Os Adventistas do Sétimo Dia ensinam que bons princípios de saúde mental e bem fundados princípios religiosos andam de mãos dadas. Em Tito 1:9, o homem de Deus apela para um ministério que exorte pelo “reto ensino”. O texto original pode ser traduzido corretamente por “doutrina salutar” ou que “produz saúde”. Conseqüentemente, parece ser ao mesmo tempo razoável e proveitoso fazer uma avaliação da doutrina do ponto de vista da saúde mental.
O propósito deste artigo é estimular o leitor a efetuar uma avaliação de suas crenças pessoais e de sua interpretação particular da doutrina, sob a perspectiva pragmática da experiência pessoal, e a fazer a pergunta: “Minha fé pessoal, quando posta em prática, produz uma vida caracterizada como salutar e que promove o bem-estar geral?”
Guilherme Glasser salientou que as duas necessidades fundamentais da personalidade humana são o valor pessoal e o amor. 1 Ele insiste que toda pessoa precisa possuir forte senso de valor pessoal e experimentar adequada quantidade de amor para ser uma pessoa sadia. Howard Clinebell reduz essas duas necessidades humanas fundamentais a uma só. ao sugerir que o fator primordial é amor responsável em pelo menos uma relação digna de confiança. 2 Ele afirma que todas as outras necessidades pessoais derivam dessa única necessidade básica de amorosa interação responsável.
A psicologia de Jesus é sintetizada audazmente quando Ele reúne toda a lei de Deus nesta única palavra: amor. Quando responde à pergunta acerca do “grande 20 mandamento”, Ele resume as dimensões da saúde mental acentuando a necessidade de amor dirigido supremamente para Deus, e depois para si mesmo e para o mundo das pessoas em que se vive (S. Mat. 22:35-40). Os seres humanos, por natureza, necessitam de amar e ser amados a fim de desfrutar saúde e integridade. Ellen White confirma isso ao apelar para “mútuo amor” e “mútua clemência” 3 e declara que Deus “queria que o homem obedecesse aos mandamentos… porque é para o bem da saúde e da vida de todos os seres humanos”. 4 Isaías acentua esta relação entre fazer o bem e obter saúde ou integridade (Isa. 58:6-8), e Cristo salienta continuamente a inseparável relação entre a observância dos mandamentos e o amor (S. João 14:15; 15:10 e 17).
A expressão “saúde mental” tem duas dimensões, ambas as quais, no sentido cristão, se acham contidas no conceito da devida relação com Deus ou justiça pela fé. A saúde mental indica a capacidade da pessoa para relacionar-se realística e responsavelmente consigo mesma e com o seu mundo. A pessoa “responsável” é capaz de atender aos reclamos da vida de um modo que conduza à inteireza e à integração; tende a ser uma pessoa de integridade e a ter o característico da aceitação pessoal. Quando Glasser indica que o amor-próprio é uma necessidade básica da personalidade, ele está salientando a necessidade de salutar aceitação pessoal como requisito prévio para abandonar as defesas pessoais e entregar-se em amor.
A antítese da saúde mental tende a ser caracterizada por uma reação que nega a realidade e é destrutiva para o mundo pessoal, propendendo para a fragmentação e irresponsabilidade. A alienação é experimentada em todas as dimensões da existência. Visto que a pessoa irresponsável se portou ao contrário da natureza que lhe foi dada por Deus, reagindo sem amor, ela experimenta uma divisão interior e está em guerra consigo mesma; sente-se ameaçada, ansiosa; sofre de decrescente senso de respeito próprio. Procurando compensar o declínio no conceito que tem de si mesma, pende para crescente egoísmo, usando as pessoas como coisas e manipulando seu mundo a fim de obter a vantagem que requer, sem levar em conta o custo ou as conseqüências. Assim prossegue a nefanda espiral da alienação mental. Esta ocorre tanto dentro dela mesma como entre ela e seu mundo.
Alguém disse sarcasticamente: “Todos somos um pouco neuróticos.” Somos todos uma mistura de elementos criativos e destrutivos; de elementos reconciliadores e alienadores; e o grau em que alguém propende para os últimos é o grau em que ele é neurótico. Vislumbres do apóstolo Paulo! Todos somos pecadores! É o conflito interno.
Erich Fromm, em suas considerações sobre psicanálise e religião, propõe como alvo da psicoterapia habilitar a pessoa a “viver o amor e pensar a verdade”.5 Viver o amor e pensar a verdade andam de mãos dadas, pois o primeiro depende do último, porquanto o amor que não é mero sentimentalismo envolve uma avaliação realista da vida. 6 Isto sugere, portanto, que a principal missão da Igreja é prover o modelo, a atmosfera, o ambiente para expressar amor responsável e seguir a verdade.
É inevitável que os ensinos da Igreja, experimentados na lufa-lufa da vida diária, resultem numa vida que possa ser caracterizada como criativa, salutar e reconciliadora — a “vida abundante” de Jesus? Ao procurar uma resposta para esta pergunta, gostaria de sugerir que fizésseis a vós mesmos quatro perguntas interdependentes que têm sido consideradas úteis para separar a religião salutar da religião doentia.
Pergunta 1: Minha compreensão e prática da doutrina religiosa tende a erigir pontes ou barreiras entre mim e os outros?
Wayne Oates escreve: “Em essência,… a religião salutar vincula as pessoas.” Ele prossegue, porém, salientando que ela efetua isso “de tal maneira que sua individualidade é habilitada tanto a realizar-se, como a consagrar-se à comunidade total… à qual eles pertencem. Esta é uma religião de relacionamento amadurecido e responsável.” E
Se o senso de identidade religiosa de alguém, quando é posto em prática na comunidade, tende a expressar um exclusivismo que nega a universalidade da solicitude de Deus, então é negado o próprio espírito do amor cristão descrito em I Coríntios 13.
Pergunta 2: Minha compreensão e prática da doutrina religiosa tende a estimular ou a estorvar o crescimento da liberdade interior e da responsabilidade pessoal?
Questões intimamente relacionadas são as seguintes: Isso estimula salutares relações de dependência, ou não? Relações experientes ou imaturas com autoridade? O desenvolvimento de consciências amadurecidas ou imaturas?
Clinebell menciona que “um dos erros mais comuns encontrados nas igrejas é o autoritarismo doentio.” 9
Tal espécie de dependência é um empecilho para o crescimento e às vezes pode ser visto, por assim dizer, em todas as organizações religiosas. Há indícios de dependência doentia quando os clérigos, devido a seus próprios sentimentos de insegurança e a compensatória propensão para o poder, obtêm satisfação neurótica tornando suas congregações dependentes. Em ambos os extremos, as pessoas “fogem da liberdade” — usando a apropriada expressão de Erich Fromm — para a segurança de um grupo religioso centralizado na autoridade.
Todos nós somos dependentes até certo ponto. Uma importante diferença entre a dependência salutar e a dependência doentia é que a primeira é melhor descrita como interdependência, e a última como relação simbiótica na qual o crente obtém uma sensação neurótica de poder identificando-Se com o dirigente. Este, por sua vez, encontra sua sensação de poder no fato de que outros dependem dele.
Quanto a esse abuso de poder, os Adventistas do Sétimo Dia receberam o conselho de que “há uma individualidade que precisa ser preservada em todo instrumento humano, na experiência cristã”, 10 de modo que pessoa “responsável” será aquela que reconhece “o direito que lhe assiste ao controle de sua própria mente, à mordomia de seus talentos”. 11
Pergunta 3: Minha compreensão e prática da doutrina religiosa provê um meio eficaz ou defeituoso para ajudar as pessoas a passar do sentimento de culpa para o perdão?Em outras palavras, será que ela provê diretrizes bem definidas, significativas e éticas, ou salienta insignificâncias éticas? Sua principal preocupação é a conduta superficial ou a saúde subjacente da personalidade?
Erik Erikson mostrou que diretrizes e ideais éticos são elementos vitais ao vigor do ego. 12 De acordo com esse famoso psicanalista, é importante que as pessoas sejam sensíveis à culpa em relação a coisas significativas, isto é, aos abusos da liberdade que prejudicam aos outros. A capacidade de experimentar apropriado sentimento de culpa constitui um dos indícios de saúde mental.
A maneira de lidar com a culpa depende de se é normal ou neurótica. Na realidade, a maioria de nós provavelmente experimentamos uma mistura de ambas. Os elementos neuróticos podem ser reconhecidos’ pelos seguintes fatores: deixar de mostrar-se sensível ao perdão, não ser impelido a fazer reparação, a tendência de focalizar a conduta superficial (insignificâncias éticas) e a propensão para estar ligado ao perfeccionismo. 13
Por outro lado, a culpa normal ou salutar é atenuada por seguir a prescrição bíblica delineada por Jesus quando enfrentou os moralistas superficiais. Ele declarou certa vez, em essência: “Por que estais tão preocupados unicamente com a conduta superficial, ao passo que desprezais as causas subjacentes na vida interior deste homem?” (Ver S. Mat. 12:34 em diante.) A tentativa do moralismo para controlar a conduta superficial é comparável à substituição de toda cópia deformada, de preferência a corrigir o estêncil. A moralidade, por outro lado, se preocupa com o estêncil, isto é, com a vida interior na qual a pessoa está alienada de si mesma e dos outros.
Pergunta 4: Minha compreensão e prática da doutrina religiosa tende a aumentar ou a diminuir a fruição da vida?
Basta dizer que as diversas formas da palavra alegria são usadas 192 vezes na Bíblia. E Jesus parece ser a favor da vida, apreciando e desfrutando profundamente o companheirismo e a comunhão com os outros e com Deus. Com efeito, Ele indica que o “gozo” constitui uma das principais razões para o evangelho: “Tenho-vos dito estas coisas para que o Meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo.” S. João 15:11. A religião doentia contradiz o espírito da vida de Jesus, fugindo do verdadeiro prazer religioso para o exclusivismo ou para o ascetismo.
A religião salutar envolve a pessoa toda na procura religiosa. Ela não somente põe o intelecto plenamente em ação na procura da verdade, mas também reconhece a importância dos sentimentos e das emoções numa personalidade sadia, evitando Conseqüentemente tanto o intelectualismo, por um lado, como o sentimentalismo, por outro lado. A fé bíblica positiva respeita a mais profunda liberdade humana — a liberdade de pensar, imaginar, fantasiar, sentir e escolher com base no peso da evidência provida por esses meios dados por Deus para chegar à verdade.
Essa modalidade de fazer perguntas positivas na avaliação da compreensão e da prática pessoal da fé tende a incentivar o contínuo refinamento da teologia individual. Fazer isso ajudou-me pessoalmente a precaver-me contra o moralismo, o legalismo, o julgamento farisaico e o autoritarismo tanto do perfeccionismo como do liberalismo, essas deturpações da conduta amorosa que tendem a seguir-me os passos. Também me ajudou a transformar a doutrina, não em meras exigências legais, mas numa experiência que produz integridade. Finalmente, essa maneira experiencial de encarar a verdade fortaleceu minha fé tanto na Bíblia como nos escritos de Ellen White, ao descobrir que os princípios sugeridos nessas fontes inspiradas, quando interpretados e aplicados corretamente, produzem resultados criativos que promovem a saúde. Em suma, salutar e positiva fé em Deus provê o ambiente para uma vida salutar e positiva.
Dr. Fred Osbourn, professor de Casamento e Aconselhamento Familiar na Universidade de Loma Linda, Califórnia.
Bibliografia
1. Dr. William Glasser. Reality Therapy (Nova Iorque: Harper and Row, 1965).
2. Howard J. Clinebell Jr., Basic Types of Pastoral Counseling (Nashville: Abingdon Press, 1966). Por amor “responsável”, Clinebell denota amor agape; aceitação, respeito e apreço incondicional da personalidade dos outros.
3. A Ciência do Born Viver, pág. 360.
4. Ellen G. White, Manuscrito b3, 1900
5. Erich Fromm, Psychoanalysis and Religion (New Haven: Yale University Press, 1950), pág. 9.
6. Testimonies, vol. 5, pág. 123 em diante.
7. A fonte destas perguntas é Howard J. Clinebell Jr., Mental Health Through Christian Community (Nashville: Abingdon Press. 1965). pág. 31 em diante.