Muito antes de Darwin surgira grande descontentamento com a ideia de que a diversidade da vida vegetal e animal podia estar adequadamente contida nas histórias da Criação e do Dilúvio, nos primeiros capítulos do Gênesis.

RICHARD D. TKACHUCK, Doutor em Parasitologia pela Universidade da Califórnia e membro do Geoscience Research lnstitute, em Loma Linda, Califórnia

História está repleta de indivíduos que alteraram a sequência dos acontecimentos humanos pela descoberta de novas terras, invenções, atividades políticas, ou pela força das armas. Alista dos que remodelaram significativamente a estrutura da sociedade e da história humana pela introdução de uma ideia é muito menor. Filósofos religiosos como Cristo e Maomé, o ideólogo político Marx, e os cientistas Sigmund Freud e Charles Darwin, todos apresentaram ideias que causaram grandes rupturas no processo do pensamento humano, e mudaram o mundo para sempre.

Para que uma ideia obtenha aceitação quase universal, ela precisa satisfazer a importantes descontentamentos com o conceito mundial em voga. Darwin não propôs sua teoria de descendência com modificações a um mundo que aceitava serenamente o conceito de um Deus Criador. Muito antes que Darwin escreveu A Origem das Espécies, surgira grande descontentamento com a ideia de que a diversidade da vida vegetal e animal e toda a estrutura geológica da Terra podiam estar adequadamente contidas nas histórias da Criação e do Dilúvio relatadas nos primeiros capítulos do Gênesis.

Até o começo do século dezoito, a vasta maioria dos indivíduos no mundo ocidental aceitava sem restrições o conceito bíblico da Criação e de um Dilúvio universal. O domínio da Igreja sobre as atividades intelectuais dos eruditos ainda não estava inteiramente desfeito, embora a Renascença e a Reforma Protestante houvessem libertado os homens do dogmatismo dos séculos anteriores. A lealdade à fé cristã era quase universal nas civilizações europeias, se bem que o nível da piedade certamente diminuira em comparação com o dos reformadores e seus seguidores imediatos.

A ciência começava a florescer. A Natureza era cada vez mais observada, independentemente da teologia, e faziam-se tentativas para colocar as observações num contexto mais secular. Carolus Linnaeus classificou as plantas e os animais no Norte da Europa, e em 1758 publicou uma importante obra contendo exemplos de todas as partes do mundo. As formas de vida foram colocadas numa ordem hierárquica baseada em semelhanças na forma. Assim, por exemplo, os animais com coluna vertebral foram separados dos que não tinham coluna vertebral, e a cada grupo atribuiu-se, então, uma porção de subdivisões.

Essas incursões nos domínios da ciência moderna não estavam inteiramente livres da aparência bíblica. O conceito conhecido agora como teologia natural ainda era uma força dominante na interpretação do mundo biológico. Esse conceito punha o homem como centro da criação de Deus e relegava o resto do mundo natural a um papel de servidão para o conforto e prazer do homem. Em sua aplicação extrema, por exemplo, pensava-se que os coelhos tinham pequenas caudas brancas para constituírem um alvo mais visível ao caçador!

Outro conceito na ciência, supostamente apoiado pelas Escrituras, era o da fixidez das espécies. Antes das explorações do Novo Mundo, do Extremo Oriente e do Continente Africano, acreditava-se, em geral, que os animais da Europa eram idênticos na forma aos que saíram da arca de Noé. Com a chegada, porém, de navios carregados de espécimes procedentes de países distantes, logo se compreendeu que a arca não seria suficientemente grande para conter a todos eles. A comparação de formas semelhantes de todas as partes da Terra tornou difícil crer que todas tinham saído da mão do Criador.

A possibilidade de que podiam ocorrer mutações nas espécies foi combatida pelos que encaravam a Natureza como perfeita. Admitir que um organismo mudasse de forma ou função para um estado mais bem adaptado era, em essência, dizer que a criação original de Deus era imperfeita. Este conceito beirava a blasfêmia, e, Obviamente, era inaceitável. Se havia mutações em animais e plantas, estas eram degenerativas. Tais formas anômalas não eram bem-sucedidas e posteriormente se tornavam extintas, deixando a forma perfeita moldada pela mão do Criador.

A incipiente ciência da geologia também desempenhou uma parte significativa para fazer com que a opinião mundial girasse em torno das ideias de Darwin. A princípio, todas as formações geológicas foram atribuídas à ação de um só dilúvio universal. No entanto, o exame de antigas culturas sepultadas por processos sedimentários estimulou a conclusão de que talvez outros processos naturais fossem responsáveis pelas formações geológicas. Sedimentos em suspensão nos mares, o vulcanismo e suas resultantes modificações na paisagem, os ventos, o movimento do gelo e outras forças físicas proviam alternativas naturalistas para o relato bíblico.

Fósseis de organismos que não vivem atualmente sobre a Terra eram atribuídos por alguns a artifícios ou à obra do diabo em seu esforço para confundir o homem. Por volta do tempo de Darwin, muitos reconheciam que esses fósseis eram realmente restos de organismos extintos. Esse tipo de evidência resultou na conclusão de que os processos geológicos no mundo natural eram demasiado morosos para explicar a formação dos estratos conhecidos naquele tempo, num período inferior a dez mil anos. Estimativas da duração da história terrestre logo passaram para o âmbito de milhões de anos.

Com a descoberta de fósseis característicos em camadas, bem como de outros conjuntos de fósseis característicos em camadas adjacentes, desenvolveu-se o conceito de múltiplas catástrofes. Embora Deus ainda fosse retido como Criador, o relato bíblico de uma só ocorrência criadora foi abandonado em favor da ideia de múltiplas criações e múltiplas catástrofes. A história bíblica do Dilúvio deixou de ser aceita literalmente.

Assim Darwin entrou em cena numa época de significativo descontentamento com o conceito bíblico das origens e da destruição do mundo por um só Dilúvio universal.

Os primeiros anos de Darwin foram passados no estudo da história natural. Suas tentativas para formar-se em medicina e teologia demonstraram-se inúteis. Seu primeiro e único amor era o mundo da Natureza. Sendo diligente e meticuloso observador, ele logo atraiu a atenção de diversos e importantes historiadores naturais que o incentivaram em suas atividades. Quando lhe foi dada a oportunidade de ser o biólogo numa viagem de cinco anos ao redor do mundo, ele a aceitou com avidez. Esta experiência tornou-se o ponto decisivo no conceito de Darwin sobre o mundo.

Ele iniciou a viagem ainda esperando ver a mão de Deus na Natureza. Preocupado com as crescentes evidências de mutações no mundo natural, tentou primeiro correlacioná-las com o relato bíblico. Contudo, à medida que se multiplicavam as diversidades, logo se tornou óbvio que as modificações realmente eram possíveis. Quando ele chegou às Ilhas Galápagos, o conceito de que as espécies surgem de outras espécies se firmou em sua mente.

Ao retornar à Inglaterra, Darwin começou uma série de estudos para determinar quanta modificação é possível no mundo natural. Amplas pesquisas das realizações de criadores de animais domésticos demonstraram a possibilidade de importantes modificações morfológicas. Baseado nessas observações, ele deduziu que a Natureza também podia selecionar determinados característicos.

Darwin divergia de eruditos anteriores em diversos pontos. Primeiro: ele reconhecia que cada indivíduo diferia de outros indivíduos num grupo ou espécie. Sob os aspectos do tamanho, da cor, do índice dos movimentos ou de uma porção de outros característicos, todos mostravam variações dentro do grupo. Não havia dois indivíduos iguais. Cada um deles reagia de modo diferente às alterações ambientais. Alguns teriam vantagens baseadas em característicos herdados. Os que teriam mais possibilidade de sobreviver passariam esses característicos “bem-sucedidos” a seus descendentes. Assim, lentamente, com o tempo as espécies evoluiriam nalguma coisa diferente.

Darwin também reconhecia que a capacidade reprodutiva dos organismos individuais excedia consideravelmente o que era necessário para manter uma população estável. (A fim de que uma população de animais que se reproduzem sexualmente se mantenha em número constante, apenas podem sobreviver, em média, dois descendentes. Se o índice de reprodução for maior do que este, a população aumentará.) Contudo, ao olhar em volta de si, Darwin notava que, em geral, o nível populacional dos animais e das plantas permanecia relativamente constante.

Com essas duas ideias em mente, só era necessário um catalisador para fundi-las muna nova teoria. Esse catalisador apareceu na forma de um livro escrito por Thomas Malthus sobre os controles da população humana. Malthus notou que, embora a capacidade reprodutiva dos seres humanos fosse grande, a capacidade para produzir alimentos não o era. Por exemplo, se cada família tivesse quatro filhos, a população dobraria numa geração. A produção de alimentos não conseguiria avançar no mesmo ritmo. Malthus resolveu esse dilema mencionando que a fome, as guerras, as doenças, etc., constituem entraves naturais ao crescimento populacional.

Finalmente Darwin tinha um mecanismo para o processo que ele mais tarde chamou de seleção natural. Era evidente para ele que se uma população, com todas as suas variabilidades, estava situada num ambiente limitativo, só podiam sobreviver os que tivessem vantagens adaptativas. Os sobreviventes seriam diferentes dos da geração passada.

Darwin estava certo ao supor que as espécies podiam sofrer modificações. Se, porém, as espécies podem modificar-se um pouco, é correto dizer que, se houver tempo suficiente, pode-se extrapolar o sistema evolucionário, fazendo com que animais unicelulares se transformem no próprio homem?

Darwin chegou a essa conclusão e realizou amplas pesquisas em todos os aspectos de sua teoria nos vinte anos que se seguiram. Quando percebeu que Wallace estava prestes a publicar conclusões similares, ele acelerou as suas atividades, e em alguns meses triplicou o tamanho de seu manuscrito de vinte anos de idade, e mandou-o para o prelo. Quando o livro foi publicado em 1859, a edição se esgotou num só dia!

As reações ao livro de Darwin foram imediatas e extremas. De um lado, muitos na comunidade científica aceitaram seus conceitos com avidez e se tornaram audazes em sua promoção. No outro extremo, o público em geral, muitos clérigos e não poucos cientistas, embora não ficassem perturbados com a ideia de que as espécies podiam sofrer alterações, foram muito excitados por suas inferências. Muitos viram na teoria de Darwin um ataque ao relato bíblico, ao conceito da inspiração, à natureza do homem e, posteriormente, ao processo da salvação.

Quando apareceu a próxima geração, o darwinismo conquistara uma grande porcentagem da comunidade científica. Os expositores do criacionismo se encontravam principalmente entre os clérigos evangélicos. Esta situação continuou mais ou menos assim até a metade do século vinte, quando, na comunidade científica, um pequeno número de cientistas começou a chamar a atenção para o criacionismo. Este confronto com a comunidade científica tradicional tem aumentado de intensidade, como pode ser visto nos meios de comunicação, em aspectos políticos e nos tribunais.