ROBERT SPANGLER
Prezado Irmão Moisés:
Há tempo venho pensando em escrever-lhe para pedir desculpas e buscar perdão de você e seu povo Israel. Como você sabe, muitos, se não a maioria de nós no moderno Israel espiritual temos acalentado um espírito censurador para com vocês e um sentimento de superioridade espiritual. Com efeito, frequentemente eu mesmo tenho ficado horrorizado com o grande número de vezes que o seu povo deixou de viver à altura de sua alta vocação. Isso talvez constitua uma surpresa para você ao considerar a condição dentro de Israel hoje em dia. Mas os fracassos que experimentamos de maneira alguma têm impedido nossas críticas de seu povo nos tempos do Antigo Testamento! Na verdade, raramente compreendemos a realidade de nossa condição! (De fato, é estranho quão evidentes e inescusáveis parecem ser as suas antigas incoerências, e quão natural e explicável tudo isso se afigura quando nos encontramos em situações similares, na atualidade!)
Como ilustração, lembramo-nos de diversos acontecimentos em sua história. Escolher só um não é fácil, mas talvez haja outras cartas no futuro. Consideremos o episódio da serpente ardente. Desde a infância, nós que fazemos parte do Israel espiritual temos ouvido essa história ser repetida no culto familiar, nas classes da Escola Sabatina, nas aulas de Bíblia em escolas e colégios, para não mencionar seu amplo uso pelos pregadores. Você, Moisés, relatou essa ocorrência em Números 21. Ela começa com o seu povo queixando-se das privações no deserto e da aparente falta de alimento e água. Você menciona, porém, a maravilhosa e impressionante proteção de Deus sobre esse povo. Imagine um grupo de milhões de pessoas sem um só indivíduo débil em suas fileiras, a despeito do intenso calor e das adversidades de uma vida nômade no deserto! Até as suas roupas não se envelheceram, e os pés não se incharam durante todas as suas caminhadas (Deut. 8:4; Neem. 9:21). Naturalmente, não havia nenhum McDonald’s em alguma parte do deserto, portanto vocês não tinham todos esses alimentos sem valor que temos hoje. E quando vamos para algum lugar, o único exercício que a maioria de nós efetua é ligar e desligar a chave de ignição do automóvel! Nossos pés parecem inchar-se apesar de usarmos escadas rolantes e elevadores toda vez que precisamos subir alguns metros. Irmão Moisés, se tivéssemos de trocar de lugar com o seu povo no passado, e subir montanhas e viajar da maneira como vocês o fizeram, receio que a maioria de nós perecesse a alguns quilômetros do Mar Vermelho!
Evidentemente, as queixas e a descrença eram tão amplas e constantes que Deus foi obrigado a tomar medidas drásticas para levar alguns de seu povo à Terra Prometida. “Descontentamento — ouvi alguém dizer — é como tinta despejada na água e que enche de negridão todo o manancial.” Ele ocasiona depressão e paralisa a força de vontade; anuvia a mente e impossibilita o progresso. Esse espírito é contagioso, como vocês aprenderam na antiguidade. Nós enfrentamos a mesma coisa na atualidade.
Deus retirou Sua mão protetora, e deixou que as serpentes abrasadoras que infestavam o deserto atacassem a vocês. Então veio a agonia de dolorosa inflamação e morte prolongada. Alguns de nós têm-se admirado da invulgar instrução de Deus — erigir uma haste com um réptil de bronze no alto. Por que uma serpente, e não uma ovelha, como sinal de salvação?
Eis aqui, porém, a parte desse estranho episódio que nos leva a duvidar da sanidade mental de Israel. Você orou por eles, segundo o pedido que lhe fizeram. Erigiu o símbolo de bronze. Anunciou a boa nova de que todos os que estavam morrendo das picadas venenosas viveriam se tão-somente olhassem com fé para a serpente de metal. Depois de tudo isso, houve, porém, os que recusaram olhar. Eles voltaram as costas para o dom da vida!
Como podia algum israelita mordido por uma serpente ser tão insensível, tão irracional, tão estulto (se posso falar francamente)? Tudo que precisavam fazer era olhar e viver. Eles sabiam, e nós sabemos, que não havia poder curativo no emblema. Só Deus pode comunicar vida aos moribundos. Por que, então, eles não creram? Não é natural crer naquilo que se espera fervorosamente? Além disso, eles nada tinham que perder. Não lhes custaria nada — absolutamente nada — olhar e viver. Você consegue ver, não é mesmo, irmão Moisés, porque temos dificuldade para compreender o seu povo. Não encontro palavras para descrever minha atitude para com os que sacrificaram sua vida desnecessariamente. Oh! que incompreensível descrença! Como seu povo pôde escolher a praga fatal em lugar do antídoto divino?
Perdão, Moisés! Quase estou sendo arrebatado por minha atitude de crítica para com o seu povo e por meus fortes sentimentos quanto a este ponto. Quando me detenho para refletir um pouco, posso ver que não preciso ficar tão chocado. Consideremos, por exemplo, minha própria vida. Por que devo ficar tão surpreso com o mau desempenho de seu povo, se eu e o resto do povo de Deus hoje em dia não nos temos portado muito melhor? Como posso condenar o seu povo por esse procedimento desarrazoado, se, ao olhar para o meu próprio coração, mesmo que seja só por um momento, reconheço que estou em tão má situação como os mais endurecidos e descrentes dentre a sua multidão — e talvez pior, em vista da enorme quantidade de luz que Deus tem lançado sobre mim, em comparação com a luz concedida ao seu povo.
O que estou dizendo é o seguinte: tudo isto aumenta a nossa necessidade de pedir desculpas e buscar o seu perdão, Israel. Nós os condenamos por se queixarem e murmurarem, quando nossas próprias queixas dariam para encher bibliotecas! (Suponho que minhas murmurações pessoais, se fossem impressas, superariam a Enciclopédia Britânica!)
Perdão, Israel, por desdenharmos de sua descrença, quando nós, hoje, transformamos essa “habilidade” numa arte. A descrença impregna o Israel espiritual como câncer. Tudo — desde o Espírito de Profecia até a Segunda Vinda; desde a realidade do Céu até às bênçãos da reforma pró-saúde — é posto em dúvida hoje em dia, para não dizer nada da veracidade da doutrina do santuário e de seu testemunho profético, incluindo a profecia dos 2.300 anos e 1844. Nada está isento de ser minado — e mesmo destruído — pela descrença.
Acima de tudo, porém, perdão, Israel, por ficarmos espantados com a sua rejeição da vida por meio de Jesus, simbolizada pela serpente numa haste. Pois ridicularizamos sua má vontade para olhar e viver, quando nossa atitude para com o plano da salvação é pior ainda. O que Deus fez, está fazendo e fará por nós mediante Seu Filho Jesus Cristo é desprezado, mal-compreendido ou rejeitado por nós. Não admira que Deus queira vomitar-nos de Sua boca por causa de nossa mornidão! Nós, que pretendemos ser tão ricos, tão abastados, tão cheios de discernimento, não compreendemos (segundo João o expressou) que somos infelizes, miseráveis, pobres, cegos e nus (Apoc. 3:17)!
Mencionei — não é mesmo? — como achamos estranho que Deus usasse uma serpente, e não uma ovelha, como símbolo da salvação. Mas o gênio de todo o plano da salvação gira em torno desse magnífico aspecto da expiação. Oh! que sublimidade nestas palavras: Àquele que não conheceu pecado, Ele O fez pecado por nós; para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus” (II Cor. 5:21)!
Ele foi erguido como um espetáculo entre o Céu e a Terra, como se fosse indigno de ambos e tivesse sido abandonado pelos dois. Nosso Senhor e Salvador usou o ato de você, Moisés, levantar a serpente no deserto, por ordem de Deus, como ilustração ao falar com Nicodemos, aquele fariseu muito correto, honesto, moral, profundamente dedicado, mas não convertido. Disse-lhe que se aceitasse a expiação, nunca pereceria. Essa mensagem atravessou os séculos e chegou até nós. O apelo é o mesmo. Se levantarmos a Cristo no deserto de nosso coração e contemplarmos o Seu sacrifício, encontraremos poder para submeter-nos a Ele. Se tomarmos tempo para meditar sobre quem é o Salvador, o que Ele fez por nós e por que morreu, nosso coração será abrandado, nossa mente ficará impressionada, e a alma será imbuída de contrição. Se levantarmos em nosso coração o Seu excelso ministério como nosso Sumo Sacerdote no santuário celestial e compreendermos o que Ele está fazendo por nós hoje, aqui e agora, havemos de viver. Se tão-somente olharmos para Ele, não apenas a cada dia ou hora, mas em todos os momentos, a vida eterna é nossa! Não teremos uma sepultura no deserto, e, sim, o repouso na Terra Prometida.
Sim, Moisés, nós nos sentimos tão superiores! Temos escarnecido e zombado de você e seu povo por causa de sua descrença e seus fracassos. E agora somos condenados por maior descrença e maiores fracassos.
Perdão, Israel!