DANIEL SCARONE
Esta mistura especial de cinema e rádio, servida a domicílio, pode apresentar efeitos prejudiciais, e seus sintomas já começam a vir à tona numa sociedade cada vez mais violenta, indiferente, materialista, voluntariosa e sexista.
De há muito, a televisão vem sendo objeto de estudos diversos, especialmente nas áreas que a consideram uma fonte de influência sobre a conduta humana.
Seus defensores são tão apaixonados quanto os seus detratores. Uns buscam razões para sua eliminação; outros, exaltam o que ela significa como moderna tecnologia de comunicação social. Alheia a essa reduzida e elitista luta, a televisão continua projetando imagens. Afirma difundir o que é de máximo e majoritário interesse, de e para a opinião pública, enquanto disfarçadamente tem a habilidade de dominar essa opinião na qual se baseia, formando um círculo que pode estar viciado por uma sociedade à qual tem também o poder de viciar.
É claro que hoje todos assistem a televisão. Uns em suas casas, outros na casa dos vizinhos; e uns poucos, talvez, só a vejam de vez em quando.
Em seu mundo de imagens, apresentam-se em rápida sucessão: uma mulher que solicita ajuda porque não tem casa, com uma linda jovem que é graciosa por influência de um ioga prodigioso; um grupo de cadáveres de soldados ou de guerrilheiros, com um punhado de amigos que tomam cerveja; uma morte violenta, ao lado de um grupo festivo e alegre que toma um espumante refrigerante. E tudo isso, numa sucessão de imagens rápidas, fugazes, carnavalescas.
É o moderno instrumento que atrai a atenção de multidões e que começa a ditar as normas de nossa cultura.
Não é à toa que Jerry Mander propôs a eliminação desse meio. Entre seus argumentos, declara que a televisão acelera o confinamento, mostrando um mundo com o qual não convivemos diretamente. Dá-nos uma imagem desse mundo, mas outra coisa não é senão um filtro que nos impede a experiência completa.
Também se tornou um instrumento de “colonização psíquica” e de dominação de uma mentalidade por outra, e de um estilo de vida por outro, tudo o que leva à homogeneização, como se nela se encontrasse o “summum bonum” buscado pelo homem.
Um argumento importante. É o que se infere de um elemento que é inerente à tecnologia televisiva e que produz a reação neurofisiológica.
A tela de um aparelho de televisão é composta de várias centenas de milhares de pontos fosforescentes, distribuídos em linhas horizontais. Esses minúsculos pontos parecem estar sempre acesos, mas na realidade não o estão. Acendem e se apagam à razão de 30 a 50 vezes por segundo (isto depende do modelo do aparelho de TV). Essa freqüência não pode ser percebida pelo olho humano, que capta apenas 10 cintilações por segundo. Uma luz que acende e se apaga à razão de nove vezes por segundo pode ser vista cintilar, mas numa freqüência superior a dez por segundo, vê-se como se estivesse permanentemente acesa.
Até o momento, o homem não encontrou um fenômeno natural que requeira maior velocidade de captação, pois somente a eletrônica foi capaz de produzir vibrações luminosas de tal rapidez.
Em algumas épocas, a diferença entre a velocidade de captação do olho (10 por segundo) e a possibilidade eletrônica (30 por segundo), foi utilizada para intercalar mensagens subliminares.
Em certo sentido, a TV é inteiramente subliminar, pois a imagem é definida pela cor que os pontos vão tomando ao acenderem ou se apagarem. Todavia, essa característica — a de formar a imagem com pontos que acendem e se apagam — faz com que a imagem esteja em constante composição. Essa imagem, que se forma na tela, é algo semelhante a um quebra-cabeça eletrônico, que está constantemente a compor-se em sucessivas imagens.
Este fato — o de que a imagem ali não es-teja de maneira completa, como o está nu-ma fotografia ou numa tela cinematográfica — pode ser comprovado tirando-se várias fotografias de uma tela de televisão com uma velocidade diferente para cada fotografia. Uma fotografia tira à a velocidade de 1/100 por segundo, pode resultar nu-ma imagem que mostre uma tela em branco ou formada pela metade, porque a “varredura” não conseguiu completá-la. Isto nos leva à pergunta: Onde se forma a imagem? A resposta é: em nossa mente. Eis a razão pela qual ao assistir a TV, produz-se uma grande concentração, pois envolve a cons-tante composição dos fragmentos de imagens, argumentos e banda de música.
Esta característica pode chegar a atrofiar nossa imaginação. Se compararmos com a leitura, notaremos que esta nos proporciona códigos imóveis, compostos por letras que são descodificadas em imagens no ritmo em que o leitor as vai lendo. Se lermos a palavra “casa” a composição das letras não se assemelha a uma casa, mas ao lermos os sinais, a imaginação cria uma em nossa mente. Em contraposição, a televisão já nos entrega uma imagem em formação, e dessa forma não precisamos imaginá-la.
Se passarmos muito tempo sendo receptores passivos de imagens criadas por outros, o processo mental que produz a imaginação se atrofiará.
O efeito na educação. Um trabalho recente, realizado pelo Departamento de Educação da Califórnia, mostra claramen-te que as crianças que passam mais tempo diante do televisor são as que obtêm as piores notas em seus exames.
Do ponto de vista educativo, há dois fatos da televisão que têm muita importância. Um é que o sistema educativo pressupõe que nem todas as coisas são imediatamente acessíveis, e que não é necessário: retraimento no estudo, trabalho e tempo, antes de obter um determinado conhecimento. Isto fica eliminado pela televisão, pois ela dá a informação sem gradualismo algum. Isto, por sua vez, leva-nos ao segundo aspecto, a saber, que a televisão removeu todos os segredos e tabus da sociedade, apagando, com o impacto de imagens, a linha de separação que existe entre a infância e a idade adulta, para substituí-la por uma cultura homogênea.
Os comerciais ou propagandas publicitárias. Alguns dados estatísticos mostram que nos primeiros 20 anos de vida um jovem (nos Estados Unidos) poderá ter visto um milhão de comerciais, à razão de uns mil por semana.
Basicamente, os comerciais ensinam que: 1) todos os problemas têm solução, 2) que todos os problemas são resolvidos rapidamente e 3) que todos os problemas são resolvidos graças à intervenção de alguma técnica ou de um determinado produto.
O maior elemento motivador utilizado é o sexo, seguido pela amizade, a própria pessoa, a aceitação social, etc. Os publicitários estão conscientes da insegurança e da ansiedade do público, e não deixam de explorá-las. Um cigarro proporciona independência a um jovem. A outro, dá status uma roupa jeans. Um perfume resolve as dúvidas de um terceiro, quanto à sua feminilidade ou varonilidade. A maioria dos publicitários vinculam os estados de ansiedade com a sexualidade, o que determina a grande quantidade de publicidade com resquícios de erotismo.
A mulher é grandemente explorada na televisão através dos comerciais. Ela é estimulada a permanecer sempre jovem, refrigerada e simpática; a ser passiva e dependente; mas nunca decidida e amadurecida. Por sua vez, a inocência e a sensualidade se misturam como se na verdade uma mulher pudesse ser sensual e, ao mesmo tempo, virginal; ou sedutora e casta. Isto se funde num cadinho de conduta esquisóide, símbolo de nosso tempo, e lema de nossa ambivalência.
A atenta observação de certos comerciais, mostra como a mulher é desmembrada, dando-se realce a certas partes de sua anatomia, das quais ela não é senão um resumo. Toda a promoção é orientada para a beleza exterior, e pode ser apreciada apenas a mulher que adquiriu um certo nível de perfeição física. Mas o que nunca dirão os comerciais é que essas imagens, não só são artificiais, mas são também conseguidas artificialmente. Também não dirão que muitos desses produtos, cosméticos ou bebidas sofisticadas, contribuem para deteriorar a beleza física.
Existe (na realidade quase não existe) muito pouco realce nos comerciais sobre alimentação adequada e exercício, que são fatores muito importantes para a saúde e a vitalidade.
A televisão e a violência. Em maio de 1982, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos preparou um relatório no qual resumiu mais de 2.800 estudos realizados no decênio passado, sobre a influência da televisão no comportamento humano. As provas resultantes foram tão desanimadoras que existe consenso de que a violência projetada pela televisão induz as pessoas a se comportarem de maneira agressiva. Durante dez anos um telespectador terá visto uns 150 mil episódios violentos, e umas 25 mil mortes violentas, o que é muito mais do que aquilo que foi visto por um soldado, de qualquer nação, em uma das últimas guerras.
Paradoxalmente, apesar de tanto crime projetado, o espectador vê pouca dor e sofrimento, o que dá uma falsa imagem da realidade. Em New Rochelle, Nova Iorque, um assassino que representou na vida real um homicídio a paulada, à semelhança de um exibido na televisão, declarou à polícia que estava surpreso, pois a vítima não morreu com a primeira pancada, como ele havia visto na tela, mas lhe segurou a mão para defender-se e gemeu e chorou terrivelmente.
Leonard Eron, professor de psicologia da Universidade de Illinois, e seus colegas, compararam a “dieta” televisiva de 184 crianças de oito anos de idade, e repetiram a comparação quando elas completaram 18 anos: “Quanto mais violentos foram os programas presenciados na infância, mais belicosos foram os jovens e adultos. Verificamos que sua conduta estava infestada de ações anti-sociais, desde o roubo e o vandalismo até os ataques com armas mortais. As crianças adquiriram hábitos de agressividade que persistiram pelo menos por dez anos.”
Por que não se reduz a violência na TV? O relatório de dois pesquisadores, Clark e Blankeburg, mostra que existe um ciclo que reflete a busca de popularidade e que é o preço do que se busca, pois quando o “rating” indica que os programas violentos são populares, existe uma competição maior entre os canais e uma conseqüente emissão deste tipo de programa. Isto torna impossível a existência de qualquer controle, porque a procura é o fator determinante da projeção de um filme violento. O único controle que resta é o botão que liga o aparelho, mas para fazer isto é necessário força de vontade; e, lamentavelmente, a força de vontade é um baluarte dominado.
A televisão e o sexo. Considero importante o relatório preparado por Joyce Sparkin e Theresa Silverman para TV and Teens (A televisão e os adolescentes), no qual elas mostram que as mensagens que a televisão apresenta a respeito do sexo e do romance não conduzem o adolescente a uma atividade sexual amadurecida, ou a uma conduta responsável.
Um estudo realizado, mostra que são mais freqüentes os casos de gravidez nas jovens que assistem a televisão, do que nas que não assistem; porque as primeiras têm a tendência de depositar maior confiança nas experiências com o sexo oposto, para assemelhar-se assim às suas “heroínas” da televisão que fazem a mesma coisa. Esta não é senão outra amostra do aspecto condutivo que a televisão possui.
E quanto à perda de tempo? Porque em televisão é muito pouco o tempo que pode ser considerado como bem aproveitado. Quanto ao consumo de tempo, ver televisão fica abaixo do sono e do trabalho. Entre outras coisas, J. P. Robinson diz em seu relatório, que chegou a roubar parte do tempo dedicado ao descanso. Entre os cortes que o espectador se viu obrigado a realizar, para estar mais tempo diante da tela, figurava o tempo dedicado à família, à leitura de livros, às ocupações domésticas, e à religião.
É claro que, em muitos casos, a TV diminuindo o valor de aspectos vitais de nossa existência, levando-a à perda de algumas de suas características essenciais.
Em conclusão, considero necessário avaliar o tempo que passamos em frente à televisão. Também deveriamos calcular o valor daquilo que temos visto e o grau de virtude que encontramos. Em seguida, poderiamos recusar — e talvez seja muito — tudo o que for improdutivo e inútil.
Em geral, deveria ser exercido muito cuidado nos lares onde houver crianças. Estas não deveriam ver mais de três horas de televisão por semana, e essas horas deveriam ser adequadamente avaliadas por seus pais.
Não podemos permitir que nossos filhos fiquem entregues, em sua formação, ao critério mediocremente moral de multinacionais cujo único propósito é o consumo e o materialismo.
Nós, nossa mente, nossa família, nossa fé, nossa escala de valores somos fatores que devem entrar em jogo nessa avaliação, e não podemos submetê-los ao manuseio consumista e superficialista, onde um homem ou uma mulher alcançam a felicidade apenas se possuem determinado produto.
É preciso manter distância racional de um mundo que é mentiroso e que vende a mentira. Nossa mente, nossa escala de valores jamais poderão ser objeto da “colonização psíquica”. Deus criou o homem inserindo-o em um mundo de realidades, e lhe deu uma imaginação para que pensasse em um mundo melhor. Mas não o colocou no meio de fantasias, nem lhe quebrantou, por meio de técnica alguma, a faculdade soberana de imaginar. Somente alguém que gostaria de ver destruídas as mais legítimas aspirações do homem, procuraria implantar um sistema que o prende e o deixa entregue ao mundo exterior e à manipulação de sua mente.
Na mente, acha-se depositada toda nossa herança cultural, e todo nosso capital volitivo. Dela brotam nossos pensamentos, que determinam nossa conduta. São Paulo deu um conselho que visa salvaguardar a gênese de todo pensamento, quando disse: “Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai.” Filip. 4:8.