A Igreja de Deus tem sido identificada na Bíblia através dos mais belos adjetivos e figuras de linguagem, tais como: “Coluna e baluarte da verdade” (I Tim. 3:14 e 15); “… a menina do Seu olho” (Zac. 2:8).

Essas declarações atestam o carinho e o desvelo do Senhor para com o Seu povo e representam um indizível privilégio, que, por sua vez, reclama uma igualmente significativa responsabilidade.

A este Seu povo, especialmente considerado, Deus confiou o desempenho de uma elevada missão: proclamar o evangelho. “Anunciar as virtudes” de Deus e tomar conhecidos os Seus propósitos em relação ao ser humano. Tudo isso bem pode ser resumido numa palavra – evangelizar.

Geralmente, a palavra “evangelização” tende a dar uma limitada ideia de simples promoção departamental. Com frequência, seu uso está associado a campanhas, programas, projetos, etc. Todavia, envolve muito mais do que isso. Desde o Éden, ela tem sido caracterizada como anúncio de boas-novas de salvação para um mundo caído.

A entrada do pecado ocasionou rupturas nos vários aspectos do relacionamento humano. O terceiro capítulo do livro de Gênesis revela que o pecado feriu primeiro o relacionamento do homem com Deus, considerando que Adão, após ter consciência do seu procedimento, já não desfrutava do mesmo prazer anteriormente sentido no encontro com seu Criador, “na viração do dia” (v. 10). Em seguida foi atingido o relacionamento familiar, ao surgir o primeiro motivo para acusação da parte do esposo, em relação a esposa (v. 12). Mesmo o relacionamento do homem para com a criação não ficou ileso. O Senhor pronunciou uma maldição sobre a Terra em virtude da culpa de Adão (v. 17).

Mas Deus prometeu restabelecer a perfeita harmonia desses relacionamentos, através do plano da redenção, anunciando ao homem pecador o Evangelho, assegurando a vinda de um Salvador que esmagaria a cabeça de Satanás, facultando ao homem as bênçãos da salvação (v. 15).

Indivíduos e grupos comissionados

Os filhos de Deus, de todas as épocas, sempre se identificaram com a tarefa de anunciar salvação aos que perecem. Deus suscitou homens especialmente escolhidos, povos, a fim de fazer conhecidos os Seus propósitos salvadores à toda nação, tribo e língua. Os descendentes de Adão herdaram sua natureza pecaminosa, afastaram-se da perfeição e justiça de Deus, tomando-se carentes da suprema esperança que está envolvida por esta boa-nova. E, à Sua igreja, o Senhor outorgou o encargo de desvendá-la diante dos homens, desde as mais remotas eras, através da missão evangelizadora.

Esse trabalho não consiste apenas em mostrar ao mundo a imagem de uma Igreja patrimonialmente próspera, que realiza excelente trabalho na área de Assistência Social. Hospitais, colégios, universidades, e demais instituições, são meros instrumentos para o cumprimento de uma missão que acima de tudo consiste em mostrar Cristo como salvação para um mundo. Anunciar a manifestação de Sua graça salvadora para todos.

No relato sobre o Dilúvio (Gên. 6 a 8), encontra-se bem clara a essência da tarefa de proclamação da mensagem de Deus, como advertência para salvação, em vista da iminente destruição do gênero humano que se havia corrompido. Este é um aspecto do evangelismo: Deus irá colocar um fim na triste história do mal. Os homens necessitam saber disso, a fim de se prepararem para que estejam entre os salvos dessa destruição.

Nos dias de Noé, a raça humana havia chegado aos mais baixos níveis de degradação moral e espiritual. Aviltara-se gigantescamente. Deus o chamou, e o incumbiu de advertir aos seus contemporâneos da punição que infligiria aos seus pecados. Era a oportunidade de conversão que Ele oferecia a todos. Era a chance de um retomo aos caminhos de justiça. Noé cumpriu fielmente seu papel para aquele tempo. Ainda que a maioria não lhe desse ouvidos e rejeitasse os apelos, logrou salvar a sua família, e figura hoje como um dos pioneiros da proclamação. Em Seus propósitos sábios, Deus permitiu espalharem-se os seus descendentes por diversos pontos da Terra, como enviados especiais, cumprindo a missão de anunciar a excelência do Senhor (Gên. 10).

Buscando dar continuidade à proclamação das Suas virtudes, o Senhor suscitou a Abraão, em Ur dos caldeus. Chamou-o para que saísse da sua terra, de entre a sua parentela, para uma terra desconhecida. Por onde quer que Abraão passasse deveria fazer conhecidos os propósitos e ideais de Jeová.

Verificava-se um crescente sentimento de idolatria em seu tempo. Mesmo seus familiares estavam pouco a pouco deixando-se envolver pelas crenças pagãs. Aliás, esta foi uma razão pela qual Deus lhe ordenou saísse do meio da sua parentela. Poderia não ser bem aceito ao procurar viver uma vida diferente. Seus familiares, por certo, não entenderiam o seu modo de vida, nem a mensagem que foi comissionado a transmitir.1 Naturalmente isso não significava que não deveria importar-se em adverti-los.

De Abraão, Deus deu origem à nação israelita, inumerável como as estrelas, que se tomaria Seu povo exclusivo para propagar as virtudes do Seu caráter. Empenhado inicialmente em cumprir a missão que lhe fora confiada, Israel atingiu a indivíduos de outras nações, como por exemplo, Melquisedeque, Rahab, Balaão, Job e Rute, a moabita.

Várias passagens bíblicas expressam o desejo de Deus em alcançar outros povos, através de Israel: “Aos estrangeiros que se chegam ao Senhor, … também os levarei ao Meu santo monte…” (Isa. 56:6 e 7); “… a terra se encherá do conhecimento… do Senhor…” (Hab. 2:14). Assim, Deus planejara que Israel se tomasse um instrumento através do qual a Terra inteira seria atingida pelo conhecimento do Seu amor.

Duplo sentido da missão

Pode-se entender o cumprimento da missão da Igreja através dos tempos, e de modo especial na experiência de Israel, em dois sentidos: o sentido Centrípeto e o sentido Centrífugo.2

No sentido Centrípeto, Israel seria o centro das atenções dos outros povos. Geograficamente bem localizada, a nação era um centro para onde convergiam as atenções dos povos vizinhos. Sua prosperidade material seria de tal modo considerável, que chamaria a atenção dos outros povos ao redor. O Senhor havia prometido abençoar o Seu povo: “… Ele te amará e te abençoará e te fará multiplicar…” (Deut. 7:13). E essa demonstração de favor seria a razão pela qual outros povos seriam despertados. E, ao entrarem em contato com os israelitas, conheceriam o verdadeiro Deus.

Um exemplo disso evidenciou-se no relato da visita da rainha de Sabá a Salomão. Ela ouvira falar das grandezas de Salomão e seu reino. Sabia que tudo era fartura e abundância. E admirou-se grandemente ao deparar-se, pessoalmente, com a realidade: “eis que não me contaram a metade…” (I Reis 10:6).

Numerosas passagens das Escrituras destacam o sentido Centrípeto da missão. Eis algumas delas: “Príncipes vêm do Egito; a Etiópia corre a estender as mãos para Deus” (Sal. 68:31); “Irão muitas nações e dirão: vinde, e subamos ao monte do Senhor, e à casa de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos e andemos nas Suas veredas” (Isa. 2:3); “E os habitantes de uma cidade irão à outra dizendo: vamos depressa suplicar o favor do Senhor, e buscar o Senhor dos Exércitos… Virão muitos povos, e poderosas nações, buscar em Jerusalém o Senhor dos Exércitos… pegarão na orla da veste de um judeu e lhe dirão: iremos convosco, porque temos ouvido que Deus está convosco” (Zac. 8:21 a 23).

O sentido Centrífugo da missão consiste em que o povo de Deus saia para além de suas fronteiras, conduzindo a mensagem da vontade e do amor do Senhor para a vida dos que não O conhecem. Poderíamos dizer que no sentido Centrípeto Israel seria procurado. Mas no sentido Centrífugo, sairia a procurar.

O sentido Centrífugo da missão não é muito claro no Antigo Testamento. Há poucas menções a seu respeito. A profecia mencionada por Isaías no capítulo 42 do seu livro, versos 1 a 4, pode muito bem ser entendida como uma referência a esse aspecto da missão, ao dizer que “o servo do Senhor … promulgará o direito para os gentios”. Outro exemplo é o envio de Jonas à cidade de Nínive. Nada é mencionado quanto a virem os ninivitas entrar em contato com os israelitas, mas um israelita foi chamado para pregar em Nínive.

Todavia, apesar das reduzidas referências, ninguém necessita duvidar que os judeus continuaram buscando cumprir a missão. Na Diáspora, onde passavam, iam eles disseminando a crença em Deus. Vários historiadores judeus fazem referência a este procedimento, conhecido como proselitismo judeu. Citando Estrabón, o Pastor Werner Vyhmeister afirma que “é difícil encontrar um só lugar no mundo habitado que não haja admitido a esta tribo de homens, e que não seja possuído por ela”?

Jesus mencionou o proselitismo judeu: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito” (S. Mat. 23:15).

Harnack estima que nos dias de Cristo havia cerca de quatro milhões e meio de judeus somente na área mediterrânea do Império Romano, correspondendo a um total de 7% de toda a população dessa área.4

Alguns prosélitos judeus são mencionados entre os conversos ao cristianismo: “tanto judeus, como prosélitos, cretenses e árabes” (Atos 2:11); “o parecer agradou a toda a comunidade, e elegeram… e Nicolau, prosélito de Antioquia” (Atos 6:5); “Despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram a Paulo e a Barnabé” (Atos 13:43).

A missão no Novo Testamento

Algumas declarações de Cristo, no Novo Testamento, parecem inicialmente dar a impressão de que a missão estaria centralizada em Israel: “Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; mas, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel” (S. Mat. 10:5 e 6); “Mas Jesus respondeu: não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (S. Mat. 15:24).

Mas outras passagem deixam clara a extensão da salvação também a outros povos: “Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos Céus” (S. Mat. 8:11); “A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos” (S. Mar. 11:17); “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a Minha voz; então haverá um só rebanho e um só pastor” (S. João 10:16).

Portanto, apesar da aparência anterior, de caráter exclusivista, Jesus planejou agregar outros povos a Si, e Ele mesmo foi visto muitas vezes entrando em contato com gentios e samaritanos, tendo em vista levar-lhes a salvação.

Ao levantar-Se na sinagoga, lê o profeta Isaías e atribui-Se a tarefa de levar a libertação espiritual a todos quantos dele necessitassem (S. Luc. 4:16 a 30). Sempre fêz referências desprovidas de quaisquer preconceitos aos samaritanos (S. Luc. 10:25 a 37). Na experiência da cura dos dez leprosos, Jesus enalteceu o comportamento do único que voltou para agradecer-Lhe, e este era um samaritano (S. Luc. 17:11 a 19). Assim mesmo nem sempre foi bem recebido por essa gente.

Numa época em que a mulher não gozava de privilégios, sendo considerada escrava, Ele travou diálogo com uma mulher de vida irregular, e samaritana, (S. João 4:4 a 42), levando-lhe a mensagem de salvação e tornando-a um conduto pelo qual outras pessoas foram alcançadas.

Jesus atendeu aos clamores dos gentios que a Ele se dirigiriam em busca de cura física. Assim foi na experiência do servo do centurião (S. Mat. 8:5 a 13); da mulher cananéia (S. Mat. 15:21 a 28); e do endemoninhado gadareno (S. Mar. 5:1 a 20). Grandes multidões O procuravam sempre desde “Jerusalém, da Iduméia, dalém do Jordão e dos arredores de Tiro e Sidom” (S. Mar. 3:8).

À luz desses fatos, o povo escolhido de Deus jamais poderia ter ousado permanecer fechado em seus privilégios, mas envolvido na tarefa específica de salvar os perdidos.

É interessante notar a existência, no Novo Testamento, do sentido centrífugo da missão. Antes da ressurreição, Jesus não faz um chamado específico à realização de uma missão mundial, todavia, antecipa o caráter mundial dessa missão:

“E será pregado este evangelho do reino, por todo o mundo, para testemunho de todas as gentes…” (S. Mat. 24:14).

“E Eu, quando for levantado da Terra, atrairei todos a Mim mesmo” (S. João 12:32).

No entanto, após a ressurreição, é feito um chamado específico à Igreja, para o cumprimento de sua missão. Isso é bem evidente na conhecida comissão evangélica:

“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os…, ensinando-os…” (S. Mat. 28:19 e 20).

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (S. Mar. 16:15).

“Assim como o Pai Me enviou, Eu também vos envio… Recebei o Espírito Santo” (S. João 20:21 e 22).

Nos albores da Igreja apostólica, foram dadas instruções específicas quanto ao desempenho da tarefa missionária, que deveria começar em Jerusalém e estender-se até aos “confins da Terra” (Atos 1:8).

Para o cumprimento de tal ordenança, os discípulos não poderiam prescindir do Espírito Santo e Seu poder. Jesus, então, prometeu: “Eis que envio sobre vós a promessa de Meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (S. Luc. 24:49).

“Mas recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo e sereis Minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da Terra” (Atos 1:8).

A partir da experiência do Pentecostes (Atos 2), a Igreja apostólica lançou-se ao desempenho missionário. Numa época de recursos humanos limitados, diante da gigantesca área geográfica, Deus encarregou-Se de tomar a iniciativa que conduziria ao sucesso na proclamação do Seu amor. Primeiramente, observou-se o milagre do Pentecostes. Estando reunidos os judeus de diversas partes, e portadores dos mais diversos idiomas, Ele miraculosamente derramou o poder do Seu Espírito, facilitando a todos os presentes o entendimento da mensagem cristã através da manifestação do dom de línguas.

Também Deus permitiu a eclosão das primeiras perseguições aos discípulos, que se revelaram benéficas na medida em que, enquanto se dispersavam fugitivos, anunciavam a Palavra.

“Entrementes os que foram dispersos, iam por toda a parte pregando a Palavra. Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam unânimes” (Atos 8:4 a 6).

“Então os que foram dispersos… se espalharam… não anunciando a ninguém a Palavra, senão aos judeus. Alguns deles porém, … falavam também aos gregos, anunciando-lhes a Jesus. … E muitos, crendo, se converteram” (Atos ll:19 a 21).

Assim, os que tomaram a direção da Fenícia, Chipre e Antioquia, evangelizaram os judeus. Os que foram à Cirene, e também alguns dos que foram à Antioquia e Chipre evangelizaram aos gregos. Houve conversões.

“A perseguição que sobreveio à Igreja de Jerusalém deu grande impulso à Obra do Evangelho. O êxito havia acompanhado o ministério da Palavra neste lugar, e havia o perigo de que os discípulos permanecessem demasiado tempo ali, desatendendo à comissão do Salvador de ir a todo o mundo. Esquecendo que a força para resistir ao mal é obtida mediante o serviço agressivo, começaram a pensar que não tinham nenhuma obra tão importante como proteger a Igreja de Jerusalém dos ataques inimigos. Em vez de ensinar aos novos conversos a levar o evangelho àqueles que não o tinham ouvido, corriam o perigo de adotar uma atitude que induzisse a todos a sentirem-se satisfeitos com o que haviam realizado. Para dispersar a seus representantes, para onde pudessem trabalhar para outros, Deus permitiu que fossem perseguidos. Afugentados de Jerusalém, os crentes iam por todas as partes anunciando a Palavra.”5

Por iniciativa divina foi que Filipe encontrou-se com o eunuco da Etiópia (Atos 8:26 a 40); Saulo converteu-se de modo simplesmente singular (Atos 9:1 a 22); Pedro encontrou o centurião Cornélio (Atos 10:1 a 22).

A missão hoje

Assim, a história bíblica registra lances preciosos que atestam a existência de um sólido fundamento para a missão, desde os dias do Velho Testamento. A missão maior e única da Igreja hoje é pregar o evangelho “a toda criatura”.

A missão confiada aos judeus passou a ser dos cristãos e dirigida aos gentios e judeus.

É uma missão de caráter mundial. “… De maneira que desde Jerusalém e circunvizinhanças e até ao Ilírico, tenho divulgado o evangelho de Cristo, esforçando-me deste modo por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado…” (Rom. 15:19 e 20); “… e com o Teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Apoc. 5:9); “Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas…” (Apoc. 7:9).

É nosso o privilégio de concluir a bendita tarefa missionária, confiada por Deus à Sua Igreja. Nosso envolvimento fiel e incansável no desempenho da missão culminará com o glorioso retomo de Cristo à Terra. Sob o poder do Espírito, apressemo-nos em cumpri-la.

Referências:

1. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, CASA, 1990, pág. 120.

2. Werner Vyhmeister, Misión de la Iglesia Adventista, IAE, 1979, pág. 1.

3. Idem, pág. 2.

4. Idem, idem.

5. Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, CASA, 1990, pág.105.

ZINALDO A. SANTOS, Redator responsável da revista Ministério