“Nada façais por partidarismo ou vangloria, considerando cada um os outros superiores a si mesmo” 

O modo como os pastores convivem uns com os outros, se falam bem ou mal uns dos outros e se seu relacionamento está em harmonia com a Palavra de Deus, certamente, exercerá grande influência sobre o progresso do evangelho, quer para o bem quer para o mal. Ellen G. White afirmou: “Coisa alguma retarda e entrava tanto a obra em seus vários ramos, como o ciúme e as suspeitas e desconfianças. Isto revela dominar a desunião entre os obreiros de Deus. O egoísmo, eis a raiz de todo mal.”1

Um tema tão importante como este sugere muitas causas que poderiam danificar os relacionamentos interpessoais entre pastores. Sem a pretenção de ser exaustivo a esse respeito, neste artigo, nos propomos a analisar o orgulho, a inveja, o espírito de competição, o individualismo, a crítica destrutiva ao antecessor, o intrometimento no trabalho do colega e o flerte com o poder como causas possíveis dos ferimentos causados à ética pastoral.

Orgulho e inveja

Certo pastor bem-sucedido na arte de pregar orgulhava-se de sua presença no púlpito e, por isso, perguntou à esposa: “Quantos grandes pregadores você pensa que existem hoje em nossa denominação?” Sem hesitar, a esposa respondeu: “Um a menos do que você pensa”.2 Richard Baxter advertiu no sentido de que “se Deus pôs para fora do Céu um anjo orgulhoso, tampouco tolerará um pregador orgulhoso”.3

O orgulho nos faz pensar que somos indispensáveis, leva-nos a nutrir sentimentos de superioridade e nos engana com a falsa percepção de que nossas riquezas e conquistas são frutos de nosso trabalho e habilidades. O conselho da Palavra de Deus é: “Não digas, pois, no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas riquezas” (Dt 8:17). Ao admoestar Seus discípulos a não procurarem o primeiro lugar no banquete, Cristo denunciou o ogrulho ao dizer: “Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado” (Lc 14:8, 11). Por sua vez, Paulo aconselha: “Nada façais por partidarismo ou vangloria, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo” (Fp 2:3, 4).

Sempre que, durante um concilio, um grupo de pastores senta-se à mesa para desfrutar uma refeição, e alguém fala com ênfase do seminário onde se graduou, dos títulos e competência de seus professores, e de seu programa de prática pastoral, os demais se agrupam para o contra-ataque. A mesma coisa acontece quando nos vangloriamos de nossos métodos de trabalho, estatísticas, pregação e carreira. Se o orgulho é a excessiva preocupação com nossas realizações e habilidades, a inveja tem por alvo as realizações, posses e habilidades dos outros pastores.4

Qualquer pessoa que deseje algo que outro possui pode entender o ressentimento de Acabe, no episódio da vinha de Nabote. Ou seja, almejamos tanto a popularidade que chegamos a invejar as funções e a reputação dos nossos colegas que são preferidos a nós. De fato, vemos o sucesso de outros como ameaça ao nosso ministério5 e, por isso, às vezes, não conseguimos celebrar as vitórias de nossos colegas e até desprezamos suas conquistas.

Competição e individualismo

Stephen Covey mostra a incoerência das táticas motivacionais que tomamos emprestadas do mundo corporativo.6 Ao tentar entender o porquê do baixo nível de cooperação existente entre servidores de determinada empresa, ele notou um quadro comparativo na parede da sala do presidente.

Naquele quadro, havia vários cavalos de corrida alinhados em diferentes raias e, acima de cada cavalo, a foto de um dos gerentes da empresa. Na linha de chegada, havia um lindo pôster de uma praia famosa. Nas reuniões semanais, o presidente dizia ao seu grupo: “Vamos trabalhar juntos”. Então, apontava para o quadro e desafiava: “Quem ganhará o prêmio?” Ele queria motivação, mas instigava a competição. O sucesso de um significava o fracasso dos outros.

Da nossa parte, as aspirações pastorais também são moldadas por certa ênfase, adquirida de nossa cultura, na individualidade e na competição. Todos têm a necessidade interna de experimentar senso de propósito na vida, através de sua participação em uma causa digna e no relacionamento em comunidade.7 Também é verdade que temos aspirações individuais à parte da comunidade. Jogadores de futebol no banco de reservas torcem por seu time, mas ao mesmo tempo gostariam de estar em campo jogando e fazendo o gol da vitória.

Creio que é natural aceitarmos como privilégio ser escolhidos como oradores de determinado evento, nomeados para alguma função de maior responsabilidade ou termos alguma realização destacada com ênfase. Porém, se tivermos individualidade sem experimentar comunidade, acabaremos nos sentindo isolados e desmotivados pela falta de aceitação. Uma sugestão para diminuir a diferença entre os impulsos interiores da individualidade e da comunidade seria, primeiramente, a prática da cooperação mútua e, em segundo lugar, o compartilhamento de recursos e ideias ministeriais.8

Por exemplo, ao ser transferido de distrito ou igreja, deixe para o sucessor informações úteis tais como endereços de interessados, mapas de localização de congregações e membros, registros de doadores e listas telefônicas que incluam os oficiais da igreja, membros e principais serviços da cidade.9 Evite a atitude de “lobo solitário”, que leva alguns a faltarem a concílios e encontros ministeriais destinados a promover comunhão, inspiração e ideias para um pastorado frutífero.11

Crítica ao antecessor

Collins e Price mencionam que o primeiro ato do governo eclesiástico do recém-eleito papa Estevão VII, no outono de 896 d.C., foi mandar desenterrar o corpo de seu antecessor, o papa Formoso. Após vesti-lo com paramentos pontificiais, acusações foram lidas contra o defunto, antes de esse ter a mão decepada e o corpo lançado no rio Tibre. Estevão tinha sido um oponente invejoso e ciumento de Formoso, e agiu para denegrir o ministério deste. Desnecessário é dizer que também teve fim violento. Esse triste exemplo ilustra a falta de ética de um pastor para com seu antecessor e sugere algumas atitudes e cuidados práticos que devem ser cultivados.

Ao assumirmos um novo distrito, não tenhamos tanta pressa em descartar o programa do antecessor. Antes, demonstremos sabedoria bem como respeito em manter aquilo que está funcionando.13 Na revista O Ministério Adventista, de julho-agosto de 1959, foi publicado o assim chamado “Código profissional para obreiros” que ainda é muito útil para seminaristas e pastores. No parágrafo que destaca a relação do pastor para com os colegas, o código apresenta as seguintes sugestões:

“Não faça insinuações desfavoráveis ao seu antecessor ou sucessor mediante palavras, olhadas ou indiretas; não permita que o zelo profissional anuvie o seu juízo, recordando este princípio: ‘preferindo-vos em honra uns aos outros’ (Rm 12:10); dê o crédito devido às ideias e ao trabalho dos demais, e faça humildemente tudo o que lhe seja possível para cooperar com eles e fazer que sua obra tenha êxito.”

Semelhantemente, pastores assistentes devem ser leais a seus supervisores. Em assuntos administrativos nos quais suas ideias difiram das deles, devem seguir as orientações dos supervisores.14

Intrometimento

Embora esteja comprometido com o ministério entre os membros de seu próprio distrito, o pastor não é uma ilha. Ele mantém relacionamentos com outros de sua comunidade local e com pessoas da igreja mundial. Contudo, seu chamado está limitado a seu distrito e membros. Ele não tem direito de aconselhar nem batizar membros de outro distrito, ou mesmo de realizar qualquer função pastoral em favor deles, sem a permissão do respectivo pastor.

A interferência ou intromissão nos assuntos de outro pastor ou distrito pode assumir diferentes formas. Tentar atrair membros de outro distrito pastoral para que deixem as congregações de que são membros ativos e se transfiram para seu rebanho é um comportamento altamente antiético. Pode-se dizer o mesmo do pastor que já trabalhou em determinado distrito e, tendo sido transferido para outro local, aceita o convite de um membro para oficiar o funeral de um falecido sem ter feito qualquer contato com seu sucessor naquela região. Qualquer falha nesse sentido pode criar severa rutura de etiqueta pastoral que pode resultar em abalo nos relacionamentos.

O mesmo princípio é aplicado a cerimônias de casamentos, batismos e à tendência que têm alguns de manter contato telefônico ou pela internet com indivíduos insatisfeitos com o pastor atual, fazendo comentários depreciativos sobre as habilidades desse. Tudo isso é uma evidente interferência na vida de uma congregação que ele não mais pastoreia.15

Flerte com o poder

Um conceito que infelizmente molda nosso pensamento como pastores é a metáfora: “fulano subiu, beltrano caiu” ou “a nata sempre sobe”. Para aqueles que cobiçam funções executivas, o trabalho de pastor distrital não é atrativo. Nossa sociedade ensina o alto valor do poder, da fama e do prestígio conferidos por certas funções. Por isso, imagina-se que, quanto mais as pessoas desejem tais funções, mais valiosas elas se tornam. Aqui, o primeiro ponto a ser evitado é a auto-compaixão; abandonar a impressão de que não somos estimados como devíamos ser. Porém, “os que têm a impressão de que seu trabalho não é apreciado e que desejam uma posição de maior responsabilidade considerem que: ‘Nem do Oriente, nem do Ocidente, nem do deserto vem a exaltação. Mas Deus é o Juiz; a um abate e a outro exalta’. Cada homem tem seu lugar no plano eterno do Céu. Ocuparmos esse lugar, depende de nossa fidelidade em cooperar com Deus.”16

Somos exortados a ter como alvo elevado padrão de nosso pastorado

E mais: “Se alguns são classificados para uma posição mais alta, o Senhor deporá o fardo, não apenas sobre eles mas sobre aqueles que o escolheram, que conhecem seu valor e que podem com conhecimento de causa incentivá-lo para a frente. São os que cumprem fielmente o trabalho que lhes é designado dia a dia que, na ocasião oportuna, ouvirão de Deus: ‘Sobe para mais alto’.”17

Somos exortados a ter como alvo o elevado padrão de qualidade em nosso ministério, não o alvo de elevada posição. Naturalmente, a melhor forma de ser convidado a ocupar função de maior responsabilidade é ser consistentemente eficiente na realização do trabalho considerado mais simples.

O problema a ser evitado aqui é a tentação de “cavar chamados”, de nos envolvermos em campanhas para ocupar algum departamento ou em usarmos táticas de curta duração em crescimento de igreja, para adquirirmos maior visibilidade. É possível manipular estatísticas em proveito próprio, ao demonstrar pressa em acrescentar pessoas ao rol de membros e lentidão na remoção dos membros inativos. Porém, assim, diluímos o discipulado que deve ser desenvolvido em nosso distrito pastoral. Em lugar disso, devemos trabalhar duramente onde estamos e buscar aperfeiçoar o que estamos fazendo, deixando os resultados com Deus.18

O Novo Testamento sugere um modelo ideal de comunidade (At 2:44-47), em que partilhamos as cargas uns dos outros, nos alegramos com o sucesso dos outros e nos entregamos completamente a serviço de outros. Com esses objetivos, Jesus orou: “a fim de que todos sejam um; e como és Tu, ó Pai, em Mim e Eu em Ti, também sejam eles em Nós; para que o mundo creia que Tu Me enviaste” (Jo 17:21).

Para que tenhamos essa unidade e mutualidade, necessitamos da graça de Cristo, para remover as cinco armadilhas consideradas aqui. Para promover e solidificar o senso de comunidade pastoral, devemos trabalhar intencionalmente. E devemos celebrar, quando percebermos sua realidade entre nós.

Referências:

  • 1 Ellen G. White. Evangelismo, p. 633.
  • 2 Robert Schnase, Ambition in Ministry: Our Personal Spiritual Struggle With Success Achievement and Competition (Nashville, TN: Abingdom, 1993), p. 43.
  • 3 Richard Baxter, O Pastor Aprovado (São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas. 1989), p. 41.
  • 4 Robert Schnase, Op. Cit., p. 47.
  • 5 Erwin Lutzer, Pastor to Pastor: Tackling the Problems of Ministry (Grand Rapids, MI: Kregel, 1998), p. 19.
  • 6 Stephen Covey, The Seven Habits of Highly Effetive People (New York: Simon&Schuster, 1989), p. 205, 206.
  • 7 Robert Schnase, Op. Cit., p. 56.
  • 8 Robert J. Radcliffe, Effetive Ministry as an Associate Pastor, (Grand Rapids, MI: Kregel, 1998), p. 93-96.
  • 9 Guia Para Ministros, p. 54.
  • 10 Kurt Brink, Overcoming Pastoral Pitfalls, (Saint Louis, MO: Concordia, 1997), p. 115.
  • 11 Guia Para Ministros, p. 54.
  • 12 Michael Collins; Matthew A. Prince, Millenium: A Story of Christianity (Londres: Doring Kindersley, 1999), p. 95.
  • 13 Guia Para Ministros, p. 54.
  • 14 Reidar A. Daehlin, Pastor to Pastor (Minneapolis: Augsburg, 1996), p. 92.
  • 15 Kurt Brink, Op. Cit., 117.
  • 16 Ellen G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 476.