Consciente de sua indignidade, Isaías foi perdoado, aceito e capacitado a cumprir seu ministério profético

O dicionário define a palavra glória como “celebridade, renome, reputação, honra, orgulho, magnificência, brilho, esplendor, prestígio”.1 Em se tratando da glória divina, o termo é acrescido de outros significados, podendo se referir à presença do Senhor ou aos atributos de Seu caráter. “Especificamente, no que tange a Deus, a Sua glória é Sua espantosa presença, as Suas perfeições, os Seus atributos, a Sua santidade. A glória de Deus é a expressão de Sua santidade”.2 Isso foi percebido na ocasião em que Deus revelou Sua glória a Moisés e a ênfase recaiu sobre os aspectos que compõem a Sua natureza: bondade, misericórdia, compaixão, clemência, longanimidade, fidelidade, perdão e justiça. (Êx 33:18, 19; 34:5-7).

O que acontece quando o ser humano se prostra diante desta glória? Qual é o efeito da glória de Deus na vida de uma pessoa? Como essa experiência pode modificar nossa visão sobre Deus e o nosso comprometimento com Sua causa? Na experiência do profeta Isaías, encontramos respostas para essas perguntas.

O capítulo seis do livro de Isaías contém uma visão na qual o profeta descreve o seu encontro com a glória de Jeová. Desse capítulo destacaremos três lições: 1) Como Deus revela Sua glória; 2) como devemos nos apresentar diante dessa glória; e 3) o que a glória de Deus pode fazer por nós. No primeiro verso, Isaías relata: “No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de Suas vestes enchiam o templo”.

Uzias reinou 52 ano em Judá e foi um forte líder espiritual (2Cr 26:3-5). Ellen White comenta que seu reinado “foi caracterizado por uma prosperidade maior que a de qualquer outro rei desde a morte de Salomão, cerca de dois séculos antes… Sob as bênçãos do Céu, seus exércitos reconquistaram alguns dos territórios que tinham sido perdidos nos anos anteriores. Cidades foram reconstruídas e fortificadas, e a posição da nação entre os povos vizinhos foi grandemente fortalecida. Reavivou-se o comércio, e as riquezas das nações fluíram para Jerusalém. O nome de Uzias voou ‘até muito longe; porque foi maravilhosamente ajudado, até que se tomou forte’.”.3

Porém, o relato bíblico descreve o fracasso de Uzias em ter caído na tentação do orgulho (2 Cr 26:16). Ele expressou esse sentimento ao entrar no templo do Senhor para queimar incenso, atividade permitida somente a quem era sacerdote e não rei. A nação se degradava como reflexo da decadência espiritual de Uzias. Havia em Judá imoralidade e orgias como em Sodoma e Gomorra, opressão social, homicídios, roubos; tudo isso encoberto por hipocrisia religiosa (Is 1:10, 11-14, 17,21 e 23). Também havia ameaças de invasões. “Os tempos em que Isaías devia trabalhar estavam repletos de perigos peculiares para o povo de Deus. O profeta devia testemunhar a invasão de Judá pelos exércitos combinados do norte de Israel e da Síria; devia ele contemplar as tropas assírias acampadas diante das principais cidades do reino”.4

Diante disso, Isaías começou a duvidar do seu chamado, sentindo-se incapaz de prosseguir com a missão profética. Pensamentos desanimadores pressionaram sua mente. “Em face de tais condições, não é surpreendente que Isaías recuasse da responsabilidade, quando chamado a levar a Judá as mensagens de advertência e reprovação da parte de Deus, durante o último ano do reinado de Uzias. Ele bem sabia que haveria de encontrar obstinada resistência. Considerando sua própria incapacidade para enfrentar a situação, e tomando em conta a obstinação e incredulidade do povo para quem ia trabalhar, sua tarefa pareceu-lhe inexeqüível”.5 Foi então que ele recebeu a visão da glória divina.

Tudo sob controle

Escreve Isaías “… eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono…” (Is 6:1). A situação do momento era desanimadora, o rei havia morrido, a nação se degradava mais e mais, a invasão de nações inimigas era iminente. Diante desse quadro, Deus Se apresentou assentado em Seu trono como o supremo comandante da situação. Quando problemas ameaçam nossa fé, quando pressões internas e externas fazem com que cheguemos ao limite da nossa resistência, ou percebemos que, aparentemente, o mal vai predominar, é neste momento que Deus revela Sua glória como solução para nossos temores.

Deus transmitiu a Isaías uma visão de encorajamento, mostrando-lhe que Ele tem em Suas mãos o controle de tudo. Por mais que o governo humano falhe ou venha a faltar, existe um Deus que Se assenta no trono do Universo e mantém controle sobre toda a Sua criação. Ele cuida de Seus servos e os sustenta quando estes estão prestes a desanimar. Ele diz: “Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus”(Sl 46:10).

Diante da glória

O profeta contemplou serafins com seis asas louvando a santidade de Deus. Cada par de asas contém uma aplicação espiritual.

As duas primeiras cobriam o rosto, como representação da reverência com que devemos nos apresentar diante de Deus. “Os anjos velam o rosto em Sua presença. Os querubins e os santos serafins aproximam-se do Seu trono com solene reverência. Quanto mais deveríamos nós, seres finitos e pecadores, apresentar-nos de modo reverente perante o Senhor, nosso Criador!”.6 O verdadeiro adorador é consciente da grandeza de Deus e do respeito que Lhe é devido.

O segundo par de asas cobria os pés como sinal de humildade. A humildade distingue todo aquele que experimenta um encontro com Deus. Foi assim com Moisés, ao sentir-se incapaz diante da missão que Deus lhe confiara (Êx 3), Gideão, quando comissionado pelo Anjo do Senhor (Jz 6:11-16), e Jeremias, quando Deus o chamou para ser profeta (Jr 1:4-8). “Ao escolher homens e mulheres para o Seu serviço, Deus não indaga se possuem saber, ou eloqüência, ou riquezas mundanas. Pergunta: ‘Andam eles com tanta humildade, que Eu lhes possa ensinar os Meus caminhos? Posso pôr-lhes nos lábios as Minhas palavras? Hão de representar-Me?’.”7

Essa característica é adquirida pela convivência diária com o Senhor Jesus Cristo, pois Ele é a fonte de aprendizado desta virtude (Mt 11:28, 29). A contemplação diária do amor de Cristo é o antídoto que desfaz o veneno do orgulho. “Orgulho e egoísmo não podem florescer no coração de quem guarda viva na memória as cenas do Calvário.”8

Com o terceiro par de asas, os anjos voavam. Estas são as asas do serviço. Quando somos transformados pela glória de Deus, nosso desejo é proclamar essa glória àqueles que ainda não a conhecem. A comunhão com Deus nos impulsiona para o Seu trabalho, despertando-nos para a urgência de Sua obra. “Mal está uma pessoa convertida, nasce dentro dela o desejo de tornar conhecido a outros que precioso amigo encontrou em Jesus. A salvadora e santificadora verdade não lhe pode ficar fechada no coração.”9

Na visão de Isaías, o atributo divino mais enfatizado foi a santidade. Os serafins repetiam o cântico: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos” (v. 3). O senso da santidade de Deus marcou o ministério de Isaías, pois em suas mensagens ele sempre se referia a Deus como o “Santo de Israel”, recordando as palavras que ouvira (Is 12:6; 17:7; 29:19; 30:11, 12; 31:1; 47:4; 54:5; 60:9). Deus espera que Seu povo ande no caminho da santidade, pois este atributo é um requisito indispensável para a volta de Cristo (Hb 12:14).

Resultados

Contrastando a santidade de Deus com a sua pecaminosidade, Isaías temeu pela própria vida. Pensou que seu fim seria o mesmo que o do rei Uzias, pois em visão, ele também estava dentro do templo, lugar restrito apenas aos sacerdotes ungidos. Mas a diferença entre Uzias e Isaías era que este último se apresentou diante de Deus com atitude humilde e reverente, consciente da sua pobreza espiritual e da sua necessidade de perdão. Uzias entrou no templo com o espírito orgulhoso e resistente aos apelos de Deus dirigidos a ele pelo sacerdote. Deus respondeu a Isaías, purificando-o dos seus pecados através da brasa viva que fora tirada do altar (Is 6:6). A Uzias foi infligida uma disciplina, por ter persistido em seu comportamento arrogante e pecaminoso (2Cr 26:19-21). Um foi aceito por Deus em Seu serviço; e o outro foi rejeitado. Podemos ser aceitos ou rejeitados, conforme nossa atitude diante de Deus: humildade ou arrogância.

Após ter sido purificado, Isaías ouviu o apelo de Deus para se consagrar ao ministério profético (Is 6:7, 8). A resposta do profeta foi imediata e segura: “eis-me aqui, envia-me a mim”. No verso 5, o percebemos num tom desanimador e sem esperança, mas agora, há um tom cheio de vida, decidido e animador (v. 8). O que fez a diferença entre estes dois momentos? Certamente, foi o toque da brasa divina em seus lábios. O profeta se sentiu perdoado e renovado. E, em resposta ao que Deus fez em seu favor, ele se dispôs a atender o apelo missionário.

Assim como Isaías, devemos manter nossos olhos fixos na glória de Cristo, enquanto Ele intercede por nós no santuário celestial (Hb 4:14-16; 12:1). A contemplação da glória divina reproduzirá em nós o caráter de Cristo, e assim seremos transformados “de glória em glória” na própria imagem do Senhor (2Co 3:18). Tal experiência pode ser alcançada na comunhão diária com Deus, através da oração e do estudo de Sua Palavra. É assim que assimilaremos mais do Seu caráter e estaremos mais convictos da solenidade do nosso chamado.

Referências:

  • 1 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2° ed. (São Paulo – SP: Nova Fronteira, 1986), p. 853.
  • 2 Russell Norman Champlin, O Antigo Testamento interpretado: versículo por versículo, v. 6, dicionário, A – L (São Paulo, SP: Hagnos, 2001), p. 4377.
  • 3 Ellen G. White, Profetas e Reis (Tatuí – SP: Casa Publicadora Brasileira), p. 303
  • 4 _______________, Profetas e Reis, p. 305.
  • 5 Ibid., 306 e 307.
  • 6 Ellen G. White, O Maior Discurso de Cristo, p. 106.
  • 7 _______________, O Colportor Evangelista, p. 48.
  • 8 _______________, Testemunhos Seletos, v. 1, p. 231.
  • 9 _____________, O Desejado de Todas as Nações, p. 141.