“Mulheres que se disponham a consagrar uma parte de seu tempo ao serviço do Senhor deveriam ser indicadas a fim de visitar os enfermos, cuidar dos jovens e ministrar às necessidades dos pobres”
Desenvolvida pelo erudito norte-americano Lyman Wyne, a assim chamada Teoria Epigenética dos Relacionamentos é um modelo explicativo dos relacionamentos interpessoais. De acordo com essa teoria, todo relacionamento interpessoal saudável passa por cinco fases: apego, comunicação afetiva, resolução conjunta de problemas, mutualidade e intimidade. Tendo isso em mente, pode-se dizer que não adianta oferecer estudos bíblicos a pessoas com quem ainda não se tenha desenvolvido um relacionamento saudável. Ou seja, para sermos bem-sucedidos no cumprimento da grande comissão, precisamos desenvolver relacionamentos.
Ao ouvir sobre essa teoria, eu pude chegar a algumas conclusões bastante pessoais acerca das informações que recebia. Minha formação em sociologia já me havia levado a estudar o fenômeno do crescimento e decadência de movimentos religiosos. De fato, minha tese de mestrado, defendida junto à Universidade do Texas, havia versado sobre a decadência do catolicismo na América Latina.
A base do crescimento
Mesmo antes de entrar em contato com as ideias de Wyne, eu já estava convencida de que os relacionamentos formam parte essencial do crescimento dos movimentos religiosos. Eu já estava familiarizada com as pesquisas do sociólogo cristão Rodney Stark, que afirmara que a conversão a grupos religiosos ocorre quando, mantido tudo o mais, as pessoas têm ou desenvolvem relacionamentos com os membros do movimento.1 Então, concluí que as mulheres adventistas podem desempenhar papel relevante em criar uma atmosfera religiosa que favoreça a formação de relacionamentos.
Parece que as mulheres ainda são aquelas que, com maior facilidade, conseguem desenvolver, em seus relacionamentos, as fases propostas pela Teoria Epigenética. Isto é, parece que elas têm mais facilidade para desenvolver apego, comunicação afetiva, resolução conjunta de problemas, mutualidade e intimidade. Não é por acaso que, de modo geral, as igrejas adventistas ainda optam que, preferencialmente, as mulheres exerçam a função de recepcionistas. Na verdade, a atuação das mulheres no contexto religioso tem sido geralmente associada à provisão de cuidado e atenção.
De acordo com uma teoria desenvolvida por Márcia Guttentag e Paul Secord,2 todas as vezes que, em uma determinada comunidade, o número de mulheres supera o número de homens, as mulheres passam a desfrutar de status superior ao que tinham anteriormente e, como resultado disso, passam também a desempenhar atividades anteriormente restritas aos homens. Então, é possível que, num futuro próximo, as mulheres sejam as principais responsáveis pelas conversões que ocorrerem na Igreja Adventista. Foi precisamente isso o que aconteceu com o cristianismo primitivo. Apesar dos inesquecíveis sermões pregados por Pedro e Paulo, os historiadores e sociólogos modernos afirmam que, exceto pelas intervenções divinas na história da igreja, o fato de as mulheres excederem o número de homens no início da pregação evangélica foi um dos mais relevantes para o rápido crescimento do cristianismo através de conversões primárias e secundárias.3
Liderança servidora
Segundo a opinião de Hjalmarson, citado por Roger Helland, autenticidade é uma palavra-chave da pós-modernidade: “Os pós-modernos rejeitam a autoridade em termos de posição, em favor da autoridade no relacionamento. Eles não absorvem a hierarquia e tendem a reconhecer a autoridade somente quando ela é conquistada. Não respeitam líderes que estejam ‘sobre’ mas não estejam ‘entre’. Isso alinha com o ensinamento do Novo Testamento sobre o sacerdócio dos crentes e o ensino de Jesus no sentido de que ‘o maior entre vós seja o servo de todos’.”4
Uma liderança servidora e amorosa é o caminho para mover a igreja para uma ação efetiva e permanente. E a estrutura dos pequenos grupos se encaixa muito bem nessa nova realidade. Eles formam o ambiente ideal para o envolvimento das mulheres adventistas na missão da igreja, uma vez que lhes fornecem o ambiente ideal para o que se sabe que elas sabem e podem fazer melhor que ninguém: prover atenção e cuidado às outras pessoas, sejam essas do sexo masculino ou feminino, crianças, jovens ou adultas.
Além disso, os pequenos grupos suprem as condições ideais para que as mulheres possam exercer liderança, servindo de modelo para o tipo de líder-servo pelo qual a igreja anseia. Assim, o pequeno grupo se torna um importante ambiente no qual as mulheres podem exercer com a maturidade e espiritualidade que lhes são peculiares, um verdadeiro ministério, cumprindo, dessa forma, o papel que já lhes foi atribuído por Ellen G. White:
“As mulheres que se dispuserem a consagrar uma parte de seu tempo ao serviço do Senhor deveríam ser indicadas a fim de visitar os enfermos, cuidar dos jovens e ministrar às necessidades dos pobres… Precisamos variar em nossos métodos de trabalho. Mão nenhuma deve ser amarrada, nenhuma pessoa desencorajada, nenhuma voz silenciada. Que cada trabalho individual, particular ou público, ajude a avançar esta grande obra.”5
De fato, as mulheres adventistas podem se envolver em um ministério muito mais vibrante e dinâmico do que têm feito até aqui. Embora seja verdade que modelos de evangelismo que incluíam a mera distribuição de panfletos (quer realizada por homens ou mulheres, ou por iniciativa conjunta de ambos) nunca funcionaram de forma a compensar o esforço que demandavam.
Espontaneidade salvadora
Após fazerem minucioso estudo do evangelismo realizado de porta em porta pelos mórmons, nos Estados Unidos, Stark e Bainbridge chegaram à seguinte conclusão: “Quando os missionários fazem uma visita fria ou batem à porta de estranhos, essa abordagem produz uma conversão a cada mil visitas. Quando, em vez disso, estabelecem o primeiro contato com alguém na casa de um amigo mórmon ou de um parente dessa pessoa, tal abordagem resulta em conversão em 50% dos casos.”6
Dessa forma, repito que, para sermos bem-sucedidos no cumprimento da grande comissão, precisamos criar relacionamentos saudáveis com as pessoas a quem queremos alcançar para salvar. Estudos sociológicos e científicos, como os realizados por David Bohm, nos informam que os pequenos grupos oferecem as condições ideais para que isso ocorra.7
Além disso, o psicólogo e pediatra Donald Winnicott, após anos de prática clínica, chegou à conclusão de que nada é mais eficiente para a formação de relacionamentos saudáveis do que a criação de ambientes em que gestos espontâneos ocorram. Segundo ele, o gesto espontâneo é muito mais eficiente do que aqueles que ocorrem em condições formais. Assim, é durante os momentos formais, quando ajudam os filhos a fazer o dever escolar de casa, que os pais geralmente se preocupam mais em lhes dar instrução ou lhes falam com seriedade a respeito dos problemas da vida. No entanto, Winnicott também sugere que é nos momentos em que os pais brincam com os filhos que eles têm as oportunidades mais valiosas de lhes transmitir instrução à qual os filhos reagirão positivamente. É a oportunidade dos gestos que garante seu efeito sobre as pessoas.
Muitas vezes, queremos impressionar as pessoas trazendo-as a um culto minuciosamente planejado e não percebemos que a falta de espontaneidade acabará por destruir nossas chances de criar um relacionamento significativo e saudável com a pessoa convidada. Ora, que atmosfera poderia ser mais condutora a gestos espontâneos do que a intimidade de um pequeno grupo na casa de um dos membros da igreja?
Tempo oportuno
O momento em que vivemos é caracterizado por espantosa tolerância ao posicionamento religioso. Isto é, apesar de uma intensa secularização e tecnologização dos relacionamentos e das instituições sociais, o homem pós-moderno se abre, de forma muito mais amadurecida, à diversidade e à coexistência com diferenças religiosas. Os adventistas do sétimo dia nunca foram tão estimados e admirados como agora. Portanto, o momento é bastante favorável para a criação de grupos de diálogo entre a Igreja Adventista do Sétimo Dia e os diversos segmentos da sociedade.8
Nem todos os sociólogos e cientistas veem como algo negativo a formação de redes virtuais de relacionamentos através da internet. Norbert Elias, por exemplo, defende a formação de comunidades e redes virtuais de convivência como um indício da unidade psíquica da humanidade.9 Sua teoria social processualista (de caráter evolucionista e aplicável apenas aos povos em estado de civilização) prevê, inclusive, que esse conexismo seja essencial para o que chama de “estado de quotidianidade”.
No entanto, outros estudiosos consideram extremamente danosos ao espírito humano os relacionamentos instantâneos e bastante superficiais derivados dessas redes.1 Por isso, Zygmunt Bauman adverte que, no passado, a hegemonia social era conseguida e assegurada pelo controle de edifícios estáveis e sólidos. Hoje, ao contrário, ela é obtida e mantida pelo poder da mobilidade desimpedida e pela capacidade de usar a mídia para reinventar a própria imagem. Para ele, o grande desafio na virada do milênio não mais seria obter as identidades de sua escolha e torná-las aceitáveis por outros, mas que identidade escolher e como ficar atento a outra identidade a ser adotada, caso aquela escolhida a princípio saia do mercado ou perca seus atrativos.
“O pequeno grupo forma o ambiente ideal para o envolvimento missionário da mulher”
A globalização rompante das redes de poder parece, então, fazer parte de um complô favorável a uma política de vida privatizada (uma reforçando a outra). Tudo parece conspirar para fazer com que a globalização das condições de vida, o retalhamento e a privatização das lutas da vida, sejam automotivadas e autoperpetuadoras.
Diante dessa configuração em que a identidade humana entrou em crise, os pequenos grupos se afiguram como a melhor alternativa para fazermos frente às inseguranças e carências do homem pós-moderno. Eles oferecem ambiente agradável e acolhedor onde a pessoa pode crescer espiritual e socialmente, proporcionando-lhe, também, oportunidade para um reencontro consigo mesma, com seu semelhante e com Deus. O ambiente dos pequenos grupos favorece a construção de relacionamentos sadios que levam à conversão sendo, também, o mais adequado para que a igreja faça uso pleno da força de serviço e ministério que o excedente de mulheres agora representa.
Referências:
- 1 Rodney Stark, Sociology (Belmont: Wadsworth, 1992).
- 2 Márcia Guttentag e Paul Secord, Too Many Women? (Beverly Hills: Sage, 1983).
- 3 Rodney Stark, O Crescimento do Cristianismo (São Paulo; Ed. Paulinas, 2006).
- 4 Roger Helland, Ministério, mai./jun. 2006, p. 21, 23.
- 5 Ellen G. White, Review & Herald, 09/07/1895.
- 6 Rodney Stark; William Sims Brainbridge The Future of Religion (Berkeley e Los Angeles: University of Califórnia Press, 1985).
- 7 David Bohm, Diálogo (São Paulo: Palas Athenas, 2005).
- 8 Jon Paulien, Ministério, nov./dez. 2006, p. 17-20.
- 9 Norbert Elias, O Processo Civilizador (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993).
- 10 Zygmunt Bauman, O Mal-Estar da Pós-Modernidade (Rio de Janeiro: