Publicamos este artigo que trata de um assunto de plena atualidade, debatido tanto nos círculos adventistas como em muitos outros no mundo em geral, com a convicção de que nossos leitrores encontrarão nele uma orientação clara e séria quanto ao uso dos medicamentos, segundo os princípios do Espírito de Profecia. Para a boa compreensão do que o autor expõe neste artigo, é necessário advertir que em inglês o vocábulo traduzido em português por “medicamento” é drug, que também pode significar “droga” e “fármaco”. Nos livros do Espírito de Profecia, drug é normalmente traduzido por “droga”. O original deste artigo que apareceu na Adventist Review de 4 de dezembro de 1980 usa as palavras drug, remedy e medication, que traduzimos respectivamente por “medicamento” ou “droga”, “remédio” e “medicação”.

Uma noite de inverno, quando eu exercia a profissão de médico na seção de urgência de um hospital de uma grande cidade, chegou uma mulher com seu filhinho. O menino estava com as amígdalas inflamadas, muito vermelhas e com placas. Também tinha febre e grandes inchaços que lhe deformavam o pescoço. O garoto necessitava desesperadamente de tratamento imediato, portanto, além de gargarejos quentes, compressas quentes no pescoço e outros remédios simples, lhe receitei penicilina.

A mãe do menino recusou a penicilina, pois não queria que seu filho tomasse medicamentos. Perguntei-lhe se conhecia a origem da penicilina. Ela a conhecia. Sabia que a penicilina foi descoberta num bolor. Não obstante, opinava que não era um produto “natural”, e, sim, uma droga. Sem pretensões de ser jocoso, perguntei-lhe se permitiria que eu receitasse duas fatias de pão bolorento quatro vezes ao dia. Compreendeu a alusão, pois sabia que o bolor obtido do pão produz penicilina. No entanto, continuou recusando meu conselho, e o pequeno paciente partiu em plena noite sem a receita das cápsulas de penicilina.

Essa mãe tinha razão? Ou estava equivocada? Os medicamentos são uma saída fácil no mundo médico? As respostas que dermos a estas perguntas são de suma importância para o fiel adventista do sétimo dia que confia no Espírito de Profecia e que não desconhece as mensagens referentes aos medicamentos.

Os medicamentos podem prestar alguma ajuda quando estamos doentes? Desde já, cremos que sim. Os medicamentos são prejudiciais? Em certo sentido, não resta dúvida de que todos os medicamentos têm efeitos secundários. Mas ocorre o mesmo com qualquer outra coisa, inclusive a água pura e os morangos recém-colhidos da horta.

Quando se discute uma questão tão vital e tão controvertida nos círculos adventistas, é imprescindível começar com uma definição. The New Columbia Encyclopedia (1975) define desta maneira a palavra drug: “Substância usada na medicina, tanto externa como internamente, para curar, aliviar ou prevenir uma enfermidade ou deficiência.” O dicionário da Real Academia de Língua Espanhola define “Medicamento” do seguinte modo: “Qualquer substância, simples ou composta, que, aplicada interior ou exteriormente ao corpo do homem ou do animal, pode produzir um efeito curativo.” Esta definição inclui o éter, a morfina, a digitalina, a antitoxina da difteria, o ferro e o iodo, e também os hormônios, como a insulina e os estrógenos femininos. A definição tem um alcance mais amplo ainda, indicando que os medicamentos podem ser obtidos de diversas fontes, como metais, hormônios, alcalóides, vacinas e antibióticos.

Voltemo-nos para o Espírito de Profecia e vejamos uma breve experiência. Dentro da nascente Igreja Adventista, erguiam-se vozes proclamando uma doutrina que ordenava que se controlasse o possível uso de medicamentos no tratamento de qualquer enfermidade. Os remédios não eram adequados. Ellen White escreveu, porém: “A idéia que tendes, de que não se deveriam usar remédios para os doentes, é erro. Deus não cura os doentes sem o concurso dos meios de cura que estão ao alcance dos nomens.” — Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 286.

Mais tarde ela asseverou: “Não é negação da fé usar os remédios que Deus proveu para aliviar a dor e ajudar a Natureza em sua obra de restauração…. Deus pôs em nosso poder o obter conhecimento das leis da vida. Este conhecimento foi colocado ao nosso alcance para ser empregado. Devemos usar todas as facilidades para a restauração da saúde, aproveitando-nos de todas as vantagens possíveis, agindo em harmonia com as leis naturais.” — A Ciência do Bom Viver, págs. 231 e 232.

Esta afirmação está de acordo com a idéia de que devemos usar remédios: “Há ervas comuns que podem ser usadas para a restauração dos doentes, e cujo efeito sobre o organismo é muito diferente do efeito das drogas que intoxicam o sangue e põem em perigo a vida.” — Mensagens Escolhidas, livro 2, pág. 288.

Consideremos agora os termos empregados na expressão: “drogas que intoxicam o sangue e põem em perigo a vida.” É possível que naquele tempo existiam substâncias curativas que ainda não tinham sido descobertas e que não intoxicam o sangue nem põem em perigo a vida — medicamentos que ainda não eram conhecidos e que realmente podem salvar vidas, em vez de pô-las em perigo? Constitui uma negação da fé fazer uso da penicilina, a fim de destruir alguns germes? É possível que Deus, em Sua bondade, nos proveu sabiamente este remédio?

Abuso de Coisas Boas

Não asseveramos que todos os medicamentos são prescritos de modo correto. Não sei de ninguém que sempre o tenha feito. Podemos equivocar-nos em numerosas atividades: dirigindo um veículo, vendo televisão, fazendo exercícios musicais, etc. O médico que passa vinte horas por dia ocupando-se de seus pacientes e que, por isso, negligencia sua família, não está agindo corretamente. De modo semelhante, ele pode equivocar-se ao receitar, quando recomenda uma intervenção cirúrgica ou em suas indicações em geral. Nem todos os medicamentos deveriam ser ingeridos quando o são, nem na quantidade indicada e com o objetivo que se tem em vista. Até as coisas boas podem ser impróprias em determinadas circunstâncias, e podemos abusar delas.

Ellen White também nos diz o seguinte sobre as drogas: “As drogas ministradas aos doentes não restauram, mas destroem. As drogas não curam nunca. Em vez disso, colocam no organismo sementes que trazem colheita muito amarga.” — Idem, pág. 289.

Esta é uma acusação muito forte contra os medicamentos usados naquela época. Acaso podemos asseverar, porém, que qualquer pílula ou remédio causa destruição ou tráz uma colheita muito amarga? Se for assim, devemos deixar de fazer anestesia nas cirurgias? Chamar medicamento ou droga a uma erva não soluciona o problema; pois se uma droga provém de uma planta ou é um produto sintético, e tanto causa danos como benefícios, é uma droga ou um medicamento por definição.

O vocábulo “natural” só nos conduz a um dilema. A cortisona e a insulina são produzidas por nosso corpo. A maconha é natural, mas não é natural usá-la como estimulante de nosso estado de ânimo. O ópio é natural (e os especialistas em nutrição afirmam que está presente numa grande variedade de vegetais que ingerimos, como a couve, por exemplo), mas não é natural tomá-lo como narcótico. Deus nos proveu uma série de remédios naturais. Entre eles encontra-se a reserpina para a hipotensão. Teremos que usar então a reserpina porque é natural, e deixar de usar algum outro preparado que atua melhor em nosso organismo e que provavelmente produz menos efeitos secundários ou reações alérgicas, simplesmente porque é distribuído pelos farmacêuticos, em vez de crescer no campo?

O corpo humano não pode estabelecer diferenças entre moléculas naturais e moléculas produzidas pelo homem. Conseqüentemente, a vitamina C extraída da roseira silvestre parece que é utilizada pelo organismo exatamente da mesma maneira que a vitamina C proveniente da proveta do químico.

Outra afirmação importante concernente aos medicamentos nos exorta a depender mais de outros métodos: “A medicação por meio de drogas, como é geralmente praticada, é um malefício. Educai-vos de modo a abandonar as drogas. Usai-as cada vez menos, e confiai mais em agentes higiênicos; então a Natureza responderá aos médicos de Deus: ar puro, água pura, exercício apropriado, consciência limpa.” — Idem, pág. 281.

Esta ordem é coerciva, e todos os médicos, quer tenham recebido seu preparo em Loma Linda ou em outros lugares, devem agir de acordo com ela. E que dizer da expressão: “como é geralmente praticada”? Seria a mesma coisa hoje? Tal expressão condenaria o uso da insulina pelos diabéticos, do hormônio da tireóide pelas pessoas que sem ele morreríam, da imunização infantil contra o sarampo ou uma transfusão de sangue a um hemofílico que estivesse perdendo muito sangue?

Em 1899, a mensageira inspirada disse: “O Senhor proveu antídotos para as doenças, em plantas comuns, e essas podem ser usadas pela fé, sem que isso implique em negação da fé; pois usando as bênçãos providas por Deus para nosso benefício, cooperamos com Ele.” — Idem, pág. 289.

Muitos remédios empregados na atualidade pelos médicos foram obtidos originalmente de uma planta. Um bom exemplo disso é o ácido acetilsalicílico, a tão comum aspirina, que hoje não somente é utilizada para aliviar a dor e baixar a febre, mas também para evitar um ataque de apoplexia. A aspirina é obtida da casca das árvores, especialmente do salgueiro. Visto que sua extração é custosa e difícil, os cientistas puseram mãos à obra (creio que pela graça de Deus) e aprenderam a sintetizá-la no laboratório. A molécula do ácido acetilsalicílico que provém do tubo de ensaio do químico não é diferente da que provém da fonte natural. O organismo não pode, nem precisa, apreciar a diferença, pois se trata da mesma molécula.

Outros Remédios Provenientes das Plantas

Há muitos outros remédios cuja origem está nas plantas, como o digital empregado na insuficiência cardíaca, e a atropina e seus derivados, usados como antiespasmódicos, nos transtornos ou distúrbios estomacais, e para acelerar as pulsações de um coração demasiado lento.

Outra afirmação inspirada sugere um modo melhor de empregar os medicamentos do que era comum no século XIX: “Não ministreis drogas. Certo, as drogas podem não ser tão perigosas como em geral são, se forem ministradas prudentemente, mas nas mãos de muitos elas são danosas à propriedade do Senhor.” — Idem, pág. 283.

Ellen White também disse: “As drogas sempre têm a tendência de derribar e destruir as forças vitais.” — Idem, pág. 321. Nada do que é introduzido no corpo humano deixará de ser prejudicial se for usado incorretamente. Há algo mais puro do que água destilada? No entanto, o excesso de água destilada provoca uma intoxicação. Acaso existe algo mais puro ou necessário do que o oxigênio? Contudo, há uma síndrome letal conhecida como intoxicação por oxigênio.

E necessário considerarmos outra afirmação de Mensagens Escolhidas: “Quando o assunto me foi apresentado, e a triste preocupação quanto ao resultado da medicação de drogas, foi-me dado o esclarecimento de que os adventistas do sétimo dia deviam fundar institutos de saúde que abandonassem todos esses inventos destruidores da saúde, e os médicos deviam tratar os doentes segundo os princípios da higiene.” — Livro 2, pág. 280. A expressão “inventos destruidores da saúde” é significativa. Seria usada esta mesma expressão para descrever os remédios atuais que promovem a saúde, em vez de destruí-la?

Lemos também: “Coisa alguma deve ser introduzida no organismo humano, que deixe após si uma influência daninha.” — Ibidem. Será que esta afirmação se aplica ao uso da insulina quando procuramos reparar uma deficiência do organismo? Ela se referia à insulina quando falava de drogas venenosas?

Outra declaração inspirada ocorreu num sermão pregado em Lodi (Califórnia), no dia 9 de maio de 1908: “Advogamos em nossos sanatórios o emprego de remédios simples. Desanimamos o uso de drogas, pois estas envenenam a corrente sanguínea. Nessas instituições devem ser ministradas judiciosas instruções quanto à maneira de comer, de beber, de vestir e viver de tal modo que se conserve a saúde.” — Conselhos Sobre o Regime Alimentar, pág. 303. Acaso se faz alusão aí ao paciente gravemente enfermo de asma bronquial? Acaso diz que não se deve empregar um antídoto para uma pessoa que acaba de ser atacada e mordida por uma cascavel?

Com freqüência Ellen White qualifica o vocábulo “droga” com expressões como estas: “perniciosa”, “perigosa” e “venenosa”, como no parágrafo que segue: “Toda droga perniciosa introduzida no estômago humano, quer por prescrição médica, quer por iniciativa própria, fazendo violência ao organismo humano, prejudica toda a maquinaria.” — Mensagens Escolhidas, livro 2, págs. 280 e 281. Teria ela dito a mesma coisa de todos os remédios médicos atuais?

Um Problema Típico

Consideremos o problema típico enfrentado pelos médicos. O paciente é uma mulher de 63 anos que foi conduzida a toda velocidade para o pronto-socorro de um hospital, e está com a respiração extremamente entrecortada. Tem uma tosse produtora de grandes quantidades de muco e uma forte inchação das pernas, até à altura dos joelhos. Quando o facultativo lhe ausculta o peito, nota em todas as partes estertores úmidos (sons que indicam que os pulmões estão cheios de líquido). A exploração mostra que o coração está dilatado, bate violentamente e sem uma freqüência certa. A paciente sofre um colapso cardíaco, e a menos que se atue rapidamente, a morte é iminente.

Naturalmente, o facultativo ora. O médico cristão encontra gozo na oração por seus pacientes. Sabe também que Deus ajuda aos que ajudam a si mesmos, e ele foi preparado para ajudar.

Lembra-se dos métodos naturais. O exercício está fora de lugar; o coração já está sobrecarregado. O ar fresco e o sol não serão uma ajuda nesta emergência. A água pura só complicaria as coisas, pois já há líquidos em demasia no interior do organismo. Confiar na direção divina sempre é benéfico, e ele já o está fazendo. As fomentações dilatariam os vasos sanguíneos e fatigariam o vacilante coração.

Esgotaram-se para o médico todos os meios providos por Deus? Não inteiramente. Devemos fazer duas ou três coisas de imediato, se quisermos salvar a enferma. Ela precisa desfazer-se de vários litros de líquido, do contrário se afogará com suas próprias secreções. Deve ser diminuído o ritmo do coração, que bate violentamente e de um modo irregular que precisa ser corrigido. Os bronquíolos se acham num estado espasmódico, constrito e tenso, e esta situação também deve ser corrigida.

Nestas circunstâncias, o médico tem de receitar medicamentos. Pode optar por uma injeção de digitalina e um diurético, e talvez um medicamento que detenha os espasmos. Em seguida, o coração reduzirá sua marcha e se regularizará. Os rins começarão rapidamente a segregar litros de líquido. Os pulmões se esvaziarão de água e começarão de novo a tomar oxigênio e a expelir dióxido de carbono.

Suponhamos que você seja esse médico. Que faria depois de dizer: “Oremos”? Ou suponhamos que você seja o paciente, ou que o paciente é sua mãe, ou seu filho, ou sua irmã. Provavelmente faria o mesmo que o médico: receitaria as moléculas milagrosas providas por Deus, realizando cada uma delas um encargo específico, e tendo sido criada para participar no resgate de um ser humano, livrando-o da morte.

Concluindo, desejo salientar que o que eu disse sobre o uso de medicamentos pressupõe que o paciente já esteja doente. Sempre que for possível, é melhor prevenir do que remediar. Depois da recuperação do enfermo, deveria continuar sua educação sobre como viver saudavelmente.

Raymond O. West, doutor em Medicina e Professor na Universidade de Loma Linda, Califórnia