Em nosso posicionamento profissional, na questão de ajudar psicologicamente o outro, acreditamos que há certas características pessoais daquele que se propõe a ajudar, as quais devem estar presentes, em se tratando também de ajuda espiritual feita pelo pastor conselheiro. Carl Rogers, importante psicólogo clínico dos EUA, demonstrou que o crescimento ou a melhora emocional tende a ocorrer num aconselhamento quando as seguintes qualidades estão presentes no conselheiro:1

a) Autenticidade — é ser aquilo que se é, sem “máscaras”; é genuína sinceridade — alguém que na relação com o outro é exatamente como é no “self” (eu). É perceber seus (do conselheiro) próprios sentimentos e poder expressá-los se isto for adequado. O Dr. Shafer comenta: “Colocar uma máscara, ou atuar com interesse, quando não estamos interessados, pode ser rapidamente sentido, e destrói a confiança e a confidência.”2

b) Consideração positiva — significa genuínas atitudes de afetuosidade, aceitação e preocupação com a pessoa que vem a nós em busca de ajuda. Há interesse não de maneira possessiva. Significa aceitá-la e respeitá-la mesmo que os pontos de vista dela sejam diferentes dos nossos. É ter uma atitude não crítica ou de julgamento.

c) Empatia — esta palavra deriva do termo alemão “einfühlung”, que significa “sentir dentro”. É derivada do grego “pathos”, que quer dizer um sentimento forte e profundo, semelhante ao sofrimento, tendo o prefixo “in”. É diferente de “simpatia”, que tem o sentido de “sentir com”. Empatia é mais voltada para um sentimento de profunda identificação das personalidades. Rogers a define assim: “… (é) perceber o mundo interior de sentidos pessoais e íntimos do cliente, como se fosse o seu, mas sem jamais esquecer a qualidade de ‘como se’ ”.3

Já falamos sobre a necessidade do pastor, reconhecendo seus limites no aconselhamento, encaminhar a pessoa para um profissional qualificado. Faremos agora alguns comentários sobre quem, como e para quem encaminhar.

A respeito de quem deve encaminhar, será necessário um mínimo de conhecimento de psicopatologia, a fim de detectar sinais graves, tais como pessoas deprimidas com risco de suicídio. Há bons livros que falam resumidamente dos principais quadros psiquiátricos, e o pastor deveria estudá-los. Se seu aconselhando tem problemas físicos, ele deve ser aconselhado a buscar o médico dele. Não devemos correr o risco de achar que as queixas físicas da pessoa são motivadas por atitudes neuróticas sem comprometimento físico real, sem recomendar-lhe passar por exame médico. A queixa pode ser real, necessitando de cuidados médicos; e, mesmo que seja de fundo emocional, pode haver lesão física mesmo.

Visão Global da Problemática

Já falamos dos casos de surtos psicóticos que podem ser confundidos com possessão diabólica. Há certas psicoses e certos conflitos neuróticos que, a princípio, são caracterizados por sintomas místicos com conteúdos espirituais, os quais podem ser confundidos com problemas espirituais. Uma boa entrevista com a pessoa e com familiares, dará uma visão mais global da problemática, permitindo fazer um correto diagnóstico. Já atendemos pessoas com conflitos neuróticos cujas queixas eram todas relacionadas com temas religiosos, dando a impressão ao leigo ou ao conselheiro inexperiente de que se tratava de problema espiritual; e mesmo a própria pessoa assim pensava.

É importante reconhecer que não é sábio aceitarmos o compromisso de ajudar, em aconselhamento que requer entrevistas freqüentes, pessoas com as quais não nos sentimos confortáveis. Mesmo que não expressos em palavras, nossos sentimentos aparecem de várias formas em nossa relação com o outro, e a produtividade no trabalho de ajudar ocorrerá, mais ou menos, em função de nossa maior ou menor empatia, autenticidade e consideração positiva. Não temos obrigação de nos sentirmos bem com todos. Nestes casos, o melhor é encaminhar a pessoa para outro pastor. Podemos também não nos sentir bem com uma pessoa por esta despertar em nós, nossos próprios conflitos; então, precisaremos estar cônscios disto e, possivelmente, tratar-nos psicologicamente também.

O Encaminhamento da Pessoa

Como encaminhar uma pessoa? Naturalmente, o pastor ficará preocupado sobre como a pessoa se sentirá ao ser-lhe dito que deve procurar um profissional em saúde mental — psicólogo ou psiquiatra. Sentir-se-á rejeitada? Ou se considerará “louca” ao ser-lhe indicado um psicológo ou psiquiatra?

Obviamente isto dependerá, primeiro, de nossos próprios conceitos sobre a necessidade de tais profissionais! Se eu encaro o fato de se necessitar de tratamento psicológico como algo tão natural quanto necessitar de tratamento ginecológico, pediátrico, cirúrgico, odontológico, etc., então não será difícil fazer o encaminhamento. Segundo, dependerá da maneira como vamos explicar à pessoa sobre nossas limitações e a necessidade que ela tem de tratamento. O Dr. Shafer, o psicólogo clínico adventista citado na primeira parte deste artigo, enumera alguns itens orientadores de Clinebell, os quais podem ajudar no processo de encaminhamento.4 Vejamos:

  1. Criar a expectativa de encaminhamento — quando o aconselhamento pastoral é divulgado na Igreja, é bom mencionar que uma das funções de tal acontecimento é ajudar a pessoa a encontrar ajuda especializada competente.
  1. Mencionar a possibilidade cedo. Em qualquer relacionamento no qual se suspeita que um encaminhamento possa ser necessário, é bom tocar nesse assunto logo que possível. Se há demora em falar disso, aumentam as possibilidades de haver sentimentos de rejeição. Clinebell sugere que se não há significativa melhora em quatro ou oito sessões, a pessoa deveria ser encaminhada.
  1. Transmita confiança à pessoa a quem você tenciona encaminhar seu aconselhado. Ajuda muito saber que você a conhece bem e confia nela.
  2. O encaminhamento envolve trabalhar com emoções que retêm a ida ao especialista. Medos, más informações e outras resistências emocionais necessitam ser identificados e resolvidos. Ajuda pedir à pessoa que depois lhe dê notícias de como vai no tratamento para o qual está sendo encaminhada. Isto assegura à pessoa seu contínuo interesse em dar-lhe a melhor ajuda possível.
  3. Se possível, a pessoa deveria ser encorajada a fazer sua própria marcação de consulta. Algumas vezes, entretanto, o pastor pode, ele mesmo, procurar marcar a consulta para pessoas que, por qualquer razão, não estão muito aptas para isto.
  4. Fazer com que a pessoa saiba que seu cuidado pastoral não será diminuído após o encaminhamento. Isto ajudará a reduzir sentimentos de rejeição e medo da perda de suporte. Entretanto, é essencial que a pessoa encaminhada para aconselhamento ou psicoterapia não continue a aconselhar-se com o pastor. Mais que um conselheiro de uma só vez, pode ser contraproducente. Se houver necessidade de hospitalização, o pastor pode ser, freqüentemente, a chave para facilitar o processo. Se a pessoa resiste a uma internação necessária, o pastor precisa estar a par de como funciona tal tipo de admissão no hospital de sua comunidade e quem é o profissional que deverá ser contactado em tais ocasiões. Durante a internação, será importante a visita do pastor, bem como sua atuação em apoiar a família do paciente.

Muitos medos surgem na mente daquele que necessita de ajuda profissional para problemas psicológicos. Será que o profissional é competente? Será que não estaria interessado em ganhar meu dinheiro, somente? Será que não me fará abandonar a Igreja com conselhos “mundanos”? Tentará seduzir-me? Poderei ficar dependente? Por causa destes e outros medos e conceitos errôneos, muitos procuram primeiro o pastor e, depois, a pessoa que o pastor indicar.

Infelizmente, muitos pastores estão tão receosos, desinformados e confusos quanto os membros da sua Igreja, no sentido de encontrar um profissional em saúde mental que possa recomendar com confiança.4 A maioria destes medos são infundados por causa da ética profissional sobre a qual já falamos, mas que ampliaríamos com este comentário do Dr. Shafer: “Profissionais qualificados têm devotado muitos anos de estudo e treino ao desenvolvimento destes especializados insights e habilidades em ajudar pessoas. Além disso, o legítimo e qualificado profissional em saúde mental respeitará os sistemas de valores e crenças pessoais do indivíduo. Ele pode perguntar a respeito deles e o que eles significam para a pessoa, mas aprendeu que estes valores e crenças religiosas podem ser uma importante fonte de força na vida de alguém. Ele pode, entretanto, também reconhecer que algumas vezes uma pessoa pode usar sua religião de modo não saudável. Nesta situação, ele legitimamente tentará ajudar o indivíduo a crescer e a usar sua religião mais construtivamente. É aqui onde o diálogo com o especialista em saúde mental pode ser muito útil.”6

Naturalmente, nem todo profissional segue corretamente o código de ética! Como saber, então quem é de confiança? Deixemos novamente o Dr. Shafer explicar-nos: “O melhor meio para descobrir quem é o clínico no qual você pode ter confiança é relacionar-se com especialistas em saúde mental que vivem na sua região. É apropriado você apresentar-se como pastor e ser muito franco e direto sobre seus interesses e preocupações. Os bons clínicos (psicólogos e psiquiatras) acolherão sua franqueza e retribuirão o favor. Não hesite em discutir abertamente seus valores e crenças e sua necessidade de um relacionamento colaborador com aqueles em relação aos quais você se sente confortável. Verifique qual é a orientação teórica geral dele e como ele lida com os vários problemas, como ele sente sobre colaborar com um pastor. Não hesite em conseguir relacionar-se com vários de sua região, porque assim você pode buscar e escolher aquele com o qual se sente mais compatível.”7

Quando o Pastor Tem Problemas

O pastor e sua família não são mais isentos de conflitos psicológicos que as demais pessoas. Podem, de fato, sofrer todos os estresses comuns às outras famílias. Mas quem, deve o pastor procurar, quando ele mesmo vive problemas pessoais? Não é muito confortável procurar ajuda de alguém da mesma Associação ou Missão, etc. Também, procurar um médico da sua Igreja, pode ser desagradável. Procurar ministros, pode ser visto como competidores ou insuficientemente treinados como conselheiros. Novamente, vamos ver o que tem a dizer o Dr. Vernon Shafer sobre isto: “Parece que o psicólogo clínico cristão é uma natural e apropriada fonte para o pastor e sua família, e em seus relacionamentos de colaboração é possível dar a cada um mútua compreensão e suporte”.8

Somos humanos, com carências várias. Apesar da fé em Jesus, a qual pode dar-nos certa qualidade de paz interior, podemos experimentar sofrimentos emocionais, para os quais há tratamento. O ser humano precisa partilhar suas alegrias e tristezas com outro ser humano. Podemos exagerar na questão de ter fé em Deus, querendo que Ele resolva tudo em nossa vida, e não lançamos mão de instrumentos humanos adequados para alívio de sofrimentos psicológicos. O Pastor Norval Pease, comenta: “Acham alguns cristãos que jamais devemos falar a outrem sobre nossos problemas, mas, em vez disso, levá-los unicamente ao Senhor. Infelizmente, isto pode ser levado a um extremo. Conseqüentemente, muitas pessoas se desesperam na necessidade de falar com outro ser humano. Podemos receber auxílio de fato de outra pessoa no partilhar as provações comuns, preocupações e fraquezas.”9

O apóstolo Paulo tinha fé em Deus. Ele se apegava a Jesus e dizia: “Tudo posso nAquele que me fortalece…” (Filip. 4:13). Entretanto, geralmente não percebemos o versículo que vem a seguir, o qual mostra como é bom recebermos ajuda humana. Veja como no versículo 14 Paulo fala do alívio que se obtém quando podemos partilhar nossos sofrimentos com outro ser humano. Jesus mesmo sentia tal necessidade! Ele não buscava só o Pai e o Espírito Santo. Partilhava muitas coisas pessoais com os homens. A Sra. White diz: “O coração humano anseia simpatia no sofrimento. Esse anseio, experimentou-o Cristo até ao mais profundo de Seu ser. Na suprema angústia de Sua alma, foi ter com os discípulos, com o aflitivo desejo de ouvir algumas palavras reconfortantes.”10

Assim, nosso papel como pastores conselheiros, psicólogos clínicos ou psiquiatras é sublime! É muito necessário num mundo progressivamente alienante. O trabalho em equipe torna-se cada vez mais necessário. Precisamos abrir mais a mente, aperfeiçoar-nos mais em nossos estudos científicos também, além do espiritual, a fim de tornar-nos mais capacitados e melhor qualificados para o serviço de ajudar mentes preocupadas e conflitantes. “Cultura mental é o que, como um povo necessitamos, e o que temos de possuir, a fim de fazer face às exigências da época.’’5 6

O pastor, queira ou não, tem seu papel de profissional em saúde mental. Por isso, deve ele preparar-se melhor para exercer tal função como generalista no aconselhamento e manter uma relação colega-profissional com especialistas em saúde mental da sua região. Deve reconhecer seus limites e saber encaminhar a pessoa. Precisa estar bem, emocionalmente, consigo mesmo, ou procurar ajuda profissional para si mesmo, se for preciso.

“Há a necessidade de pastores que, sob a direção do Sumo Pastor, busquem os perdidos e extraviados… Importa numa terna solicitude pelos que erram, numa divina compaixão e paciência. Quer dizer, um ouvido capaz de escutar com simpatia, narrações que partem o coração, acerca de erros, degradações, desespero e miséria.’’7

DR. CÉSAR VASCONCELLOS DE SOUZAPsiquiatra do Hospital Adventista Silvestre

Referências bibliográficas:

1. Carl Rogers e Barry Stevens — De Pessoa para Pessoa. Livraria Pioneira Editora. SP, 1978, págs. 60 a 62.

2. Vernon W. Shafer. Ph. D. — A Shared Ministry. The Relationship of the Clinicai Psychologist and the Pastor Counselor, Adventist Concepts of Psychology. Dept. of Education, Gen. Conf., 1977, pág. 107.

3. Carl Rogers, op. cit., pág. 107

4. Vernon W. Shafer, op. cit.. págs. 110 e 111

5. Idem. pág. 113

6. Idem, pág. 114

7. Idem. págs. 114 e 115

8. Idem, pág. 116

9. Norval Pease — Lição da Esc. Sab.. ed. de profess., 3º trim. 1980. pág. 110

10. E. G. White. O Desejado de Todas as Nações, págs. 660 e 661

11. E. G. White. Serv. Cristão, pág. 224

12. E. G. White, Obr. Evang., pág. 184.