estar espiritual de nossos irmãos acima de nossa liberdade individual.

A aplicação do texto

Enquanto a interpretação do texto atinge nosso intelecto, a aplicação deve contribuir para moldar nosso caráter e nossa conduta. A primeira está relacionada ao saber e a segunda, ao ser e fazer.3 A tarefa da pregação é basicamente a de aplicar o texto à vida dos ouvintes. Se o pregador não fizer uma aplicação do texto, então podemos chamar sua fala de aula, palestra, discurso, comentário bíblico falado, ou de outro nome qualquer, mas nunca de sermão. Ele mesmo, o que fala, de fato, não é um pregador, mas apenas um orador, palestrante ou algo equivalente. Sem aplicação, a mensagem deixa de ser relevante, porque o ouvinte geralmente não percebe como aquela porção bíblica se relaciona com sua vida.

A aplicação tem sido comparada a uma ponte entre o mundo bíblico e o mundo atual. Para construí-la, o pregador deve conhecer bem as duas margens que ela irá ligar: o texto bíblico e seus ouvintes. Se ele conhecer e souber interpretar corretamente as Escrituras, mas não entender a natureza humana, as lutas, provas, tentações e condições em que o povo se encontra, então a aplicação será semelhante a uma ponte inacabada, que começou a ser construída a partir de uma das margens e que por qualquer razão foi abandonada no meio caminho, sem qualquer serventia. O mesmo ocorrerá se o pregador estiver familiarizado com seus ouvintes e conhecer a natureza humana, mas desconhecer o correto ensino bíblico. Como pregadores, precisamos conhecer bem as Escrituras, a humanidade e os dias em que vivemos. Para tanto, é relevante ter contato direto com o povo, inclusive por meio da visitação.

Em realidade, o principal responsável pela aplicação da Palavra ao coração humano é o Espírito Santo. Ele que produziu as Sagradas Escrituras, preservou-as através dos séculos, fez com que o pregador as entendesse e atua a fim de aplicá-las no coração dos ouvintes. Ele faz sua obra antes, durante e depois da pregação. O Espírito motiva o pregador a escolher certo texto ou tema específico e direciona as pessoas ao local de culto. Durante a pregação, Ele traz lembranças, revela necessidades, desperta a consciência, faz sugestões, move a vontade e vivifica o coração. Depois do sermão, no transcorrer da vida, o Espírito Santo dá forças para mudar e restaura o homem à imagem de Deus. Entretanto, frequentemente Ele se vale dos pregadores e os usa como seus agentes para fazer a aplicação. Foi o que ocorreu com os profetas, os apóstolos, com João Batista e com o próprio Jesus. Há ouvintes que simplesmente não sabem como aplicar o ensino bíblico à sua vida se não houver a orientação de um pregador.4

Como elaborar uma aplicação eficaz do texto bíblico? O pregador pode seguir as seguintes sugestões:

 A aplicação deve brotar naturalmente do texto que estiver sendo estudado.
Os ouvintes precisam perceber que ela está contida no princípio exposto na porção bíblica. Eles precisam ver na aplicação o selo de “Assim diz o Senhor”.5

 A aplicação pode ser vista desde o próprio título do sermão, que deve ser cativante para o ouvinte. Assim, se você for pregar sobre Gênesis 12, em lugar de intitular como “O chamado de Abraão”, escolha “Saindo da zona de conforto” ou algo parecido, com uma linguagem atual.

 A aplicação deve ser feita, sempre que possível, desde o início da exposição até seu clímax, na conclusão.

 A aplicação mostra como a verdade bíblica se relaciona à experiência dos ouvintes, a seus problemas pessoais.

 A aplicação faz o ouvinte ver o que deve ser feito, apresenta sugestões práticas de como fazer e o persuade a agir.6

 A aplicação não deve ser apenas negativa, indicando o que não fazer.

 A aplicação deve ser feita de maneira que o ouvinte perceba os aspectos em que precisa mudar e não apenas a parte
que lhe é favorável, aquela que ele obedece. Ela deve atingir seus pontos fracos.7

 Alguns assuntos podem ser aplicados aos ouvintes em geral, outros só podem ser aplicados a classes específicas (líderes, mulheres, jovens, etc.).

 Algumas vezes é melhor utilizar a expressão “você” e não “nós”, pois assim o ouvinte é atingido mais direta e pessoalmente. Outras vezes é melhor o pregador se incluir, empregando a primeira pessoa do plural.

 Pode acontecer que em alguns pontos do sermão as lições que advêm da Bíblia sejam tão óbvias que se torne desnecessário que o pregador faça a aplicação. Algumas vezes, aquilo que as pessoas percebem no texto, sem que o pregador lhes diga claramente, poderá produzir efeito maior.

 A aplicação geralmente é específica e definida, mas há ocasiões em que pode ser apresentada mediante sugestão, como é o caso de uma ilustração que, por si mesma, aplique uma determinada verdade.

 Se houver na igreja um problema muito delicado, talvez o melhor seja não ser tão específico na aplicação, confiando na aplicação feita pelo Espírito Santo.8

 Ao aplicar, é necessário deixar claro que nossa obediência à Palavra resultará em bênçãos e crescimento espiritual.9

Como vimos, a aplicação é um aspecto essencial do sermão. Sem ela, a exposição da Palavra nem sequer pode ser chamada de sermão. Ela se constitui uma ponte entre o mundo bíblico e o contemporâneo. A fim de que expresse a vontade de Deus para nossa vida, deve ser precedida de cuidadosa interpretação. Embora o Espírito Santo seja o grande aplicador da verdade, com muita frequência Ele se vale do pregador como Seu agente para moldar a vida e o caráter dos ouvintes.

Referências

  • 1 Jerry Stanley Key, O Preparo e a Pregação do Sermão (Rio de Janeiro: JUERP, 2001), p. 294.
  • 2 Warren W. Wiersbe, Comentário Bíblico Expositivo (Santo André: Geografia Editora, 2006), 5:777. O assunto de comer ou não da comida sacrificada aos ídolos era motivo de grande discussão e desavença na igreja do primeiro século. Ele também é tratado em 1 Coríntios 10 e em Romanos 14.
  • 3 Bruce Wilkinson, As Sete Leis do Aprendizado (Belo Horizonte: Betânia, 1998), p. 106.
  • 4 Key, 289; James Braga, Como Preparar Mensagens Bíblicas (Deerfield, FL: Vida, 1986), p. 191.
  • 5 Wilkinson, p. 116.
  • 6 John A. Broadus, Sobre a Preparação e a Entrega de Sermões (São Paulo: Custom, 2003), p. 228.
  • 7 Key, p. 293.
  • 8 Ibid., p. 285.
  • 9 Ibid., p. 286.