Dr. Hans K. LaRondelle Professor de Teologia na Universidade Andrews, EE.UU.

O Novo Testamento ensina que a Igreja de Jesus Cristo, apesar de esperar uma grande apostasia e tribulação, deve aguardar “a bendita esperança” do segundo advento do Messias, quando Jesus voltará do Céu em divina glória para ressuscitar os mortos em Cristo, para salvar os justos vivos e destruir o Anticristo opressivo:

“Porque o Filho do homem há de vir na glória de Seu Pai, com os Seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme as suas obras.”

“[Cristo] aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que O aguardam para a salvação.” Heb. 9:28.

“Porquanto o Senhor mesmo, dada a Sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos Céus [parousia, v. 15], e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.” I Tess. 4:16 e 17.

“Porque Deus fará o que é justo: Ele trará sofrimento sobre aqueles que fazem vocês sofrerem, e dará descanso a vocês e também a nós que sofremos. Ele fará isto quando o Senhor Jesus aparecer do Céu, junto com Seus anjos poderosos, com uma chama de fogo.” II Tess. 1:6 e 7.

“Então será de fato revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de Sua boca, e o destruirá, pela manifestação de Sua vinda [parousia].” II Tess. 2:8.

“Eis que vos digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos, num momento, num abrir e fechar dolhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados…. Então se cumprirá a palavra que está escrita: Tragado foi a morte pela vitória.” I Cor. 15:51, 52 e 54.

De acordo com a escatologia dispensacional, a segunda vinda de Cristo precisa ser dividida em duas ocorrências: o arrebatamento secreto da Igreja, que pode suceder “em qualquer momento”, seguido sete anos mais tarde pela gloriosa segunda vinda de Cristo para destruir o anticristo. Durante esses sete anos intermediários, ocorrerá a Grande Tribulação para o povo judeu (o Israel nacional). No arrebatamento, antes dessa tribulação, Cristo virá só para os santos (ver S. João 14:3); na gloriosa parousia ou epiphaneia (“revelação”) Cristo virá com os santos (ver I Tess. 3:13). Este é, em suma, o programa de acontecimentos ensinado pelos dispensacionalistas da pré-tribulação.

Se, como eu creio, esse programa não se baseia em exegese bíblica responsável, mas é imposto à Escritura Sagrada por uma doutrina preconcebida, de separação de Israel e a Igreja, então a cuidadosa comparação da Escritura com a própria Escritura deve estabelecer qual é a verdadeira e bendita esperança do povo de Cristo Jesus e sua relação com a tribulação final. Assim que for determinado pela Escritura Sagrada que o “arrebatamento” e o “glorioso aparecimento” não são dois acontecimentos separados, mas um só e glorioso Advento, ficará demonstrado que a doutrina de um arrebatamento iminente, antes da tribulação, constitui um conceito imperfeito e uma esperança deturpada.

Unidade de Vocabulário

O Novo Testamento emprega três vocábulos gregos para descrever o Segundo Advento de Cristo: parousia (vinda), apocalypsis (revelação) e epiphaneia (aparecimento).

A parousia de Cristo é descrita em I Tessalonicenses 3:13; 4:15-17; II Tessalonicenses 2:8 e S. Mateus 24:27. A comparação destas passagens torna claro uma coisa: A parousia de Cristo causará não somente o arrebatamento da Igreja e a ressurreição dos justos mortos, mas também a destruição do anticristo, o iníquo. Em II Tessalonicenses 2:8 Paulo fala ao “esplendor da Sua vinda” {literalmente: “epiphaneia de Sua parousia”), apontando assim para a parousia como um acontecimento dramático e glorioso. Aguardar esse glorioso aparecimento de Cristo é, para o apóstolo, a “bendita esperança” da Igreja: “Aguardamos a bendita esperança — o glorioso aparecimento [Epiphaneia] de nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo.” Tito 2:13, The New International Version. Cristo até comparou Sua parousia com o lampejo do relâmpago do oriente até o ocidente, salientando novamente um acontecimento visível que será evidente para todas as pessoas (ver S. Mat. 24:27).

No Novo Testamento não se encontra nenhuma indicação de um arrebatamento secreto, invisível ou instantâneo da Igreja. Pelo contrário, I Tessalonicenses 4:15-17 insinua exatamente o oposto: “alarido”, “voz do Arcanjo”, “a trombeta de Deus”, “os mortos em Cristo ressuscitarão” (Grifo acrescentado). Os santos vivos serão “arrebatados” juntamente com os santos ressuscitados, para o encontro com o Senhor nos ares. Nenhuma palavra sobre algo secreto, sobre invisibilidade ou mesmo sobre um arrebatamento instantâneo! Em I Coríntios 15, Paulo revela o mistério de que a Igreja será “transformada”, passando da mortalidade para a imortalidade, “num momento, num abrir e fechar dolhos, ao ressoar da última trombeta” (v. 52). É esta transformação que será instantânea, segundo Paulo, e não o arrebatamento da Terra para os ares ou para o Céu. A Parousia de Cristo será o acontecimento mais dramático e sensacional na história humana — salvação para todos os santos e punição para o mundo impenitente e o anticristo — e não ocorrerá a qualquer momento, mas no ressoar da última trombeta do tempo designado por Deus (ver I Cor. 15:51-55; Atos 1:6 e 7).

A destruição dos ímpios perseguidores da Igreja de Cristo também ocorrerá no apocalypsis ou revelação de Jesus Cristo em glória (ver II Tess. 1:6 e 7). Será nessa revelação ou manifestação de Cristo que a Igreja terá alívio de sua perseguição, não em algum “arrebatamento secreto” sete anos antes da gloriosa manifestação de Cristo “com os anjos do Seu poder, em chama de fogo” (II Tess. 1:7).

Paulo ensinou à Igreja de Corinto que ela devia aguardar “a revelação [apocalypsis] de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Cor. 1:7). Isto faz do glorioso apocalypsis ou revelação de Jesus Cristo a bendita esperança da Igreja. Este acontecimento ocorre “no dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Cor. 1:8). Pedro também chama a esperança de salvação para a Igreja, não de arrebatamento, mas “a revelação” da glória de Jesus Cristo (ver I S. Ped. 1:7 e 13; 4:13). Chegamos, portanto, à conclusão de que o Novo Testamento não faz distinção entre a parousia, o apocalypsis e a epiphaneia de Jesus Cristo. Estes vocábulos denotam um só e indivisível advento de Cristo para trazer salvação de eterna glória a todos os crentes, e punição a seus ímpios perseguidores.

O vocabulário do Novo Testamento que retrata a volta de Cristo como a bendita esperança da Igreja não abona a ideia de duas vindas ou de duas fases de Sua vinda, separadas por um período de sete anos de tribulação. Ele confirma só um aparecimento de Cristo em glória, para livrar a Igreja do anticristo no fim da tribulação.1 A Inspiração diz que Ele “aparecerá segunda vez” (Heb. 9:28), e não “mais duas vezes”.

A Base do Arrebatamento Antes da Tribulação

Como, então, os dispensacionalistas obtiveram a ideia do “arrebatamento secreto”?

Ela é basicamente o resultado da hermenêutica de um literalismo preconcebido acerca de “Israel”. C. C. Ryrie explica: “A distinção entre Israel e a Igreja conduz à crença de que a Igreja será arrebatada da Terra antes do começo da tribulação (que em grande parte diz respeito a Israel).”2

Quando alguém pergunta por que o tempo de tribulação só terá que ver com o Israel literal ou os judeus, e não com a Igreja, J. F. Walvoord declara que a grande tribulação é ‘‘um tempo de preparação para a restauração de Israel (Deut. 4:29 e 30; Jer. 30:4-1l).”1 Qual é, porém, a natureza desse tempo de preparação, de acordo com Deuteronômio 4:29 e 30:1-10? Uma grande tribulação? Não, mas um tempo de buscar a Yahweh de todo o coração e de nova obediência a Seus mandamentos! Moisés tornou esta preparação espiritual a condição explícita para o retorno à Terra Prometida e a restauração da teocracia quando Israel estivesse no aperto da dispersão. A promessa de que Deus proveria um remanescente fiel e espiritual durante o exílio babilônico, o tempo de angústia de Jacó (ver Jer. 30:7), não invalida ou obscurece o divino requisito prévio de verdadeiro arrependimento antes que esse remanescente que crê seja restaurado à terra de bênção e prosperidade (ver Deut. 30:1-10). Uma análise mais atenta de Jeremias, capítulos 30 e 31, revela a conhecida antologia das promessas de restauração para as doze tribos no cativeiro assírio-babilônico. Elas abrangem a promessa do novo concerto de que Yahweh proverá um novo espírito de obediência voluntária nos corações de um Israel e Judá arrependidos. (Ver Cap. 31:31-34, 18 e 19; 30:9.) Tal era a natureza espiritual do tempo de preparação de Israel em sua tribulação babilônica, antes de sua restauração. A Bíblia não apresenta um programa diferente de Deus para Israel hoje em dia ou no futuro. Essas promessas condicionais de Deus são inalteradas e irrevogáveis para Israel até o Juízo final.

Por que, então, alguns dos principais escritores dispensacionais inferem que a Igreja de Cristo não passará pela tribulação final ou repressão pelo anticristo? Por que a Igreja não necessita desse tempo de preparação para sua glorificação?

Walvoord declara: “Nenhuma das passagens do Novo Testamento sobre a tribulação menciona a Igreja (S. Mat. 24:15-31; I Tess. 1:9 e 10; 5:4-9; Apoc. 4-19).”2 3 No entanto, todas essas passagens são inquestionavelmente dirigidas à Igreja de Cristo! O argumento do silêncio não prova coisa alguma. R. H. Gundry replica com acerto: “A Igreja não é mencionada como tal em Marcos, Lucas, João, II Timóteo, Tito, I Pedro, II Pedro, I João, II João ou Judas, nem até o capítulo 16 de Romanos. A menos que estejamos preparados para relegar grandes porções do Novo Testamento a um limbo de irrelevância para a Igreja, não podemos fazer da menção ou da omissão da palavra ‘igreja’ um critério para determinar a aplicabilidade de uma passagem aos santos da época presente.

Por outro lado, o Apocalipse de S. João mostra que uma inumerável multidão de crentes no Senhor Jesus Cristo “vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras, e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (Apoc. 7:14). Esses santos que passaram pela tribulação sofreram intensamente por causa de Cristo (ver Apoc. 7:16 e 17). Podemos asseverar que esses cristãos provêm unicamente da raça judaica, quando João não faz diferença entre os santos da tribulação e os cristãos, quando ele até declara explicitamente que esses crentes vitoriosos que se acham diante do trono e do Cordeiro provêm “de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Apoc. 7:9)? Essa “grande tribulação” não se refere à ira punitiva de Deus sobre os impenitentes, mas à cruel perseguição dos santos pelo anticristo e pelo falso profeta; em suma, à ira de Satanás (ver Apoc. 12:17; 13:15-17; 14:12).

Jesus advertiu Seus seguidores de antemão que eles passariam por aflições ou tribulação por Sua causa, e até seriam mortos em fanatismo religioso (ver S. João 16:2 e 33). À Igreja em Esmirna, o Cristo exaltado enviou esta consolação: “Não temas as coisas que tens de sofrer. Eis que o diabo está para lançar em prisão alguns dentre vós, para serdes postos à prova, e tereis tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.” Apoc. 2:10; cf. 1:9; Atos 14:22; Rom. 5:3.

Para evitar a natural e normal interpretação dos santos como a Igreja de Cristo em Apocalipse capítulos 6 a 20, as palavras do Céu a João em Apoc. 4:1: “Sobe para aqui, e te mostrarei o que deve acontecer depois destas coisas”, são interpretadas como ensinando o arrebatamento da Igreja, da Terra para o Céu. Semelhante exegese forçada é, porém, rejeitada até mesmo por alguns escritores dispensacionais, como R. H. Gundry. Ele admite que a exegese literal requer que aquelas palavras sejam aplicadas à própria pessoa de João, o Revelador, e a frase “depois destas coisas” (meta tauta) à sequência de João estar recebendo uma nova visão em sua experiência pessoal. Depois de sua visão na Terra, João é convidado a ver uma nova cena no Céu. Não há nenhuma referência a uma sucessão de tempos ou dispensações de cumprimentos de visões.6

Inferimos, portanto, que a Igreja sob a direção de Cristo passará por severas tribulações, mas será vitoriosa, e resistirá também à grande tribulação final causada pelo anticristo (ver I Tess. 3:3; I S. João 2:18;

4:3; S. Mat. 16:18). Paulo escreve que a Igreja está “designada” para tribulações (I Tess. 3:3); contudo, “Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo” (I Tess. 5:9). Consequentemente, precisamos fazer distinção entre a tribulação da perseguição pelo anticristo e a punitiva ira de Deus designada unicamente ao mundo impenitente.

Durante as sete pragas de Apocalipse 16, que são flagelos de Babilônia, a Igreja sobre a Terra recebe a promessa de Cristo, de proteção divina, assim como o Israel antigo desfrutou a proteção de Deus quando Ele feriu o Egito com dez pragas (ver Apoc. 3:10 e 11; 14:20; 16:15; Êxo. 11:7). A Igreja de Cristo sofrerá perseguição durante a tribulação final da Babilônia anticristã, mas não sofrerá a ira divina. Esta ira, que será derramada do Céu sobre a perversa Babilônia durante a crise final, culmina no Armagedom e no livramento do povo de Deus pelo glorioso Segundo Advento de Cristo (ver Apoc. 13:15-17; 14:6-20; 16; 18:4; 19:11-21). O apocalipse não menciona nenhum arrebatamento da Igreja antes da tribulação, mas apresenta, em vez disso, tuna segunda vinda de Cristo exclusivamente após a tribulação. Esta conclusão é confirmada em outras passagens apocalípticas do Novo Testamento, por Cristo e Paulo, que apresentam a inegável ordem: primeiro a grande tribulação para a Igreja, e então seu livramento pela gloriosa manifestação de Cristo.

Uma parousia ou um “arrebatamento secreto” da Igreja antes da tribulação não é um ensino do Novo Testamento (nem explícita ou implicitamente), mas se baseia na doutrina preconcebida de uma separação entre israelitas e cristãos. Esta separação é então imposta aos textos devido a essa doutrina.

Qualquer separação básica dos povos do velho e do novo concerto só tem validade se houver uma separação bíblica entre Yahweh e Cristo, entre o Redentor de Israel e o Redentor da Igreja. Jesus Cristo, no entanto, afirmou ser, enfaticamente, o Único Pastor de ambos os rebanhos que viera reunir tanto judeus como gentios num só rebanho com o mesmo destino — a Nova Jerusalém (ver S. João 10:14-16; Apoc. 21).

Referências:

1. Para um estudo pormenorizado, ver G. E. Ladd, The Blessed Hope (Eerdmans, 1960), Capítulo 3. O teólogo dispensacional. Charles F. Baker, A Dispensational Theology (Grand Rapids, Michigan: Grace Bible Col. Publ., 1972) admite, após sua análise das três palavras para a segunda vinda: “Temos de chegar à conclusão de que a distinção entre a vinda de Cristo por ocasião do Arrebatamento e Sua volta à Terra não pode ser estabelecida simplesmente pelas palavras que são usadas” (pág. 616).

2. Dispensationalism Today, pág. 159. Cf. J. F. Walvoord, The Rapture Question (Zondervan, 1972), pág. 192: “Só o pretribulacionismo distingue claramente entre Israel e a Igreja e seus respectivos programas.”

3. Walvoord, Idem, pág. 193.

4. Ibidem.

5. The Church and The Tribulation (Zondervan. 1973), pág. 78.

6. Ver R. H. Gundry, Idem, págs. 64-66. ouvintes digam: “Foi um lindo sermão!”, mas não consigam mencionar nada mais além disso.