“Depois de as pessoas se haverem convertido à verdade, cumpre sejam cuidadas”

É bastante expressivo o número de pessoas decepcionadas com a igreja da qual fazem parte, e que acabam abandonando-a. Ignorar esse fato é ignorar essas pessoas e os motivos de sua decepção. Analisar tais motivos é atitude reveladora de amor e preocupação para com elas, mostrando-lhes que são muito importantes e que não são vistas apenas como números.

De acordo com eruditos da sociologia, crentes decepcionados com uma igreja e em busca de outras geram o fenômeno denominado “trânsito religioso”. Os que abandonam a igreja, mas não buscam filiar-se a outra, são denominados como “sem filiação denominacional”.

Estudioso do assunto, Paulo Romeiro alerta no sentido de que, apesar de o índice de cristãos na população brasileira ser um pouco acima de 90%, conforme o Censo Demográfico de 2000, é grande o avanço de uma “não filiação religiosa”.1 Mas, ao contrário do que se poderia supor, isso não significa que a população esteja se tornando ateia. Está, sim, decepcionada com o apelo de algumas denominações que prometem muito e cumprem pouco, além da concorrência entre elas.

Para Ronaldo de Almeida e Paula Montero, as pessoas não se filiam a uma denominação religiosa porque não se identificam com nenhuma delas especificamente. Entendem que o fato de não pertencerem a nenhum sistema religioso não significa ausência de espiritualidade. A recusa em filiar-se pode também ser fruto da busca malsucedida nas religiões institucionalizadas.2

Razões do abandono

Os motivos que levam pessoas a deixar a igreja podem ser caracterizados como exógenos (de fora das pessoas) e endógenos (internos). Entre os motivos exógenos estão aqueles ligados à própria igreja. Numa pesquisa realizada por este autor, entre ex-adventistas da região sul do Brasil, os entrevistados foram solicitados a apontar razões, da parte da igreja, que os levaram a abandoná-la. As respostas incluíram falta de acolhimento e carisma, falta de união e amor, prática de injustiças, discórdia, falso testemunho, isolamento, mexericos, pouca preocupação com os jovens, falta de sintonia com o pensamento da época.

Outros criticaram o estilo de música considerada “profana”, com uso de instrumentos de percussão, “despreparo da liderança”, “falta de comprometimento com a missão”, e distanciamento do pastor, devido ao acúmulo de trabalho com muitas congregações. Aliás, analisando os resultados de outras duas pesquisas com o mesmo objetivo, realizadas em Londrina, PR, e nos Estados Unidos, Jorge Henrique Barro também ressalta que “a liderança pastoral foi a causa número um que praticamente perpassou a todos os entrevistados” na pesquisa de Londrina. Quanto à pesquisa feita nos Estados Unidos, ele ainda ressalta que “o desencantamento de membros com os pastores foi apontado por 37% dos entrevistados. Isso reflete o desejo e a necessidade de cuidado que as pessoas têm”.3

Os fiéis

No que se refere aos fiéis, para os entrevistados da região sul do Brasil, “lhes faltam disciplina, reverência e disposição para acatar os ensinamentos da igreja”. Há “excesso de vaidade”, “mornidão espiritual”, “conformismo com o mundo”, “uso de adereços e roupas impróprias”.

As pesquisas analisadas por Barro também assinalaram as mesmas questões. “O comportamento dos membros é responsável por 17% do abandono da igreja. Outros 12% revelam seu desencanto por encontrarem dificuldades para envolvimento.”4

Também foram mencionadas razões como mudança de cidade, bairro ou trabalho. Casamento misto, relacionamento sexual e gravidez pré-conjugal, influência de amigos, dificuldade para guardar o sábado, divórcio, morte na família e frustração no relacionamento com outros membros da igreja, afazeres profissionais, pessoais e domésticos também foram motivos apontados.

O retorno

Questionados sobre como se sentiram após deixar a igreja bem como sobre a pretensão de retornar, os entrevistados deram as seguintes repostas: “Não voltei, não procurei outra igreja, mas continuo com fé em Deus”. “Sinto que devo voltar”. “Não fui para outra igreja; retornei”. “Sinto que não devia ter me afastado. Senti um vazio interior, foi o pior período da minha vida. O sentimento de vazio e desamparo era constante”. “Senti falta da observância do sábado”.

Os entrevistados também falaram a respeito das expectativas alimentadas em relação à atitude da igreja para com eles. Acharam que seriam procurados por líderes ou membros, que seriam visitados pelo pastor ou que receberíam manifestações de empatia diante dos problemas enfrentados. Outros, revelando-se muito decepcionados, afirmaram não ter expectativas, garantindo que a igreja nunca lhes deu importância.

Incentivadas a apontar fatos que as fariam ou fizeram voltar à igreja, as pessoas mencionaram o interesse pela salvação dos filhos, compreensão do dever de perdoar eventuais ofensores, estado depressivo pessoal, trauma diante da morte de familiares e reconhecimento de que, longe de Cristo, a vida não tem sentido.

Quantidade versus qualidade

De acordo com Almeida e Monte-ro, na região sul do Brasil, a mudança de filiação religiosa tem-se demonstrado superior à média nacional. Diante disso, como adventistas do sétimo dia, necessitamos priorizar o que realmente é essencial: qualidade em vez de quantidade, ou quantidade com qualidade. Isso envolve criterioso preparo para o batismo e nutrição adequada tendo em vista o crescimento espiritual e solidificação da fé abraçada pelo novo converso.

A igreja deve examinar-se à luz do evangelho e não se contentar apenas com o crescimento numérico de seus membros. Cristo não pregou um evangelho de resultados, mas de verdadeira transformação, plena conversão. Portanto, que a igreja faça sua parte, ensinando por preceito e exemplo o amor de Deus, promovendo a integração dos fiéis, e demonstre real e sincero interesse por eles. Que lhes ajude a carregar os fardos da vida e alivie o peso da cruz que carregam. Que ensine e pratique o perdão, deixando de utilizar a culpa e a força do poder como forma de retê-los.

As pessoas desejam se sentir aceitas, perdoadas, apoiadas, compreendidas e amadas. Querem receber empatia, lealdade e respeito. Precisam se sentir bem na comunidade eclesiástica. Escreveu Ellen G. White: “Os recém-chegados à fé devem receber um trato paciente e benigno, e é dever dos membros mais antigos da igreja cogitar meios e modos para prover auxílio, simpatia e instrução para os que se retiraram conscienciosamente de outras igrejas por amor da verdade, separando-se assim dos cuidados pastorais a que estavam habituados. A igreja tem responsabilidade especial quanto a atender essas pessoas que seguiram os primeiros raios de luz recebidos; e caso os membros da igreja negligenciem este dever, serão infiéis ao depósito a eles confiado por Deus.”5

Finalmente, ela ressalta que “depois de as pessoas se haverem convertido à verdade, cumpre sejam cuidadas. Parece que o zelo de muitos pastores esmorece assim que alcançam certa medida de êxito em seus esforços. Não compreendem que os novos conversos necessitam ser atendidos – vigilante atenção, auxílio, animação. Não devem ser deixados a si mesmos, presa das mais poderosas tentações de Satanás; eles precisam ser instruídos com relação a seus deveres, ser bondosamente tratados, conduzidos e visitados, orando-se com eles”.6

Esse é nosso dever. Que Deus nos ajude a cumpri-lo fielmente, fazendo de cada congregação uma cidade de refúgio.

Referências:

  • 1 Paulo Romeiro, Decepcionados com a

Graça: Esperanças e Frustrações no Brasil Neopentecostal (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2005).

  • 2 Ronaldo de Almeida e Paula Montero, Trânsito Religioso no Brasil. Disponível em http://www. centrodametropole.org.br/pdf/ronaldo_ almeida2.pdf. Acesso em abril de 2009.
  • 3 Jorge Henrique Barro, Práxis Evangélica 12, 2007.
  • 4 Ibid.
  • 5 Ellen G. White, Evangelismo, 351.
  • 6 Ibid.